Argentina libera os controles sobre o peso
Governo Macri anuncia a eliminação das restrições à compra de divisas
O ministro da Fazenda da Argentina, Alfonso Prat-Gay, anunciou nesta quarta-feira em Buenos Aires a liberalização do controle cambial em vigor no país desde 2011. As restrições à compra de moeda estrangeira foram instauradas pelo Governo anterior, de Cristina Kirchner, para enfrentar a escassez de divisas de que o país padece por sua resistência a que o mercado fixe o valor do peso. O controle afetou o investimento nesses quatro anos e, por isso, o novo presidente, Mauricio Macri, havia prometido liberalizá-lo. Claro que essa medida provocará uma desvalorização que causará impacto em uma inflação já alta (24% anual até outubro, segundo dados não oficiais).
O controle cambial consistia em diversas limitações no mercado de divisas:
- Os poupadores somente podiam comprar dólares pelo equivalente a 20% da renda declarada: a Fazenda era a encarregada de autorizar uma determinada quantia mensal de aquisição da moeda norte-americana, que é a divisa em que as classes alta e média da Argentina fazem sua poupança desde a década de 70. Além disso, estava em vigor um teto de até 2.000 dólares (7.800 reais) por mês. Quem não recebia autorização oficial recorria ao mercado “blue”, o paralelo, que funcionava nas chamadas “cuevas” das próprias casas de câmbio, empresas do mercado acionário ou agências de viagens. Até esta quarta-feira, o dólar oficial era cotado em 9,83 pesos e o ilegal, em 14,48.
- Os viajantes precisavam pedir autorização à Fazenda para obter divisas: os moradores que viajassem para o exterior somente podiam adquirir por via oficial a quantidade que as autoridades lhes permitiam. segundo um misterioso critério que levava em conta o destino e o número de dias de viagem. Por outro lado, podiam usar sem restrições o cartão de crédito ou débito fora do país. Mas muitos recorriam ao mercado ilegal. Os turistas estrangeiros também trocavam seu dinheiro nas “cuevas” para conseguir uma taxa de câmbio melhor. Ao ir embora. só podiam se desfazer de seus pesos nesses locais.
- As multinacionais tinham dificuldade para enviar os lucros a suas matrizes: o Banco Central autorizava a conta gotas as filiais de empresas estrangeiras a mandarem os lucros para os países de origem, o que desestimulou o investimento. Calcula-se que essas empresas acumulam 10 bilhões de dólares (39 bilhões de reais) sem remeter a seus países, segundo Matías Kulfas, que foi gerente geral do Banco Central entre 2012 e 2013, mas agora considera que o controle foi um “erro”. Esse dinheiro seria afetado pela desvalorização que a liberação da taxa de câmbio provocará, com as consequentes perdas para as empresas. Mas não só o investimento externo foi desestimulado, também o dos próprios argentinos, que acumularam fora do sistema financeiro, em caixas fortes e em bancos no exterior até 400 bilhões de dólares ao longo da história, segundo a ONG Tax Justice Network. Poucos estavam dispostos a trazer dólares e trocá-los no mercado oficial quando no ilegal eram entre 50% e 70% mais caros, segundo a temporada.
- Os importadores precisavam de autorização para comprar divisas para pagar os produtos: em 2012 foram ampliadas as barreiras para as aquisições externas, não só de bens de consumo, mas também de insumos e máquinas usadas pelo setor produtivo da Argentina. Na atualidade, importadores, incluindo as indústrias locais, devem 9,5 bilhões de dólares a seus fornecedores no estrangeiro. Os entraves impediram que o peso caro incentivasse uma enxurrada de produtos importados.
- O desânimo para exportar: muitos exportadores perderam competitividade pela apreciação da moeda argentina, tanto na agricultura como na indústria e nos serviços. Uma desvalorização seria um alento para eles. No entanto, as exportações de bens e serviços na Argentina representam apenas 15% de seu PIB, o que demonstra que o mercado interno é crucial para sua economia, e uma depreciação do peso o deteriorará.
Existe um certo consenso entre os economistas argentinos sobre a necessidade da liberalização cambial e da desvalorização, mas o debate se volta para o ritmo em que isso será feito. Roberto Frenkel, do Centro de Estudos do Estado e Sociedade, defende a eliminação paulatina dos controles de capital e uma desvalorização rápida porque, segundo ele, isso evitaria a depreciação exagerada do peso, mas, ao mesmo tempo, incentivaria a entrada de divisas tanto de investidores como de exportadores. Por outro lado, Javier González Fraga, economista da União Cívica Radical (UCR, centro), partido aliado do liberal Macri, opina que todo o processo deveria ser conduzido pouco a pouco porque teme que uma inflação mais elevada resulte em pressões dos sindicatos peronistas e de esquerda, e em uma eventual perda de popularidade do novo presidente.
Vários sindicalistas já estão pedindo um aumento salarial natalino como contraposição ao impacto da desvalorização, e até ameaçam com greves. Um dos mais poderosos, Hugo Moyano, aproximou-se de Macri e disse que no mínimo pedirá em 2016 um reajuste salarial de 28%, abaixo da inflação de 30% estimada pelo JP Morgan ou dos 39% antecipados pelo Deutsche Bank. A organização social kirchnerista Tupac Amaru começou a protestar nas ruas.
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