No meu relógio biológico mando eu
Mulheres que optam por engravidar cedo mostram que o desejo de ser mãe é cultural
A atriz e roteirista de Girls, Lena Dunham, de 29 anos, declarou que precisa ser mãe já. Há alguns anos, a cantora Adele, 27, recusou uma turnê mundial de uns 450 milhões de reais para ficar em casa cuidando do filho que teve aos 24. Mallu Magalhães, 23 anos, que compõe e canta desde os 12, está grávida de seu companheiro na vida e na música, Marcelo Camelo, e promete que não vai falar do assunto, ainda que tenha dito em uma entrevista à Folha de S.Paulo em 2011 (aos 18) que começaria a juntar dinheiro para ter um filho. O que elas têm em comum? São mulheres jovens, bem-sucedidas profissionalmente e que abraçaram a maternidade cedo. Mais cedo, ao menos, do que fazia, nos anos 90 e no começo dos 2000, aquela parcela da população feminina que queria (e podia) priorizar a carreira.
De congelar óvulos para engravidar depois de investir na vida profissional a bradar o desejo de exercer a maternidade no auge da energia física, a impressão é que se passaram não mais do que cinco minutos para as mulheres. Será, no entanto, verdade que elas estão engravidando mais cedo? Para analisar a tendência, seria preciso olhar para cada país de acordo com seus valores culturais próprios e, sobretudo, levar em consideração as realidades sociais de cada lugar. Uma coisa é a esfera pública, outra são as decisões privadas – que, essas, sim, podem sofrer as influências de Lena, Adele, Mallu e de outras figuras conhecidas.
No Brasil – onde cerca de 48% das mulheres entre 20 e 29 anos já tiveram ao menos um filho, segundo dados do IBGE –, os modelos costumam vir da TV. Uma pesquisa realizada em 2009 pelo Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID), depois de analisar por três décadas o papel da televisão no comportamento dos cidadãos, concluiu que as novelas brasileiras têm impacto significativo sobre a natalidade. Desde 1970, as taxas de fertilidade caíram 60% no país, enquanto a presença de aparelhos – ligados, principalmente, na rede Globo – só cresceu, chegando a cobrir 98% dos municípios brasileiros nos anos 90. Em resumo, a probabilidade de uma mulher ter um filho em áreas cobertas pela TV caiu 0,6 ponto percentual a mais do que nas áreas sem cobertura. Ainda faltam estudos que avaliem a influência das redes sociais, mas seu potencial de influência é óbvio.
“Não sei se podemos afirmar que as brasileiras estão engravidando mais cedo, mas o que é fácil notar é um discurso de valorização da maternidade, que tem se dissipado no país. Há dez anos, uma profissional de classe média não voltava para casa na hora do almoço para amamentar seu bebê. Hoje, ela quer fazer isso e às vezes encontra como”, analisa a sanitarista Raquel Marques, presidente da Artemis, organização que representa os direitos das mulheres. Da mesma maneira, aquelas mulheres que decidem vivenciar a maternidade, muitas vezes em detrimento do trabalho, não têm sido questionadas nessa decisão, diz a especialista. “Ainda que caia o padrão de vida, é o que muitas querem fazer”. É uma discussão ampla, e Raquel chama a atenção para a parcela mais carente da população, cujas elaborações ao redor da fertilidade vão léguas além da decisão de engravidar. “É preciso lembrar que muitas não têm opção ou veem na gravidez e na formação de uma família o único projeto de vida possível”.
Maíra Pinheiro, de 25 anos, descobriu que estava grávida aos 23, no meio do curso superior. Apesar de estar em uma relação estável à época, a gravidez foi uma surpresa e a assustou. Passado o susto, no entanto, Maíra resolveu encarar a novidade de frente e reinventar a vida: “Percebi que a forma mais coerente e respeitosa com a minha visão sobre as mulheres, de quem tanto é exigido, seria exercer plenamente meu direito à maternidade. Pude fazer isso e hoje curto muito ser mãe”, diz ela, que é favorável à chamada “criação com apego”. Maíra se fez doula – profissional que dá assistência a mulheres durante a gestação e o pós-parto –, passou a vender slings (carregadores de bebês) que ela mesma fabrica e está prestes a se formar em Direito na Universidade de São Paulo. Apesar das dificuldades, sua reviravolta deu certo, e hoje ela – solteira – vive sozinha com a filha em boas condições.
Mesmo se deparando cada vez mais com mulheres que decidem engravidar jovens, médicos obstetras de grandes cidades brasileiras observam que o mais comum ainda é esperar para ter filhos depois dos 30. E, para muitas, um ou dois basta. Uma análise do IBGE mostra que, de 2000 a 2015, a taxa de fecundidade no Brasil percorreu uma trajetória de franca queda: de 2,39 filhos por mulher no começo do período, passamos a 1,72 (valor abaixo da taxa de reposição da população, que é de 2,1 no país). A título de comparação, dados do Banco Mundial mostram que na Colômbia, onde a tendência também é cair, a taxa é de 2,3, na China, atualmente em ascensão, de 1,7; e na Espanha, estagnada há alguns anos, de 1,3 filhos por mulher.
Dolores Nishimura, que atende em um consultório particular em São Paulo, acredita que a carreira ainda é prioridade para muitas até os 32, 33 anos, por isso as brasileiras esperam mais e terminam tendo menos filhos. “É preciso lembrar que, depois dos 35, a taxa de fertilidade feminina cai muito, por isso muitas mulheres tentam engravidar antes disso”, alerta, recordando o risco maior de doenças fetais após essa idade.
É o tal do relógio biológico? “Assim ele é chamado, mas, na verdade, é algo cultural”, explica o especialista em reprodução Giuliano Bedoschi, da clínica paulistana Materprime. Não há qualquer chamado do corpo, que não seja mental, para que a mulher engravide, afirma o médico. “O que acontece é que a taxa de fecundabilidade de uma mulher, ou seja, sua chance de engravidar, diminui à medida que a idade avança. Isso porque ela nasce com o número total de óvulos que terá durante toda a vida, e esses óvulos vão envelhecendo. Não existe fonte renovadora”. Entre os 19 e os 26 anos, essa taxa é, em média, de 40 a 50% ao mês. Entre 35 e 39 anos, ela cai para, no máximo, 30%, e de 40 anos em diante, ela é de 5 a 10% ao mês.
Lena Dunham acredita que as pessoas tendem a seguir o rumo contrário da geração anterior à delas. Sua mãe a teve aos 36, porém ela e suas amigas, ainda na casa dos 20, não querem, nem precisam esperar até lá. E o importante, segundo ela, é querer. A atriz, roteirista e diretora, que recentemente lançou uma autobiografia, determinou que a arrecadação de vendas do seu livro Não sou uma dessas: Uma garota conta tudo que 'aprendeu'nos Estados Unidos será destinada a financiar uma organização de planejamento familiar que educa os jovens para evitar a gravidez não desejada. E não é preciso ser socialmente vulnerável para ter filhos sem de conscientemente querê-los.
Sobre desejar a maternidade, sem saber ao certo o que se está desejando, a atriz e mãe Nanda Félix escreveu um texto em seu Tumblr, e desde então virou uma antena virtual de discussão sobre os reais desafios da maternidade. “Nunca pensei em não ter filho, até ter um”, diz ela no começo de seu testemunho, muito sensível ao abordar a maternidade como uma opção de vida, transformadora, sim, porém não a única existente, e nem a melhor. “Maternidade não é rito de passagem. É algo para a vida inteira”, diz ela à repórter. “Não sabemos mais o que é cultura e o que é desejo. As pessoas acusam as mulheres que decidem não ter filhos de egoísta. Até que ponto ter o filho não é a atitude egoísta? Crianças não pedem para nascer e exigem disposição e cuidados, que os pais têm que ter. Às vezes, o discurso da maternidade se torna muito vaidoso”, opina, sem diminuir a própria experiência com o filho, nem muito menos questionar seus elos inquebrantáveis com ele.
O objetivo com o desabafo foi, desde o começo, possibilitar uma discussão que, via de regra, não acontece. Ela termina o texto com um “conselho imaginário” para quem, como ela, assimilava o discurso do relógio biológico sem questionamentos pessoais: “Pense na possibilidade de não ter um filho como uma escolha possível. Se você conseguir, e mesmo assim decidir ter esse filho, então estará um pouco mais preparada para ser mãe”. Resulta que quem acerta os ponteiros do relógio biológico de uma mulher não é a biologia, mas ela mesma.
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