Berlim e Paris alertam para risco das reações nacionalistas à crise

Líderes da França e Alemanha se dirigem ao Parlamento europeu de forma conjunta

Jean-Claude Juncker (esq), saúda Merkel e Hollande no plenário do Parlamento Europeu em Estrasburgo (França) em 7 de outubro de 2015.PATRICK SEEGER (EFE)

Um quarto de século depois da queda do Muro, a Europa enfrenta a crise de refugiados com o risco de sucumbir a um perigoso recuo nacionalista. A chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, François Hollande, compareceram nesta quarta-feira ao Parlamento Europeu (Eurocâmara) com uma mensagem de unidade e de alerta ante os reflexos nacionalistas que reaparecem aqui e acolá. “O retorno às fronteiras nacionais, sem unidade para combater a crise, seria o fim da Europa”, disse Hollande. “O debate não é entre mais ou menos Europa. É entre sua afirmação ou seu fim”, enfatizou o presidente. “Todos os países têm de responsabilizar-se pela chegada dos refugiados sem cair no nacionalismo”, reforçou Merkel.

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"Uma Alemanha livre e unida em uma Europa livre e unida”. Em Estrasburgo nesta quarta-feira ressoava o eco imponente dos discursos de Helmut Kohl e François Mitterrand depois da queda do Muro, já faz 25 anos. Eram outros tempos. Há um quarto de século, em 1989, a história se acelerou: a queda do Muro representou o fim do mundo hibernado da Guerra Fria e uma nova e promissora etapa para a Europa. Duas décadas e meia depois, Merkel e Hollande tentam fazer também um chamamento à unidade em meio à crise de refugiados, uma marca a mais na sucessão quase eterna de crises que se superpõem como as camadas de uma cebola há quase 10 anos.

Essa unidade não para de ser demonstrada. A Hungria acaba de erguer um muro — imitação envenenada daquele que saltou pelos ares há 25 anos — em sua fronteira com a Sérvia. Houve algum país que chegou a dizer que só aceita refugiados cristãos. Em Bruxelas, por fim, surgiram enormes problemas para encontrar soluções de emergência e vários países se desentenderam ou preferem ficar à margem da distribuição de refugiados proposta pela Comissão Europeia.

Talvez este não seja o tempo mais adequado para os grandes discursos: o euro se aferra hoje a uma trajetória de sobrevivência. Deixou para trás os anos de êxito. Durante a crise financeira, os grandes bancos se recolheram a seus países: produziu-se uma renacionalização dos sistemas bancários, patrocinada –por certo– pela total negativa de Merkel de compartilhar os custos da crise (imortalizada com aquele “chacun sa merde”, ou cada um com a sua, de Merkel).

Tanto a chanceler como Hollande avisam agora sobre o perigo desse tipo de resposta no caso da gestão da crise de refugiados. Mas nem Merkel nem o presidente francês ofereceram soluções radicalmente novas: Berlim apontou a necessidade de uma autêntica política europeia de asilo e exaltou as soluções “na origem”, nos países dos quais saem os refugiados. Paris lembrou que com frequência somente a França é capaz de intervir militarmente para evitar situações potencialmente explosivas e reivindicou uma política externa mais decidida. Isso foi tudo.

Ainda assim, os discursos tiveram um ou outro lampejo. “O nacionalismo é a guerra”, ressaltou Hollande, parafraseando Mitterrand. “Não há nada mais em vão do que alguém se fechar em si mesmo. Isso representaria o declínio da Europa”, vaticinou. “Aprendemos as lições da história”, intercedeu Merkel.

Merkel é firme candidata ao Nobel da Paz por abrir os braços aos refugiados em uma das fases mais agudas da crise; dias depois, no entanto, suspendeu a livre circulação de pessoas na fronteira entre a Alemanha e a Áustria. Vários eurodeputados criticaram Merkel por essa mudança. No final, também na Alemanha reapareceram certos reflexos nacionalistas, observados nas pesquisas que mostram uma recuperação do populista Alternativa para a Alemanha. Talvez por isso Merkel saiu pela tangente. “Há 60 milhões de refugiados no mundo; muitos olham para a Europa. É preciso encontrar a forma de responder a esse desafio conjuntamente”, afirmou a chanceler ante os aplausos gerais da Eurocâmara.

Com uma ou outra exceção: Marine Le Pen se declarou “a anti-Merkel” e criticou com dureza sua “propaganda” em favor de “abrir as fronteiras, para depois fechá-las”. Merkel não entrou no jogo. Hollande, sim: “Quem não estiver convencido, que saia da Europa, que saia do euro, que saia de Schengen e que saia até da democracia, se é que isso seja possível”, respondeu, em um arroubo que recebeu a maior salva de aplausos da tarde. Um pouco mordaz, mas nada a ver com a épica daquele Kohl-Mitterrand de 25 anos atrás, isso não. São outros tempos.

Quando Mitterrand alertava: "O nacionalismo é a guerra"

Luca Costantini

Era 17 de janeiro de 1995 quando o então presidente da República Francesa, o socialista François Mitterrand, fez seu último discurso diante do Parlamento Europeu. Um ano antes de morrer, Mitterrand alertou sobre o perigo do ressurgimento do nacionalismo na Europa: “Senhores e senhoras, vocês são os guardiães de nossa paz, de nossa segurança e de seu futuro”, disse o francês, referindo-se aos parlamentares europeus, os quais ele instou a lembrarem que “o nacionalismo é a guerra”.

Em sua intervenção, Mitterrand recordou o cativeiro na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Somente assim, afirmou, pôde entender como injustificados e falsos eram os preconceitos que sua geração fora incorporando ao longo de décadas de nacionalismos: “Conheci os alemães e depois passei algum tempo em Baden-Württemberg, na cadeia, e as pessoas que estavam ali, os alemães com quem falei, e me dei conta de que amavam a França mais do que nós amávamos a Alemanha”.

“Os acasos da vida fizeram com que eu nascesse durante a Primeira Guerra Mundial e que combatesse na Segunda. Passei minha infância com famílias que choravam seus mortos e guardavam rancor e ódio contra o inimigo”, explicou aos eurodeputados, pedindo-lhes que transmitissem o “ensinamento recebido dos pais, que padeceram o sofrimento e conheceram a aflição, a dor da separação, a presença da morte, unicamente pela inimizade dos homens da Europa entre si”. Para evitar que a guerra se repita na Europa “é preciso vencer os preconceitos da própria história”, concluiu.

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