Deixe-se guiar por Martinho da Vila para descobrir ‘O Samba’
Documentário faz passeio turístico pelo ritmo, não sem compartilhar boas histórias Trunfo do filme é o carisma de um dos maiores sambistas brasileiros
Não tem jeito: quando Martinho da Vila, um dos maiores patrimônios da música brasileira, começa a entonar os primeiros versos de Canta, canta, minha gente, qualquer conterrâneo sensível ao samba se arrepia. Dono de uma voz inconfundível, forte e ao mesmo tempo serena, o cantor, compositor e escritor de 77 anos, é uma unanimidade em talento, caráter e simpatia. Sorte do diretor franco-suíço Georges Gachot, com seu O Samba, documentário sobre o gênero musical brasileiro por excelência, que, apesar de ser um tour para gringo ver, é um tour guiado por Martinho da Vila. O filme estreou há pouco tempo no circuito brasileiro com uma visão didática do samba, porém contada lá onde ele nasce e se mantém fresco todos os dias: no seio de uma comunidade carioca.
A comunidade de O Samba, claro, é a Vila Isabel, que Martinho adotou e pela qual foi adotado pouco tempo depois de mudar muito jovem de Duas Barras, no interior do Rio de Janeiro, para a capital. As primeiras imagens mostram a movimentação das pessoas que preparam o desfile da Unidos de Vila Isabel na Sapucaí, mas longe da ostentação e do brilho da Avenida, bem perto da simplicidade e da dedicação apaixonada do sambista que consagrou a escola em vários carnavais cariocas, e de outros talentos anônimos que fizeram o mesmo. Em seguida, pontuado por encontros interessantes e depoimentos únicos que fazem o espectador sentir que tem acesso a informação privilegiada, aparece Martinho, que será acompanhado pelo diretor – um franco-suíço radicado no Rio desde 2003, que fez filmes elogiados sobre Maria Bethania (Maria Bethânia: Música é Perfume; 2005) e Nana Caymmi (Rio Sonata; 2010).
Os destaques do longa, abertamente feito para o público europeu, são momentos domésticos e outros recolhidos da gravação de um Sambabook pelo sambista com a participação de músicos como Leci Brandão, Ney Matogrosso, Fernanda Abreu, Paula Lima e um de seus oito filhos, a também sambista Mart’nália. Tem a passagem em que Martinho fala de quando criou o enredo A Festa da Raça e compôs o tema Kizumba para a Unidos da Vila Isabel em 1988, devolvendo o samba à sua simplicidade e às suas origens africanas, em uma aposta radical que garantiu o primeiro lugar do carnaval carioca à escola. Tem também a cena em que ele viaja a Paris para gravar uma nova versão de Canta, canta com a cantora greco-francesa Nana Mouskouri e o testemunho de Ney Matogrosso sobre sua paixão pelas letras dramáticas que só o samba sabe dar.
É verdade que o espectador brasileiro pode se aborrecer com passagens casuais que podem brilhar mais aos olhos estrangeiros do que aos nacionais, como quando Martinho prepara uma caipirinha em casa, crianças sambam com desenvoltura e mulheres rebolam orgulhosas nas quadras da Vila Isabel, campeã do carnaval em 2013. Mas nem isso impede alguns brasileiros de assumir esse olhar mesmo estrangeiro para buscar as raízes do ritmo que se confunde com a identidade nacional e é presença vital no cotidiano de muitas pessoas que entonam com disposição, quase todos os dias, os versos do maior sambista da Vila depois de Noel Rosa: “Canta, canta, minha gente/Deixa a tristeza pra lá/Canta forte, canta alto/Que a vida vai melhorar”.
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