Elevação das taxas do Fed é desafio para a América Latina
Atividade econômica da região sofrerá contração em 2015 pela primeira vez em seis anos
A mais que provável elevação das taxas de juros dos Estados Unidos está afetando a América Latina. Pelo menos no curto prazo. Não se prevê uma alta tão pronunciada como a que nos anos oitenta condenou a região a uma década perdida. Mas a mudança de sentido do fluxo de capitais tem e terá impacto negativo. Em decorrência desse aumento e outros fatores, como o barateamento das matérias-primas e as crises econômicas e políticas do Brasil e Venezuela, a atividade da América Latina se contrairá em 2015 pela primeira vez em seis anos.
"O problema não é que as taxas vão estar mais altas, mas que, pelo longo período em que estiveram baixas, muito capital migrou para os mercados emergentes e agora parte dele volta aos países do Norte de modo repentino", observa Ernesto Talvi, diretor da Brookings Global-Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social (CERES). Antes de 2013, quando o Federal Reserve anunciou o fim da política monetária expansiva, a América Latina recebia cerca de 100 bilhões de dólares (390 bilhões de reais) por ano, e em 2015 uns 50 bilhões de dólares irão embora, projeta Talvi.
Os ponto-chave da iminente alta
Primeiro aumento desde 2006. O comitê de política monetária do Federal Reserve se reúne nesta terça e na quarta-feira. No mercado há unanimidade: as taxas subirão.
De 0,25% a 0,50%. Poucos acreditam que o Fed eleve as taxas em mais de 0,50%.
São seis anos com taxa zero. O preço do dinheiro nos EUA permaneceu mais de seis anos entre 0% e 0,1%.
"Todos os países, em face do encarecimento do crédito e da baixa das matérias-primas, vão ter que passar pela sala de cirurgia para se adaptarem", prevê o especialista uruguaio. "Chile e Peru terão de fazer uma cirurgia leve. A Colômbia e o México precisarão de mais ajustes, mas têm margem para fazer isso pouco a pouco. Argentina e Brasil necessitam de uma cirurgia maior. É verdade que a Argentina se beneficiou de que nos tempos de taxas baixas não se endividou tanto como os outros países, mas justo agora precisa de crédito para enfrentar seu alto déficit fiscal e se acertar com os holdouts (fundos abutres e outros credores que rejeitaram a reestruturação da dívida de 2005 e 2006). Agora o país tem um Governo amigável com os investidores, mas eles precisam confiar em que poderá fazer o ajuste sem maioria parlamentar e com sindicados combativos. O Brasil pode ficar justamente sem cirurgião e a Venezuela é um caso de patologia mais grave", analisa Talvi.
Menor crescimento
Mas nem todos os analistas veem uma situação tão ruim. "Não dou importância a essa alta porque os capitais já se foram", opina José Antonio Ocampo, professor da Universidade Columbia e ex-ministro da Fazenda da Colômbia. Embora ele preveja uma era de menor crescimento na América Latina em relação ao período 2003-2013, demonstra otimismo: "Com exceção da Argentina, Venezuela e Equador, que sofrem por fatores mais internos que externos, o efeito da alta das taxas do Fed será muito pequeno desta vez na América Latina".
Nos primeiros anos da Grande Recessão, o fluxo de capitais para a região foi interrompido totalmente, mas na atualidade os países e empresas latino-americanos ainda conseguem financiamento. Os prêmios de risco subiram desde meados do ano, mas sem uma tendência forte de alta porque as dívidas públicas, embora aumentem, partem de níveis relativamente baixos, e a liquidez ainda é abundante no mundo, segundo Ocampo.
Nos escritórios nova-iorquinos do banco UBS, o especialista Jorge Mariscal admite que primeiro haverá um "choque e maior volatilidade" nos mercados emergentes, mas prevê que a taxa de referência do Fed subirá pouco a pouco, até 1,25% dentro de um ano. Esses juros, ainda baixos, permitirão aos países em vias de desenvolvimento assimilar o final de uma inédita era de dinheiro muito barato. Mariscal se mostra preocupado com o impacto no Brasil porque essa situação se soma à crise política e, por isso, prevê que o PIB do País se contraia 3% em 2016. No México, projeta "volatilidade" em razão do barateamento do petróleo e da dependência de capital externo, mas espera um crescimento de 3%
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