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Mercado anseia por impeachment, escala críticas e teme dia seguinte

Economistas se revezam em ataques, mas analistas não descartam cenário em que Dilma sobreviva

O ministro Barbosa em São Paulo.
O ministro Barbosa em São Paulo.Rovena Rosa/ Agência Brasil

Diante de uma plateia de economistas e investidores em São Paulo, Affonso Pastore, ex-presidente do Banco Central (entre 1983 e 1985), demorou poucos segundos para responder qual seria sua primeira medida como ministro da Fazenda caso aceitasse assumir o cargo. “Seria pedir demissão e, dependendo do presidente, a dele também”, ironizou. A declaração fortemente aplaudida reflete, de certa forma, o tamanho do descontentamento do mercado financeiro com o Governo Dilma Rousseff e suas políticas econômicas, o que conflui na torcida entusiasta pelo impeachment.

Para Pastore, não há dúvidas de que a recessão que o país atravessa tem origem doméstica e é resultado da desarrumação das contas, incluindo o desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, e do excesso de ativismo na economia. “[Tudo isso] tem um poder de destruição que estamos assistindo agora”, afirmou durante debate no Itaú Macro Vision, um prestigioso evento anual promovido pelo maior banco privado do Brasil.

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Na abertura, nesta quinta-feira, o presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, escolheu tom moderado de costume e evitou comentar a possível queda do Governo. “Se a nossa previsão de queda de 4% do PIB se confirmar, teremos a pior recessão em um século”, afirmou.

Setubal não teria muitas companhias moderadas entre os especialistas econômicos do evento. Além de Pastore, Gustavo Franco, outro ex-presidente do Banco Central (1997-1999), não poupou críticas. Para o economista, o Executivo “tratou empresas como se fossem partidos políticos”, o que pode ser definido como "capitalismo de compadrio" ou "de capangas", afirmou. “O Governo fez uma tentativa de ganhar o Prêmio Nobel de Economia fazendo tudo errado, achando que a sociedade não ia perceber, com desarrumação fiscal e uma política de compadres nas estatais”, criticou.

O fato do pedido de impeachment contra Dilma ser baseado na violação da Lei de Responsabilidade Fiscal é visto positivamente por Franco. “É uma evolução e uma conquista importante que a responsabilidade fiscal possa derrubar um presidente”, disse. Quando questionado como os empresários poderiam ajudar na saída da crise, Franco afirmou que uma das alternativas era ir para as às ruas mostrar o descontentamento.

O empresário Ruben Ometto, controlador do Grupo Cosan, do setor de açúcar e álcool, também criticou o que chamou de intervencionismo do Governo. "Para acabar com a corrupção, é preciso que o Governo deixe de ser empresário. Enquanto o governo intervir no mercado, sempre haverá corrupção".

Guarda-chuva não causa chuva

Palestrante no evento, o ministro da Fazenda , Nelson Barbosa, não enfrentou a saia-justa de escutar as saraivadas de críticas. Falou antes, fez uma enfática defesa de Dilma frente ao impeachment (“A história brasileira vai analisar todo esse processo no futuro”) e disse que a solução do impasse econômico depende da política. “Nossos problemas econômicos não irão embora com o fim do impasse político. Ainda temos que construir soluções econômicas. Nesse momento, a economia tem que ajudar a política", afirmou.

Sobre as mudanças da meta fiscal do resultado primário nos últimos anos, Barbosa quis ressaltar que não foi a alteração da meta que gerou um resultado ruim, como, segundo ele, avaliam alguns analistas. O ministro argumenta que foi a frustração de receita que levou à revisão: “Dá mesma forma que você não pode dizer que, se alguém saiu de guarda-chuva, ele causou a chuva, você não pode dizer que, ao reconhecer que terá um resultado ruim, você causou esse resultado”, disse.

Barbosa não se despediu sem antes enviar um recado aos que falariam depois dele. Criticou os Governos passados ao afirmar que antes viviam o “presidencialismo imperial”, já que verbas orçamentárias e a meta do primário eram mudadas por Medidas Provisórias, e disse que hoje vivemos uma democracia mais avançada. Pediu evitar as abordagens “simplistas e ideológicas”.

As chances de impeachment

Quando o evento migrou para a análise do cenário político, o quadro desenhado foi mais matizado. Analista da Eurasia Group, uma das maiores consultorias de risco do mundo, Christopher Garman, afirmou que há nesta semana 75% de chance da presidente não terminar o seu mandato. O analista destacou, no entanto, que a probabilidade de um impeachment nas próximas semanas pelo processo atual é menor, calculada como próxima de 60%.

Garman avalia que o desembarque do PMDB da base aliada, calculado para gerar um novo desgaste político, foi um passo precipitado do partido já que o Governo ganhou mais terreno nas negociações. “Se a votação fosse hoje ele (Governo) levaria, mas ainda teremos novos desdobramentos da Lava Jato”, disse. Na visão do analista, uma nova eleição geral seria a melhor solução do ponto de vista de estabilidade institucional do país e de legitimidade do novo governante.

Já Oscar Vilhena, professor da Fundação Getúlio Vargas, observou que há também a possibilidade, ainda que menor, de uma grande conciliação. "Não se aprova o impeachment, o STF (Supremo Tribunal Federal)  autoriza a posse do presidente Lula como chefe da Casa Civil e ele tenta fazer um rearranjo político de sobrevivência", explicou.  O STF deve julgar se Lula pode ou não pode tomar posse no dia 20, após data prevista para votação do impeachment. 

Seja como for, nenhum dos participantes previu período de calmaria independentemente do lado vencedor. Affonso Pastore afirmou que o Estado não poderá se esquivar de medidas necessárias, mas impopulares, como a Reforma da Previdência. Para Gustavo Franco, um possível presidente Michel Temer terá desafios para montar seu Governo: "Se não acontecer (o impeachment), não se encerra o assunto. Claro que será uma decepção, o mercado não vai gostar. Porém o jogo continua".

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