Como driblar uma discussão sobre política nas reuniões de família
Tem medo do que vai sair da reunião familiar? Especialistas dão dicas para evitar brigas
Uma das piores coisas geradas por uma campanha eleitoral —ou, no caso atual do Brasil, por um quadro grave de crise— é que a política toma conta de todas as conversas. O que não seria algo tão desagradável não fosse o fato de que o tema tende a exacerbar qualquer discussão, já que provoca um “sentimento de pertencimento e de grupo”, sobretudo nos momentos de maior paixão na polêmica, como explica a psicóloga espanhola Amaya Terrón.
No no caso brasileiro, a polarização do país ficou bem clara na última eleição para presidente, quando Dilma Rousseff foi reeleita na disputa mais acirrada em 25 anos. Mas a recente abertura do processo de impeachment de Dilma reacendeu o clima de fla-flu político: se de um lado uma parte considerável da população defende a abertura do processo contra a mandatária, por outra, muitos veem na movimentação uma tentativa de "golpe".
O professor de psicologia e especialista em terapia familiar Gonzalo Aza, da Universidade Pontifícia de Comillas (Espanha), afirma que a política está “entre as coisas menos importantes para muitas pessoas” e que, hoje em dia, “o que nos une é principalmente o desencanto”. Ele concorda, porém, que há momentos em que “o ambiente esquenta”, especialmente nos grandes encontros familiares, quando o álcool e seu poder de desinibição podem atuar.
Uma coisa é certa, com a abertura do processo de impeachment logo em dezembro, não vai faltar assunto para conversas acaloradas em família no Natal e o Ano Novo. Se tem medo do que pode sair disso, e quer evitar um revival das brigas familiares de 2014, essas dicas são para você.
Casais de lados opostos
No casal, as diferenças políticas podem ser um tema estimulante de conversas, mas também um pretexto para se provocar o enfrentamento, segundo o psicólogo Gonzalo Aza. “Quando um casal discute por questões políticas, que em geral são menos importantes do que outros aspectos (os filhos, a economia doméstica), é porque pode estar projetando outro problema nesse campo. Há um conflito subjacente” que não tem a ver necessariamente com o partido político em que um dos dois pretende votar.
Ninguém nunca viu outra pessoa mudar de opinião em um debate na televisão: “Olha, você me convenceu, mudei de ideia!”, disse ninguém, nunca.
Por outro lado, é comum que nossas ideias políticas e as do nosso cônjuge sejam semelhantes: escolhemos nosso cônjuge seguindo “critérios que, por si só, fazem com que haja mais possibilidade de que ele pense como nós em termos de política”, afirma a especialista. E, quando ocorrem diferenças, “nem sempre elas são negativas, dependendo da atitude que se adote no confronto dessas diferenças: se é de respeito ou de imposição”.
O tio que gosta de puxar briga
Em muitas ocasiões, há alguém que normalmente começa as discussões políticas familiares: não só levanta o assunto, como também o faz com um comentário que intencionalmente provocador e que pode se tornar ofensivo.
“Todos temos em mente a pessoa que, em nossa família, pode ser conflituosa nesse terreno”, explica a psicóloga Amaya Terrón. Não se trata necessariamente de evitar o tema em sua presença, “já que em muitas ocasiões falar de política é muito interessante e nos dá muitas ideias novas e nos permite conhecer melhor as pessoas e seus pensamentos”, mas sim de procurar estabelecer limites: “Se o assunto beira o emocional, se você percebe que surgem desconfortos, alusões pessoais ou saídas de tom, corte a conversa”.
A melhor forma de fazer isso é mudar de assunto. Para isso, há técnicas que nos permitem ser diretos, mas educados. Por exemplo, responder com uma pergunta, desviar a atenção ou usar o humor, sem cair no sarcasmo. E sempre sem interromper.
Não estamos abertos a novas ideias
Ninguém nunca viu outra pessoa mudar de opinião, por exemplo, em um debate na televisão. Para nós pareceria algo de outro mundo que um dos participantes dissesse: “Olha, você me convenceu, mudei de ideia!”. E se o que realmente importasse fosse o aspecto racional dos argumentos, seria preciso ocorrer pelo menos de vez em quando.
“O discurso partidário é difícil”, explica o terapeuta familiar. “Não é um cenário no qual estejamos abertos a novas ideias.” Com frequência só repetimos os mesmos argumentos várias vezes, transformando uma conversa em uma partida de pingue-pongue. “É muito raro que alguém mude de opinião, porque este tipo de discussão tem um componente nem tão racional mas afetivo, de vínculos.” Os argumentos têm “um alcance muito limitado”, já que na realidade entram no jogo dos “elementos pessoais”. De fato, tendemos a considerar os argumentos contrários como tendenciosos, enquanto qualificamos de neutros os que nos dão razão (simplesmente porque nos dão razão).
Não falar de partidos políticos mas de ideias e ideais é uma das recomendações para sobreviver às festas de fim de ano
Também tendemos a cair na polarização, como aponta a psicóloga Terrón. Quando ouvimos uma opinião contrária à nossa, radicalizamos com o objetivo de tentar compensar o que estão nos dizendo. Nunca somos tão de esquerda como quando discutimos com nosso primo conservador. E cada vez mais, em vez de aproximar posições e chegar a acordos, no fim da noite acabamos em trincheiras opostas, de onde gritamos muito e nos acusamos de radicais.
Discussões com os filhos
Segundo dados do Gallup de 2005, as ideias políticas dos adolescentes norte-americanos coincidem com as de seus pais em 70% das vezes. Isso não quer dizer que não haja divergências. Esses conflitos, porém, se devem principalmente “à necessidade de se diferenciar”, explica o especialista em relações familiares, e é normal que “diminuam com a idade”. A psicóloga espanhola acrescenta que a rebeldia típica de certas faixas etárias costuma corresponder, sobretudo, a “uma busca da criação de uma identidade própria e da diferenciação em relação ao grupo familiar”, com uma atitude que “tem pouco a ver com ideias ou princípios próprios”.
Como conversar sem discutir
Dito isso e apesar de tudo, é possível que você queira entabular uma conversa política. Para evitar que o jantar acabe transformado em uma edição em pequena escala da Guerra Civil, a primeira coisa a fazer é ouvir e esquecer nossa atitude habitual nestes casos, que consiste em nos limitar a esperar com impaciência nossa vez de falar, com o objetivo de tentar refutar nosso interlocutor, se for necessário mediante truques retóricos e críticas pessoais e esquecendo a possibilidade de entender e aprender.
É preciso colocar-se no lugar do outro, entender o que viveu e por que pensa como pensa. É um exercício muito interessante A psicóloga espanhola Amaya Terrón
A especialista também aconselha “não falar de partidos políticos mas de ideias e ideais”. O objetivo é evitar os rótulos e o senso de pertencimento. Na opinião de Amaya Terrón, mais do que ideias, “o que nos afasta são os partidos, os preconceitos, os grupos e sua identificação pessoal”, que nos levam a propor o debate em termos como “comigo ou contra mim”. “Quando falamos de partidos, podemos cair em estereótipos”, acrescenta o terapeuta.
Neste contexto é necessário “fomentar a empatia”, explica. É preciso “colocar-se no lugar do outro, entender o que viveu e por que pensa como pensa. É um exercício muito interessante.” Talvez para você pareça que seu interlocutor é ignorante porque não quer aumentar as bolsas de estudo universitárias, por exemplo, mas é muito provável que ele pense o mesmo de você. Tanto ele como você ouviram os argumentos contrários milhares de vezes: ninguém vai ganhar neste momento. E ainda que você acredite estar do lado certo, de vez em quando vale a pena colocar suas próprias ideias em dúvida.
Também não tem sentido repetir as mesmas discussões várias vezes. “É melhor enfocar de outra maneira as ideias que você sabe que já foram tratadas e que suscitaram atrito sem chegar a um resultado”, diz Terrón. Não vamos convencer ninguém repetindo a mesma frase pela quarta vez.
Finalmente, se o conflito já tomou conta da noite, não resta muito a fazer além de aprender com o erro. E servir-se de outra taça de vinho, se você não jogou a sua na parede ao saber que seu tio é a favor da volta da ditadura militar.
Com informações do EL PAÍS Brasil, em São Paulo.
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