Há um ano sem a família Sarney, Maranhão tenta deixar século 16
Governo Flávio Dino (PCdoB) organiza cadeia produtiva para gerar renda local
Da sala de comando do Porto do Itaqui, no Maranhão, não se enxerga o fim do extenso trem de carga que chegou pelos trilhos da Ferrovia Norte-Sul. Graças a generosos carregamentos de celulose, óleo e grãos como esse, o porto público mais profundo do Brasil já bateu seu recorde de movimentação anual em 2015, com 20 milhões de toneladas transportadas até novembro. E as perspectivas para 2016 são ainda melhores, com um aumento programado de 40% na capacidade. Mas, a apenas 18 quilômetros do grande polo de desenvolvimento do Estado, mora um povoado de 5.000 famílias acometidas por um surto de sífilis e que, sem acesso a energia elétrica ou sistema de esgoto, não sabiam até este ano o que era uma escova de dentes.
Os administradores do Itaqui chegaram à Ilha do Cajual, no município de Alcântara, durante as prospecções para a expansão do porto, e dizem ter se assustado com um cenário digno de século 16. "O Maranhão é um estado riquíssimo, mas com pessoas pobres. O gap é muito grande. Temos de olhar para dentro e fazer uma sintonia", diz Ted Lago, presidente da Empresa Maranhense de Administração Portuária (Emap). A exemplo de toda a equipe comandada pelo governador Flávio Dino (PCdoB) — cuja eleição em 2014 deu fim a 50 anos de governos sob a influência da família Sarney —, Lago repete o slogan do chefe: "Coube a um comunista implantar o capitalismo no Maranhão, um Estado onde havia muita mistura entre o público e o privado".
Para tentar levar parte da população do século 16 para o 21, o Governo do Maranhão começou a organizar a cadeia produtiva na tentativa de envolver os produtores locais nas atividades de exportação — para tanto, é preciso adaptar procedimentos artesanais de plantação e pesca às rígidas normas estrangeiras. "Seria muito cômodo investir apenas em grãos, mas queremos gerar renda local", explica Lago, que diz estar recebendo semanalmente investidores estrangeiros interessados em apostar numa região produtora de leite, mel, soja e carne — entre eles estão grupos japoneses em busca de alternativas para garantir a segurança alimentar do país frente ao aumento do consumo na vizinha China. Lago defenderá as vantagens do porto ante empresários e investidores estrangeiros nesta quinta-feira em Madri, no seminário Nordeste do Brasil: infraestruturas e energias renováveis promovido pelo EL PAÍS.
As ações da Emap seguem uma linha de interesse social estabelecida pelo Governo e simbolizada pelo programa Mais IDH, que prioriza o investimento nos 30 municípios mais pobres do estado que tem o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. "Esse plano é a menina dos meus olhos", disse o governador Flávio Dino em entrevista ao EL PAÍS. "Estamos licitando restaurantes populares, água e casas para essas 30 cidades, além de estruturar sistemas de produção e agricultura familiar. O programa de alfabetização também já foi iniciado, num total de 23 ações", detalha o governador. O povoado encontrado na Ilha do Cajual pelos administradores do porto não está em um dos 30 municípios mais pobres, mas tem recebido mutirões sociais nos quais homens e mulheres viram expedidos seus primeiros documentos e finalmente conseguiram acesso a consultas médicas — alguns deles receberam o diagnóstico de câncer em estado avançado.
Crescimento
Os administradores do Porto do Itaqui dizem saber que o auxílio social não basta para melhorar a vida da população maranhense e confiam no crescimento do Estado para melhorar a vida dos moradores da região. Para tanto, apostam no aumento da circulação pelas águas da região como consequência da expansão do Canal do Panamá e se apresentam como porta de entrada e saída de uma região que vai além das fronteiras maranhenses. Além do Maranhão, o Matopiba congrega áreas produtivas de Tocantins, Piauí e Bahia, que já se destacam na exportação de soja, mas começam a desenvolver com mais intensidade a cultura de algodão e milho.
Além da localização privilegiada, próxima de um atalho para a Ásia, a região ainda se beneficia por ser cortada por uma ferrovia (Norte-Sul) que já liga o litoral até Anápolis (GO), no centro do país, apesar de ainda operar longe de sua capacidade total — a ferrovia é subutilizada e apenas cerca de 40% de seus trilhos estão em atividade, por conta de problemas administrativos e da recente revisão do modelo de exploração de ferrovias no Brasil, que atrasa obras.
As dificuldades estruturais não parecem, contudo, desanimar agentes públicos que preferem destacar as vantagens da região, como a ausência das montanhas que levam aos portos do sul do país, o que permite empilhar cargas em cima dos trens, já que eles não precisam passar por dentro de túneis. A julgar pelas palavras de Ted Lago, que só enxerga possibilidades de expansão no porto que administra, vontade não vai faltar: "O Maranhão era fechado, era um dos maiores segredos do Brasil, mas está se abrindo".
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