Jorge Ramos: “Donald Trump oferece o horror, a utopia de um país branco”
Jornalista qualifica de "autoritário" o magnata que o expulsou de uma coletiva de imprensa
O jornalista Jorge Ramos é uma das principais referências jornalísticas nos Estados Unidos, especialmente entre a comunidade hispânica. Milhões de pessoas ficam todos os dias diante da televisão para ver seu influente noticioso na rede latina Univision. Com 57 anos e nascido no México, Ramos se transformou de repente em protagonista da campanha eleitoral nos Estados Unidos, depois de ser expulso de uma coletiva de imprensa pelo aspirante do Partido Republicano Donald Trump, o político-empresário que arrebatou mais manchetes e horas de televisão na corrida pela Casa Branca, para as eleições do próximo ano. Suas polêmicas propostas migratórias (deportação dos 11 milhões de imigrantes irregulares que vivem no país, construção de um muro na fronteira com o México e negação da nacionalidade às crianças nascidas nos EUA se forem filhas de imigrantes indocumentados) abriram um acalorado debate que arrastou vários candidatos republicanos para posições extremas e pôs em alerta a comunidade latina.
“Estamos diante de uma figura autoritária. Tudo acontece porque não gostou da minha pergunta. Quando lhe disse que não poderia deportar 11 milhões de pessoas e construir um muro de 3.000 quilômetros, seu rosto se desfigurou. Ele quis me tirar a palavra”, afirma Ramos a EL PAÍS, tão logo chegou ao aeroporto de Miami – cidade em que a Univision tem uma de suas sedes operacionais–, procedente de Iowa, onde se deu o incidente com Trump.
A cena de Trump exigindo que Ramos se sentasse quando era questionado por suas iniciativas migratórias e lhe ordenando que voltasse à emissora certamente será lembrada como um dos grandes marcos da corrida para a Casa Branca de 2016. “Eu não tenho de receber ordens de Trump nem de ninguém”, afirma o jornalista. Um segurança obrigou Ramos a se retirar da sala na qual o pré-candidato republicano estava falando. Depois, após as queixas de dois repórteres, o jornalista voltou e conseguiu formular as perguntas que havia preparado. Essas perguntas tinham um objetivo: que Trump explicasse, indo além de seu discurso cheio de artifícios, como iria materializar suas propostas migratórias. “Trump está mentindo. Sabe que não pode deportar nem construir um muro. Isso só pode ser feito com o Exército e deportando as pessoas para os estádios. E isso, para nós, latinos, nos lembra as ditaduras sul-americanas”, afirma o jornalista.
Ramos foi à entrevista coletiva à imprensa dada por Trump na terça-feira em Iowa, já que o empresário se havia negado a ir a seu programa de TV. Quando meses atrás Trump qualificou os mexicanos que chegam aos Estados Unidos como estupradores, ladrões e narcotraficantes, Ramos lhe enviou uma carta manuscrita convidando-o a ir a seu programa. O magnata ignorou a oferta, mas publicou a carta na Internet, o que obrigou o jornalista a trocar seu telefone celular, incluído na correspondência. Depois de meses de espera, o repórter decidiu ir a Iowa para que o empresário desse definitivamente explicações sobre seus planos de governo. A resposta de Trump foi a já célebre expulsão da coletiva de imprensa. “Muitos jornalistas e políticos não se atrevem a enfrentá-lo. Trump obriga a nós, jornalistas, repensarmos nossa função na sociedade. Temos de tomar partido diante de algumas situações, como o racismo, a discriminação, a corrupção e os direitos humanos. Trump se enquadra em várias delas”, afirma Ramos.
Trump está mentindo. Sabe que não pode deportar nem construir um muro
Nos 30 anos em que exerce o jornalismo nos Estados Unidos, Ramos nunca se deparara com uma situação semelhante, apesar de que em numerosas ocasiões pôs contra as cordas políticos dos dois grupos, republicanos e democratas, sem se importar com sua posição. É a primeira vez em que foi retirado à força de um lugar enquanto exercia seu trabalho. “Trump oferece o horror. Está propondo a utopia de um país branco, sem imigrantes, quando os Estados Unidos são multiétnicos. Tem um discurso perigoso e acredito que cometeremos um erro se não o levarmos a sério. Se chegar à Casa Branca, a transformação dos Estados Unidos seria brutal e teria graves consequências para os latinos”, acrescenta o repórter.
As últimas pesquisas divulgadas indicam que 75% dos latinos desconfiam plenamente de Trump. Seus ataques contra os hispânicos ocorrem quando a maioria dos candidatos corteja esse voto, que se considera decisivo para as eleições do próximo ano. As estimativas apontam que quase 16 milhões de eleitores de origem latina votarão nas eleições de 2016 e a orientação de seu voto pode ser decisiva para definir a batalha eleitoral pela Casa Branca. Ramos lembra que o presidente Barack Obama venceu as últimas eleições por apenas cinco milhões de votos.
Jorge Ramos recebeu um apoio maciço de jornalistas dos Estados Unidos depois de seu enfrentamento com Trump, que no início de agosto teve outro famoso atrito com Megyn Kelly, uma apresentadora da nada suspeita rede Fox de televisão, que lhe perguntou durante o debate dos candidatos republicanos sobre comentários machistas que ele havia feito no passado sobre as mulheres.
A Univision, cuja influência no mundo latino nos Estados Unidos é enorme, é uma das empresas que rompeu um contrato com Trump depois de suas palavras xenófobas em relação aos hispânicos, especialmente os mexicanos, uma decisão à qual o magnata respondeu com uma ação milionária de 500 milhões de dólares (1,8 bilhão de reais) Trump recordou esse episódio a Ramos durante seu embate. O jornalista não dá importância à reprimenda. “Eu sou um repórter e venho fazer perguntas”, conclui.
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