Fim de festa para os jovens chineses
Após décadas de crescimento, desaceleração turva as expectativas de uma geração
O sorriso de Yang Rui, de 23 anos, tem um quê de amargura. Ele acaba de entregar seu currículo em dezenas de estandes numa feira de emprego na zona norte do Pequim. Mas, depois de quatro meses vagando pelos departamentos de RH de toda a capital, esse recém-formado em Urbanismo pela Universidade de Construção de Tianjin não tem muitas esperanças. “Não há nenhuma oferta para o meu setor. A esta altura no ano passado já teria encontrado algo, certamente. Mas neste ano a gente nota uma mudança muito brusca, sobretudo na área da arquitetura e construção. Tinha expectativas muito altas, mas agora já me conformo com o que aparecer, seja da minha área ou não.”
A experiência de Yang soa familiar para a imensa maioria dos recém-formados ocidentais. Mas na China é um fenômeno relativamente novo, que está se agravando com a desaceleração da economia do país, a segunda maior do planeta. Até alguns anos atrás, um diploma universitário era um passaporte seguro para a entrada no mercado de trabalho. Para quem não tivesse um alto nível educacional, as fábricas do litoral também ofereciam muitas oportunidades. Mas as coisas estão mudando, e os sete milhões de jovens que entram anualmente nas universidades chinesas enfrentam agora um índice de desemprego de 8% ao se formarem. Fatores como as fortes quedas das Bolsas chinesas no mês passado se combinaram para semear dúvidas sobre o futuro da geração nascida depois de 1980.
Uma queixa comum é a percepção da necessidade de ter guanxi (contatos) para abrir caminho. “Na sociedade atual é muito importante ter conexões”, observa Zhang Song, de 22 anos, que procura trabalho no setor de controle de qualidade alimentícia. “Se você não estiver bem relacionado, terá de fazer muito mais esforços. Mas deveria depender do esforço e da capacidade de cada um, não é justo que a sua carreira dependa de quem você conhece.”
“Após duas décadas em que a realidade constante era um crescimento de dois dígitos [mais de 10% ao ano], a economia começou a se desacelerar, e muitos problemas sociais bastante intensos que afetam desproporcionalmente os jovens estão começando a ferver”, aponta Eric Fish, autor do livro China’s Millenials: The Want Generation. A grande incógnita é como reagirá essa camada da população se ocorrer um rompimento do contrato social implícito que mantém o Partido Comunista no poder em troca de altos níveis de emprego e crescimento econômico.
Os jovens ainda compartilham o ideal proclamado por Deng Xiaoping, segundo quem “enriquecer é glorioso”, mas, observa Fish, “começaram a olhar para o dinheiro como algo além de um fim em si mesmo, passando a considerá-lo como um meio para obter um fim. Começam a querer uma realização pessoal, um significado maior da vida”.
Viajados e conectados à Internet
Embora a população chinesa esteja envelhecendo paulatinamente, as jovens gerações representam ainda um terço da população, algo em torno dos 400 milhões de pessoas. Nascidas na época da reforma e abertura (gaige kaifang) iniciada com Deng Xiaoping, não conheceram até agora nada mais do que uma economia em contínuo crescimento. No ano 2000, o PIB per capita mal chegava a mil dólares, hoje em dia já se é de cerca de 8.000 dólares.
São uma geração muito diferente da de seus pais. Viajam mais -em 2014, um total de 107 milhões de chineses foram ao exterior-, estão conectados à Internet - 80% dos adolescentes utilizam a rede habitualmente-, e desenvolveram uma maior autoconfiança que seus pais. O número de greves para exigir melhorias trabalhistas só aumenta: dos 158 casos que a organização Chinesa Labor Bulletin teve conhecimento em 2011, para mais de 1.379, em 2014. Cerca de 78% dos jovens assegura que não tem medo de defender pessoalmente uma causa caso as autoridades não o façam.
Desencantados com a política
São, em geral, gerações desencantadas com a política. Um estudo do Instituto de Sociologia da Academia de Ciências Sociais da China (CASS) concluiu que os jovens com maior educação e os procedentes das universidades de elite são os menos propensos a ingressarem no Partido Comunista, embora formem a maioria dos membros atuais. Segundo as cifras oficiais, 34 milhões dos 85 milhões de filiados do PCC têm diploma superior; apenas 25% dos seus militantes são menores de 35 anos.
Mas essa aversão à política não significa falta de solidariedade. Um terço desse grupo, segundo o estudo do CASS, se diz entusiasta de patrocinar entidades filantrópicas. Os mais conscientizados – ainda uma minoria diminuta, pois apenas 2% admitem participar de manifestações – criaram um novo tipo de ativismo, menos político e mais social, embora nem por isso menos perigoso. Cinco jovens feministas que planejavam uma campanha contra a discriminação sexual foram detidas durante mais de um mês no começo deste ano.
O Governo chinês acompanha com atenção essa tendência e decidiu se envolver. Desde a chegada ao poder do presidente Xi Jinping o controle das redes sociais foi intensificado. No começo de 2015, as universidades receberam instruções para expurgar livros didáticos que contivessem “valores ocidentais” como a democracia e a separação de poderes.
A tendência não dá sinais de se abater. Coincidência ou não, nesta semana o Ministério da Educação chinês anunciou que os candidatos a mestrados terão de se submeter a uma entrevista. As “qualidades políticas e ideológicas” e os “valores morais” dos aspirantes serão decisivos para sua admissão.
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