_
_
_
_

A insegurança industrial, um problema endêmico na China

País concentrou 20% das mortes em acidentes de trabalho em todo o mundo em 2014 Solução requer investimento alto e mudança cultural entre executivos do país

Macarena Vidal Liy
Trabalhadores tentam descontaminar zona afetada por explosões em Tianjin.
Trabalhadores tentam descontaminar zona afetada por explosões em Tianjin. AFP

Corrupção, ignorância e negligência. As explosões em Tianjin são emblemas de alguns dos principais problemas que afetam a segurança industrial na China, a segunda maior economia do mundo, e que transformaram esse país em um dos vilões mundiais em relação às taxas de mortalidade no trabalho.

De acordo com os dados do Escritório Nacional de Estatísticas, 68.061 pessoas morreram no ano passado em acidentes de trabalho na China. Quase 20% dos 350.000 casos que a Organização Mundial do Trabalho registrou no mundo todo em 2014. As explosões do dia 12 em Tianjin são, de longe, os incidentes mais graves que ocorreram este ano. Deixaram pelo menos 116 mortos e mais de 700 feridos. Mas não foram os únicos acidentes. Essa semana, um deslizamento de terra na província de Shaanxi matou pelo menos nove mineiros e 56 ainda estão desaparecidos.

No sábado, nove pessoas se feriram na explosão de uma planta química a menos de um quilômetro de edifícios residenciais na província de Shangdong. Um dia antes, um armazém de produtos químicos pegou fogo em Hefei, no sudeste do país. Segundo os números da China Labour Bulletin – uma ONG com sede em Hong Kong que se dedica a acompanhar as condições dos trabalhadores dentro da China –, até a catástrofe do dia 12 de agosto, tinham ocorrido outras 26 explosões em 2015, que deixaram 65 mortos e 119 feridos.

Mais informações
China prende 10 executivos da empresa responsável pela explosão
Tianjin confirma que havia 700 toneladas de substância tóxica
Explosões na China deixam 85 bombeiros desaparecidos
China quer recuperar fôlego ante a desaceleração do comércio mundial
China endurece censura temendo protestos pelo acidente de Tianjin
Explosões em Tianjin continuam cercadas de incógnitas
“Parecia uma bomba atômica”, diz morador de Tianjin sobre explosão
As imagens da tragédia na China

A Administração para a Segurança Laboral aponta que nos quatro primeiros meses deste ano ocorreram 862.225 acidentes de trabalho que resultaram em 16.243 mortes. Nos últimos anos, os números se reduziram gradualmente, em torno de 10% (ao ano). Em 2014, foi aprovada uma normativa que enrijecia as sanções contra as empresas que não respeitassem as medidas de segurança no trabalho, incluindo multas de até 100.000 iuanes (cerca de 55.000 reais). No entanto, a causa de fundo perdura: a falta de cumprimento das leis.

“Aplicá-las de modo estrito pode requerer um grande investimento por parte das companhias; a conscientização e a capacidade de administração das empresas, além disso, pode deixar a desejar. Ainda estamos muito longe de chegar aos padrões avançados das companhias modernas; e também pode ser que a supervisão dos órgãos reguladores não tenha sido suficiente”, afirma, por e-mail, Wei Jiuchang, da Universidade de Ciência e Tecnologia da China em Hefei e coautor de um estudo sobre as punições aplicadas às empresas responsáveis por acidentes e a influência da pressão ambiental sobre esse aspecto, intitulado Investigation and penalty on mayor industrial accidents in China (Investigação e punição em grandes acidentes industriais na China).

O rápido crescimento econômico encorajou uma cultura na qual o desejo de enriquecer supera a prudência. Surgiram numerosas oficinas e empresas clandestinas ou ilegais, que trabalham com maquinaria antiquada e que impõem largas jornadas de trabalho a seus empregados, o que gera a fadiga. Em muitos casos, a falta de formação para conduzir as equipes de maneira adequada é evidente.

A corrupção também desempenha um papel importante: os empresários com contatos políticos ou com muito dinheiro podem recorrer aos funcionários locais para que façam vista grossa diante das violações da lei, sobretudo quando ocorrem flagrantes. E em um país onde os tribunais estão submetidos ao Partido Comunista, a frágil sociedade civil também não conta com instâncias onde reivindicar.

Geoffrey Crothall, diretor de comunicação da China Labour Bulletin, aponta outro fator: os próprios trabalhadores, que “embora contem com cada vez mais poder na hora de negociar com suas empresas, também não dão prioridade às condições de segurança e preferem concentrar-se primeiro em coisas mais urgentes, como o aumento de salários e complementos”, explica por telefone.

O rápido crescimento econômico encorajou uma cultura na qual o desejo de enriquecer supera a prudência. Surgiram numerosas oficinas e empresas clandestinas ou ilegais

No caso de Tianjin o que ocorreu foi uma soma de todos os fatores. A falta de preparação dos bombeiros causou a explosão de maneira involuntária, segundo todos os indícios. O armazém da empresa Ruihai Logistics International, local das explosões, carecia, havia oito meses, das permissões necessárias para o manejamento de substâncias perigosas. Seus dois principais proprietários, que se ocultavam detrás de testas-de-ferro, reconheceram ter conexões com o poder que utilizaram, sem hesitar, para se esquivar dos controles de segurança.

Um deles, Dong Shexuan, é filho do ex-chefe da polícia do porto de Tianjin. O presidente da companhia, Yu Xuewei, foi diretor da empresa Sinochem, controlada pelo Governo. Diante da polêmica entre a opinião pública gerada pelo caso, o Governo chinês prometeu tomar medidas aprendidas por meio de “uma lição paga com sangue”, e ordenou uma campanha de supervisão de riscos nas empresas que manejam produtos explosivos.

Os diretores da Ruihai estão detidos; e também estão sob investigação um alto funcionário do Ministério de Meio ambiente e, inclusive, o próprio diretor do Escritório de Segurança Laboral, Yang Dongliang. Mesmo assim, a opinião pública continua cética perante o verdadeiro alcance dessas medidas. No passado, ocorreram outros graves acidentes, como a explosão causada pela poeira que produzida pelos trabalhadores ao polir metal a alta temperatura em uma fábrica peças para automóveis em Kunshan, em agosto de 2014, que matou 146 trabalhadores, e, apesar das garantias oferecidas na época, "nada aconteceu", lembra Crothall.

Segundo o representante da China Labour Bulletin, acrescentar novas leis e mais camadas reguladoras não contribuirá para resolver o problema. “É preciso promover uma mudança fundamental da mentalidade nos locais de trabalho. Os empresários, os funcionários e os trabalhadores, todos eles, têm que começar a se conscientizar da importância da segurança”.

Texto em espanhol.
Texto em espanhol.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_