Prefeito de Bogotá: “A guerra na Colômbia adormeceu a esquerda”

Gustavo Petro, que terá um sucessor eleito no domingo, defende sua criticada gestão O ansiado metrô não foi construído por “um problema de sectarismo político” do presidente

Gustavo Petro, prefeito de Bogotá que está deixando o cargo, em seu gabinete na Prefeitura.Camilo Rozo

No próximo domingo, 25 de outubro, Gustavo Petro terá um sucessor na Prefeitura de Bogotá. Este ex-guerrilheiro do M-19, de 55 anos, ex-membro do Polo Democrático, partido de esquerda que abandonou para integrar o movimento Progressistas, foi um dos senadores mais bem avaliados da história recente da Colômbia, especialmente por suas investigações sobre o paramilitarismo e sua relação com o ex-presidente Uribe. No entanto, sua trajetória política no Congresso não impediu que sua gestão à frente da Prefeitura tenha sido muito criticada. A ponto de ser destituído e desqualificado depois que o Ministério Público encontrou fraudes no sistema de limpeza que propôs para a capital.

Mais informações
Colômbia prepara o traçado de seu novo mapa político
Governo e FARC chegam a acordo sobre busca de desaparecidos
Colombianos estão mais dispostos a perdoar as FARC que o Estado
Colômbia enfrenta desafio de explicar os benefícios do acordo com as FARC
Colômbia: uma potência emergente na América Latina
Governo e FARC dão passo decisivo no processo de paz na Colômbia
Bogotá vive uma revolução social progressista
Santos é obrigado a reintegrar Petro como prefeito de Bogotá

Durante quase uma hora e meia, o governante defendeu suas medidas em seu gabinete, com a solene convicção que seu tom pausado transmite. Em seu discurso quase não aparece a autocrítica. Cada um dos objetivos não concretizados se deve, em sua opinião, a um obstáculo, seja a oposição, a elite ou a um juiz que o impediu. E para reforçar esses ataques acompanha seus argumentos com um movimento brusco do pé. Diante da proximidade das eleições, acredita que as pesquisas, que dão como vencedor Enrique Peñalosa, a quem derrotou há quatro anos, não são de todo reais, e reforça que esta semana será decidido o voto dos indecisos.

O prefeito considera que defender o empoderamento das classes populares e o enfrentamento com parte da direita e da elite bogotana (o que não esconde) prejudicaram sua imagem. Apesar disso, as críticas contra sua gestão —que não vêm exclusivamente dessa classe alta— e contra a gestão de seus antecessores, Lucho Garzón e Samuel Moreno, marcadas por escândalos de corrupção, colocam em dúvida se a esquerda, cuja nova candidata é Clara López, continuará à frente da capital colombiana depois de 12 anos.

Pergunta. Que balanço o sr. faz de sua gestão?

Resposta. Nós estabelecemos três metas: acabar com a segregação social, adaptar a cidade à mudança climática e fortalecer o poder público depois de duas décadas de política econômica neoliberal. Não se pode vencer a segregação social sem um equilíbrio entre a cidade e a natureza. Justiça social e justiça ambiental andam de mãos dadas.

P. Qual é o seu maior legado?

R. Bogotá é uma cidade que está a ponto de acabar com a pobreza extrema: tem um índice de 0,9% (segundo indicadores da ONU). Saíram da pobreza 450.000 pessoas. Muito mais crítica foi a questão da mudança climática. Implica uma mudança política e social, de cultura, que ainda que não esteja associada a cada indivíduo, na verdade provoca uma transformação nas relações de poder de uma cidade.

P. Seu papel como senador foi muito valorizado. Como prefeito sua gestão foi muito criticada. Como ocorreu essa mudança?

R. Nunca tive reconhecimento, queriam mesmo era me matar. Eu estava lutando contra Uribe, e a maior parte da população estava com ele por sua imagem de pacificador. As pessoas não conheciam a situação de direitos humanos vividas por milhões de pessoas, porque a mídia as escondia. Por isso, o senador que realizou a tarefa de mostrar à opinião pública o que acontecia, o que era o paramilitarismo e qual era o papel do presidente da República em sua formação, se tornou muito impopular. Meu trabalho é reconhecido hoje. A experiência como prefeito será parecida.

P. O sr. se sente frustrado?

R. É um processo. Agora vêm eleições que serão uma forma de avaliar minha gestão. No domingo se saberá se a população quer que estas medidas continuem ou não. Com o passar do tempo, os esforços serão valorizados.

P. O sr. sabia que iria enfrentar uma elite. Por que decidiu confrontá-la e não negociar com ela?

R. Quando se vive em uma sociedade com governos que observaram o assassinato de 200.000 pessoas, cujos autores se sentam para fazer leis, é possível propor a palavra consenso e uma pose de social-democrata. Eu quis fazer uma ruptura. Mostrar outra opção para as pessoas. Não me interessa ser convidado para os clubes privados, ganhar um posto em uma grande empresa. Me interessa construir uma sociedade mais igualitária e mais democrática.

P. Até mesmo se essa postura for às custas de não conseguir levar adiante medidas que poderiam ter favorecido as classes populares?

R. Uma política pública como a de dar moradia para as vítimas da violência foi barrada por um juiz. Fui derrotado ou essa discussão continuará e chegará o dia em que os estratos na cidade vão acabar? A forma de superar a pobreza é incluir as camadas mais humildes nas transações econômicas geradas por uma cidade.

P. O sr. não sente que deveria ter negociado mais?

R. Creio que se pode negociar sobre a base da ruptura. Não só em Bogotá, Colômbia. Entramos em acordo com Santos, deixamos de pensar o que pensamos para acabar a guerra.

P. Em sua opinião, quem pode ser seu melhor sucessor?

R. Não posso dizer. Aqui há uma regra que me proíbe de fazê-lo e o procurador está esperando para me processar pela quinta vez e me tirar do cargo. Ele está tentando me tirar da briga de 2018 [eleições presidenciais].

P. Pacho Santos, o candidato do partido de Uribe, o Centro Democrático, está saindo em último lugar nas pesquisas. O sr. acredita realmente que é o candidato dele?

R. Não, existe um plano B.

P. Esse plano B seria o candidato que está em primeiro lugar nas pesquisas, Enrique Peñalosa?

R. Quem está na frente depende do gosto de cada pesquisa.

P. O sr. deu seu apoio a Clara López...

R. O movimento político ao qual pertenço deu apoio a Clara López.

P. Se depois de três governos de esquerda Clara López não vencer, será culpa sua ou será um voto de protesto?

R. O primeiro Governo de esquerda fez acordos e não fez rupturas. O segundo não foi de esquerda, foi de corrupção. E este foi um Governo de esquerda que quis fazer rupturas, e por isso recebe esse confronto. Veremos o resultado no domingo.

P. Clara López deu seu apoio a Santos para conseguir a reeleição. O sr. acredita que o presidente ou o candidato do partido dele, Rafael Pardo, deveriam ter tido um gesto para com ela?

R. Não vi a mesma generosidade que nós tivemos. E não digo tanto em termos de candidatos, como com o metrô. Santos podia dar uma mensagem muito clara de: “Vamos fazer o metrô”. Por que não o fez? Por um problema de sectarismo político. Era dar à Gestão Bogotá Humana [o programa de Governo de Petro] a marca histórica de que foi a que conseguiu, por fim, destravar o metrô para uma cidade de oito milhões de habitantes.

P. O sr. espera algum gesto daqui para domingo?

R. No domingo qualquer coisa pode acontecer. Esta semana é que a tomada de decisões de 25% do eleitorado começa a acontecer. Aí começa a valer o Bogotá Humana, não há um ou dois meses.

P. Como foi sua relação com o Governo de Santos?

R. O Governo de Santos não é homogêneo. Uma coisa é o presidente, outra o vice-presidente. Em termos de paz, por exemplo, não se ouve o vice-presidente falar do assunto. Tem aspirações presidenciais e vê na prefeitura seu rival. Tivemos seções do Executivo com as quais trabalhamos bem, e outras adversas.

P. Como o sr. avalia a figura do presidente e sua aposta na paz?

R. Vejo o presidente Santos como o clássico político bogotano da elite, que fareja e muda. Uns chamam isso de oportunismo, outros podem considerar boa política. Esse pragmatismo hoje pode ser positivo porque o mundo vai sofrer uma mudança de paradigma. Uma parte da oligarquia colombiana, e aí é que Santos entra, sabe que tem de haver uma ruptura com Uribe se quiser continuar articulado com o mundo. E Santos entende que o que lhe faria entrar para a história é acabar a guerra. Aí concorda conosco. Se a guerra acabar, a direita perde sua popularidade.

P. De sua experiência como ex-guerrilheiro, que condições se deve dar para que os membros das FARC possam aspirar a participar da política?

R. O contexto histórico estabelece diferenças. A origem das FARC está em um campesinato rural que vai do liberalismo para o stalinismo, onde está o critério democrático aí? O tema em discussão não é a democracia, 99,9% dos combatentes não dá a mínima para participar das eleições. Pode haver um núcleo, sobretudo dos dirigentes, para quem isso importa, o que poderia causar um risco: a separação de suas bases, o maior temor do processo de paz. O interesse da maioria dos combatentes é a terra, o núcleo de onde saíram, e o poder que existe aí. Se veem que vão perder as relações de poder no entorno rural em que nasceram, se armam de novo.

P. Qual o futuro da esquerda na Colômbia?

R. Se a guerra acabar, esse conservadorismo da sociedade colombiana cede. A sociedade começa a olhar para si mesma, para seus problemas. A guerra foi um adormecedor dos conflitos sociais.

P. Um adormecedor da esquerda?

R. Sim, claro. De todos os pontos de vista, inclusive o ideológico. Os fuzis não geram inteligência.

Mais informações

Arquivado Em