A profecia da emigração planetária
É evidente que a Terra tem uma capacidade limitada de recursos e não está claro se a rentabilidade tecnológica vai progredir com mais velocidade que a lógica malthusiana
Stephen Hawking pronunciou neste jornal uma frase singela, evidente e aterradora: “A sobrevivência da raça humana dependerá de sua capacidade de encontrar novos lares em outros lugares do universo, pois o risco de um desastre destruir a Terra é cada vez maior”. É evidente porque o planeta tem uma capacidade limitada de recursos (alimentos, energia) e não está claro se a rentabilidade tecnológica vai progredir com mais velocidade que a lógica malthusiana. O economista Kenneth Boulding cunhou o termo “espaçonave Terra” para explicar o caráter restrito do recinto em que vive a espécie. É simples porque expõe ao mesmo tempo o problema e a solução – o universo é uma fonte inesgotável de energia, metais e minerais, como sabem os astrofísicos e os amantes da ficção científica –; e é aterradora porque coloca os habitantes do planeta diante da vertigem de um destino longínquo, mas inevitável.
Em Interstellar, o último e menosprezado filme de Christopher Nolan, essa ideia aparecia resumida desde o cartaz: “A humanidade nasceu na Terra, mas não está destinada a morrer nela”. A mensagem, similar à de Hawking, estava costurada com um argumento verossímil: a população mundial sofre uma lenta extinção, asfixiada por gigantescas tempestades de poeira e uma maligno declínio da produção agrícola. A solução está em migrar para outros planetas similares e longínquos. A ideologia do filme, não obstante, é problemática e perigosa. Ao declarar que a essência da natureza humana é conquistadora e expansiva, Interstellar exime o homem, por causa do imperativo biológico, de sua responsabilidade com o planeta e desenha um futuro predador: habitar um planeta, explorá-lo até a extenuação e ocupar o seguinte.
Um grupo de físicos, astrofísicos e literatos especulou, já desde meados dos anos 1960, com a ideia do universo como um espaço que pode ser colonizado e explorado. Carl Sagan, Fred Hoyle, Freeman Dyson e Arthur C. Clarke aplicaram sua fértil imaginação (The Sentinel, matriz de 2001, A Space Odissey, nasceu de uma dessas tempestades de ideias) para desenhar uma economia interplanetária em que é possível gerar atmosfera em Marte para torná-lo habitável, terraformar mediante engenharia planetas e planetoides ou explorar os recursos do sistema solar. A tecnologia fará de nós mercadores do espaço.
Hawking hoje vislumbra, como Sagan e Clarke fizeram antes, um futuro muito longínquo, mas para eles incontornável e impiedoso. Entretanto, a curto prazo a exploração do espaço imediato é inalcançável para a economia global. Não há cálculos exatos, mas um fluxo rentável de viagens espaciais requer aumentos do PIB mundial superiores pelo menos em 20% ao atual; converter esse fluxo em intercâmbio econômico exigiria um acúmulo de capital muito superior a esse 20% agregado. A guerra nas estrelas será um conflito de requalificação de terrenos em Marte, de buscadores de metais contra colônias agrícolas em Io ou de painéis solares frente a extração de gás em Mercúrio; ou seja, de acumulação e rentabilidade do capital. É tudo o que sabemos.
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