_
_
_
_

Liniker ‘versus’ Lineker: o mesmo nome para duas vozes da nova geração

O mundo quer um 'novelão', mas os dois músicos que brilham na cena independente negam a rixa

Lineker e Liniker cantam juntos em São Paulo.Vídeo: Rodrigo Machado

Se a vida real fosse uma novela, o enredo seria fácil: um cantor jovem, talento emergente da música brasileira, desenvolve feliz a sua arte até o dia em que descobre que circula por aí um concorrente... que ostenta seu nome. E olha que é um nome difícil: Lineker (ou a versão abrasileirada dele, Liniker). Ambos são excêntricos, orgulhosos do próprio corpo, rasgam a voz e lotam casas de shows do circuito cultural independente. Em segredo, eles competem.

Mais informações
A Billie Holiday carioca que quer cantar em português
As Bahias e a Cozinha Mineira: “Para o trans, todo dia é um evento”
Samba é sangue que corre nas veias da Bahia
Funk, o ‘bonde’ da revolução sexual feminina

Tudo seguiria sob controle, não fosse o público perdido, convites trocados, pessoas indo à apresentação de um pensando que vai à do outro, sendo que um é branco e tem a voz aguda, o outro é negro, vozeirão grave. Como isso é possível? Não. Definitivamente não há espaço no showbiz para dois herdeiros do nome de Gary Lineker, o futebolista inglês que brilhou em três Copas do Mundo, de 1986 a 1994, e sem saber saiu batizando crianças no Brasil. “Vou eliminá-lo”, diriam em uníssono diante de uma tela da TV em que um assistisse ao outro. Mas a realidade pode ser mais generosa.

O EL PAÍS toca a campainha de um apartamento no centro paulistano, e Lineker, um mineiro de 29 anos nascido em Bambuí, abre a porta. No segundo beijinho no rosto já aparece ele, Liniker, negro alto, 20 anos, de Araraquara, no interior de São Paulo. Enquanto aguardavam a repórter, os dois almoçavam, tricotando sobre a vida, a arte e as coincidências que inspiraram aquele encontro. “Essa excentricidade vem de Aquário! Nós dois temos o mesmo ascendente”, diz o mais velho (cujo signo é Leão) ao mais novo (de Câncer). As risadas são fartas e o amor, infinito.

Liniker e Lineker são tímidos na pessoa física, expansivos na pessoa artística, capazes de chocar os caretas

Ainda bem. Indo além das aparências, Lineker Henrique de Oliveira e Liniker de Barros Ferreira Campos têm de fato muito em comum, a começar pelo desejo de acolher essa espécie de irmão gêmeo, como se tivessem sido separados no nascimento e redescobertos há pouco em suas vidas. Começaram na música por influência de casa: o primeiro, acompanhando o pai na Igreja, agarrado às suas pernas enquanto ele tocava o violão; o segundo, participando dos encontros dos tios músicos e das apresentações da mãe dançarina de samba rock.

São tímidos na pessoa física, expansivos na pessoa artística, capazes de chocar com a capa de um disco em que um aparece correndo nu no pasto verdejante (como fez Lineker, com o recém-lançado EP Verão) e ao usar saia, turbante, barba, brincos e batom (como faz Liniker em seu show de divulgação do EP Cru). Ambos estonteantes, mesmo quando econômicos, sentam no chão da sala de pernas cruzadas, sorriem com os olhos e apertam fraternalmente as mãos. Fora do palco, poderiam levitar. Nele, querem catarse.

“No show, a entrega é muito intensa”, diz Liniker, que debutou com Cru em outubro do ano passado e desde então não parou de fazer shows. Lineker, que está há mais tempo na estrada e lançou seu primeiro disco, eLe, em 2012, complementa: “A gente ativa uma outra camada, que existe sob a pele”. O trabalho de ambos resgata a música brasileira, buscando levá-la adiante, agregando referências musicais de outros lugares e ostentando uma enorme bandeira de liberação. Parecem sintonizados, ainda que não se conheçam intimamente, a não ser pelo rumor de amigos e colaboradores preocupados com suas carreiras paralelas.

“Quando o Liniker lançou o Cru, foi aquela coisa, o EP viralizou, e as pessoas, principalmente as mais ligadas à produção musical, começaram a me alertar sobre possíveis confusões”, conta o mineiro, que além de músico é dançarino formado pela Universidade Estadual de Campinas e pesquisador na área de Artes Cênicas. Foi ele quem deu o primeiro passo e escreveu para Liniker, que já sabia de sua existência através de amigas da Unicamp. “Conversamos, trocamos mensagens e achamos que seria estranho trocar de nome, porque já tínhamos nossos trabalhos lançados. Além disso, é o nosso nome de batismo”, conta Liniker. “Todo muito quer que não seja legal. Que seja penoso, rixa, digladiado. E não é. Não quero isso para o meu trabalho, e ele não quer para o dele”.

Mas as confusões acontecem, porque afinal, opina Lineker, "vivemos em um mundo de muita falta de atenção”. Ele não esconde certa intriga com isso: “Estou pelado correndo na capa do Verão, e as pessoas escutam e compartilham o disco no Facebook dizendo: 'Nossa, mas a voz está diferente… Cadê aquela rouquidão?”, conta. A solução que veem para os desorientados é "contar com o bom senso dos programadores culturais, do público e da imprensa”, que podem fazer a distinção entre os dois. "Um trabalho não precisa existir ou deixar de existir em função do outro”, garantem.

Afastada a rixa, ambos decidiram se “colocar juntos”, assumir que é muito provável que o nome de um surja quando se falar do outro, não importa o quanto um seja branco e cante como Ney Matogrosso e o outro seja negro e pareça o Tim Maia de saias. Tanto é assim, que já têm programada a primeira a apresentação juntos, durante a Semana da Diversidade Sexual de Araçatuba (de 16 a 20 de março). Serão dois shows na mesma noite, em que cada um apresenta seu trabalho, mas em um só palco. E, claro, um só coração.

Reportagem em vídeo: Rodrigo Machado

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_