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Brasil encara o Carnaval da recessão

Várias cidades suspendem seus desfiles por falta de recursos

Ensaios das escolas de samba no Rio.
Ensaios das escolas de samba no Rio.B.K. (Getty Images/Robert Harding World Imagery)
María Martín

Não há neste Carnaval nenhuma fantasia, por mais criativa que seja, capaz de alavancar as vendas das lojas especializadas. Na tradicional fábrica de máscaras Condal, no Rio do Janeiro, os funcionários moldaram neste ano o rosto do japonês da Federal – o agente que aparecia com ar risonho e óculos de sol junto a todos os detidos da Operação Lava Jato. Também desenharam a do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e a dos políticos presos no escândalo da Petrobras, mas não há nenhum clima de euforia.

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“Vendemos 3.000 máscaras do japonês, mas o resto, junto, não chega a outras 3.000. Só da do Joaquim Barbosa [então ministro do Supremo Tribunal Federal que foi protagonista no Carnaval de 2013] vendemos 15.000! Este ano está sendo muito difícil, vendi 30% menos”, calcula Olga Gibert, a catalã que comanda essa fábrica que abastece o Brasil com máscaras há 40 carnavais.

A crise no Brasil, em recessão há seis meses e com uma inflação muito acima do índice previsto, está desinflando o ânimo e os bolsos dos brasileiros, fechando lojas de fantasias – “Das 40 lojas que atendíamos em Belém, sete faliram”, conta Gibert – e anestesiando qualquer euforia para a festa mais importante do ano. Várias cidades cancelaram seus desfiles para investir em necessidades básicas a pequena fortuna antes dedicada ao Carnaval.

A cidade de Porto Ferreira, no interior de São Paulo, por exemplo, precisava de uma ambulância, então a prefeita decidiu dedicar à secretaria da Saúde os 150.000 reais inicialmente orçados para a folia. Em Irati, no Paraná, os 100.000 reais do desfile serão gastos em obras para evitar alagamentos no centro do município. A prefeitura de Rolim de Moura, em Rondônia, construirá salas de aula com os 120.000 reais reservados para o Carnaval, e Júlio de Castilhos, no Rio Grande do Sul, aproveitará os 24.000 reais do folguedo para recapear estradas. A imprensa local calcula que em mais de cem cidades o Carnaval será cancelado ou reduzido à sua mínima expressão.

No Rio, capital mundial do Carnaval, é provável que os turistas – cerca de um milhão deles são esperados – não vejam rastro da crise durante a festa. O prefeito Eduardo Paes decidiu dobrar a subvenção pública às escolas de samba (de 12 para 24 milhões de reais), mas, nos bastidores, a crise também aperta. A duas semanas dos desfiles, o Sambódromo ainda não alugou cerca de 20 camarotes, algo inédito desde 2000. Os tradicionais desfiles de rua, que dependem de patrocínios, também precisaram apertar os cintos. Seus organizadores reduzirão os músicos e os gastos em fantasias, mas prometem sair à rua mesmo que precisem passar o chapéu.

Delcídio Amaral, Eduardo Cunha e o japonês da Federal na fábrica de máscaras de Carnaval, no Rio.
Delcídio Amaral, Eduardo Cunha e o japonês da Federal na fábrica de máscaras de Carnaval, no Rio.Vanderlei Almeida (afp)

A crise serve de inspiração

A interminável novela da crise política brasileira, com a ameaça de um processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, a corrupção e as dificuldades econômicas, são temas centrais nas letras que serão ouvidas nas ruas brasileiras durante o Carnaval. No concurso de marchinhas do centro cultural Fundição Progresso, no Rio, 60% dos candidatos apostaram nessa temática. “A política sempre teve muito protagonismo entre os participantes, mas era difícil que chegassem à final”, diz Vanessa Damasco, uma das responsáveis pelo concurso, que tem duas letras de sátira política entre as finalistas.

O advogado paulistano Thiago de Souza, que apresentou uma letra sobre o agente de ascendência japonesa da Polícia Federal, tem um enorme repertório de canções que demonstram que também é possível rir da complicada situação do país. Nelas, ele ironiza a conflitiva relação da presidenta Dilma Rousseff com seu vice, Michel Temer, as provas encontradas durante as investigações na casa do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e as dificuldades de pagar os juros com o aumento da inflação.

Também no Rio, a letra ganhadora do tradicional bloco carnavalesco Imprensa Que Eu Gamo apela à profunda crise econômica no Estado e tem como protagonista o seu governador, Luiz Fernando Pezão, aliado de Rousseff. Apenas um dos trechos satiriza ao mesmo tempo o governador, os discursos de Dilma, os panelaços, as pedaladas fiscais, o desastre de Mariana e até o Zika vírus: “Levei um ‘Pezão’ no orçamento/ Meu bolso é um estoque de vento/ É panelada, é pedalada, lama até no mar/Manda essa zika pra lá.”

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