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Villanovense x Barcelona: a partida com que um povo inteiro sonhou

Villanueva de la Serena encara como um momento histórico seu duelo com o Barcelona

Grades portáteis no estádio do Villanueva.
Grades portáteis no estádio do Villanueva.Raúl Haba (EFE)

Julio Cobos, o treinador do Villanovense, estava sozinho em casa, em Don Benito, escutando pela internet o sorteio da primeira fase da Copa do Rei, com 16 jogos, quando o Cádiz pegou o Real Madrid. Simpatiza com o clube branco, ao contrário de Hugo, seu filho, que é um grande fã do Barcelona. “Dei tamanho soco na mesa que quase a quebro.” Minutos depois, foi a vez do Barcelona. “Dei um grito que os vizinhos ainda devem estar pensando que estou louco”, recorda o treinador de uma equipe que vive nas nuvens desde esse dia, como toda Villanueva de la Serena, a começar por Miguel Ángel Gallardo, seu prefeito: “O que eu pensei? Que tínhamos ganhado na loteria!”, reconhece. “Eu, a cidade e toda a Extremadura.” Villanueva de la Serena é um povoado de 22.000 habitantes que vive do comércio, do processamento de frutas e, especialmente, do tomate. Uma localidade que se gaba de ser a capital do esporte em Extremadura e que, quando se pergunta ao prefeito sobre seu povo, ele responde sem dúvida: “Somos agradáveis, acolhedores, modernos e simpáticos. E solidários. E as garotas, muito bonitas”. Sempre se disse na região: “Noiva de Villanueva e noivo de Don Benito fazem um casal bonito”. Uma cidade cuja equipe da Segunda B levou a jogar uma partida da Champions – ou assim é como a população vê seu duelo com o Barça, nesta quarta-feira.

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“É a notícia mais importante da história da localidade”, diz com contundência o cronista oficial do lugar, Antonio Barrantes. Ele garante que até o dia do sorteio a notícia mais importante vinculada à cidade era o nascimento do escritor Felipe Trigo, autor de best-sellers pseudo-eróticos, no início do século XX, ou o invento da tortilha de batata, que ao que parece teve origem em 1765 nesse povoado. “Mas isso os supera”, avisa. Também é o povoado onde nasceu Pedro Valdivia, que participou da conquista do Chile, os irmãos Calatrava, dupla humorística nos anos setenta do século passado, e o jogador de basquete José Manuel Calderón, que dá nome ao ginásio municipal e acompanhará a partida “do jeito que der” desde Milwaukee, onde sua equipe, os New York Knicks, disputam a primeira partida da temporada na NBA. Sócio do clube, ele não descarta a possibilidade de uma surpresa: “Podemos ganhar, não é uma loucura”, confessa o armador.

Até o dia do sorteio, a notícia mais importante vinculada à cidade era o nascimento do escritor Felipe Trigo ou o invento da tortilha de batata

“Um esportista como Calderón só nasce a cada cem anos, por isso nossa vontade é que a cada ano cem garotos entendam a ideia dos valores do esporte e cresçam sadios”, afirma o prefeito, que diz olhar sempre nos olhos das pessoas, tendo isso como norma, para saber do que o povo necessita “porque o importante aqui são as pessoas”. Acrescenta que desde que coube ao Villanovense enfrentar o Barcelona na Copa, quando ele olha para seus conterrâneos vê “esperança e felicidade. Essa partida é um acontecimento que se passa uma vez na vida, e nós vamos desfrutá-lo, com esperança, sabendo que é um desafio quase impossível. Por isso, acima de tudo, queremos desfrutar. À nossa maneira, já ganhamos porque põe a cidade no mapa”, argumenta o prefeito, consciente de que o duelo “será visto no mundo todo”.

“Eu sou do Barcelona, mas, antes de tudo, sou extremenho. E esta é uma festa para toda a Extremadura”, reconheceu Guillermo Fernández Vara, o presidente da Junta de Extremadura, que aposta em 2-1 e está orgulhoso da capacidade organizacional de Villanueva de la Serena, onde a única queixa que se escuta pelas ruas é que a piscina municipal fecha durante o dia por culpa da partida.

Visita do Barcelona deixou um gramado novo depois de 14 anos, para deleite de uma equipe que vive empolgada

Para ver que é uma cidade ligada no esporte, basta passear pelas ruas. Que é moderna se vê na folha de pagamento da prefeitura –há seis funcionários dedicados a alimentar as redes sociais – e o lado solidário remete ao Banco do Tempo, uma iniciativa da administração municipal pela qual os vizinhos se apoiam de tal maneira que, se um advogado, um eletricista ou um aposentado dispõem de duas horas livres, colocam-nas à disposição de quem necessita de sua ajuda. “E funciona”, sustenta o prefeito. A amabilidade é representada, por exemplo, na figura de María, a encarregada da farmácia Consuelo Miranda, a quem a partida em si mesmo pouco importa: “Pouco não, nada”, diz, antes de admitir que “na cidade estão como loucos, todos muito contentes, e eu compreendo. É um povo muito esportivo”, garante, enquanto providencia um creme contra queimaduras diante da bela Igreja de Nossa Senhora da Assunção.

A visita do Barcelona deixou um gramado novo depois de 14 anos, para o deleite de uma equipe que vive empolgada. “Nasci aqui, por isso, imagine, não tenho palavras para explicar o que representa. Para mim é algo extraordinário”, diz Pajuelo, o capitãodo time, com quatro pontos de sutura em uma sobrancelha. Avisa: “Não doem nada!”. Seu colega Anxo chegou da Galícia. Jogou um ano, saiu e regressou. “Por amor”, conta. Seu nome é Anxo Mato Pose, mas é chamado de O Mago de Laxe, em referência ao povoado de La Coruña onde nasceu há 33 anos. Está há seis anos em Extremadura e diz que já não sente falta nem da chuva. “Sou feliz, este é um povoado e tanto”, garante quem jogou no Compostela, no Burgos e no Celta antes de terminar nesta terra de argilas que tornou sua. Diz que até ontem, Cobos, seu treinador, só havia dito uma coisa à equipe: “Temos de tirar a bola do Barça”. “Ele está zombando de nós”, diz. Cobos ri e avisa: “Na quinta-feira voltamos à realidade.” O sonho, de qualquer modo, terá valido a pena.

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