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Repressão policial em Tucumán agita campanha eleitoral argentina

Governo provincial reprime com gás lacrimogênio um protesto diante da sede do Executivo Manifestantes decidem permanecer por mais horas para pedir nova votação na região

Carlos E. Cué
Confrontos entre manifestantes e policial em Tucumán (Argentina).
Confrontos entre manifestantes e policial em Tucumán (Argentina).Miguel Velardez.

As imagens da repressão policial aos protestos em Tucumán, depois das polêmicas eleições vencidas por quem está no poder há 12 anos, provocaram uma enorme controvérsia na Argentina, um país pouco acostumado a ver a polícia bater em manifestantes. As críticas foram tão duras que até o próprio governador, José Alperovich, que controla com mão de ferro a província desde 2003, se desvinculou do episódio e diz não saber quem deu a ordem de reprimir.

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Além da pouca credibilidade dessa afirmação, vinda de um homem que tem o controle absoluto da província, a declaração demonstra a preocupação de Alperovich e de seu aliado, o Governo de Cristina Fernández de Kirchner, com as imagens de Tucumán. O porta-voz do Executivo, Aníbal Fernández, disse que a repressão não o “satisfaz” porque “não é saudável”. Alperovich não ofereceu a demissão de nenhum responsável e se limitou a dizer que a Justiça estava investigando quem deu a ordem para cometer “excessos policiais”. O candidato presidencial kirchnerista, Daniel Scioli, também condenou os excessos da polícia, mas insistiu que sua formação política ganhou as eleições. “Espero que Macri tenha a grandeza reconhecer a derrota como fez a situação quando perdeu as eleições”, enfatizou.

A oposição não reconhece os resultados das eleições por causa das múltiplas irregularidades. O candidato de oposição ao governo de Tucumán, José Cano, exigiu uma nova votação com mais garantias e a anulação da votação do domingo. O presidente da comissão eleitoral e da Corte Suprema, Antonio Gandur, um homem próximo de Alperovich, respondeu de imediato: “Isso é impossível, não detectamos nenhuma fraude”. O governo insiste que as eleições foram “normais”. Alperovich chegou a dizer que espera que "sejam abertas todas as urnas” para comprovar a vitória de quem ele designou como sucessor, Juan Manzur, por 14 pontos. “Aqueles que têm medo de abrir são aqueles que trapacearam, nós não trapaceamos”, enfatizou. No entanto, insistiu que não depende dele, mas da justiça eleitoral.

Tucumán se transformou no epicentro da campanha para as eleições da Argentina com uma imagem inédita no país: milhares de manifestantes concentrados durante horas na porta da Casa do Governo, na Praça da Independência, a principal de San Miguel de Tucumán, exigindo que a votação seja repetida, diante da fraude generalizada que foi detectada. Depois de algumas horas nas quais aumentava o número de manifestantes reunidos na praça, com imagens transmitidas ao vivo pela televisão para todo o país e que lembravam antigos protestos durante regimes não democráticos, o Governo do kirchnerista José Alperovich, que há 12 anos conduz o poder com mão de ferro, decidiu reprimir com dureza o ato.

À meia-noite, os manifestantes só aumentavam e alguns se animavam a subir as escadas da Casa do Governo em um clima de grande tensão

Houve correria, duros golpes de policiais a cavalo e a pé, gás lacrimogênio, balas de borracha e vários feridos. O que está em jogo é o governo de Tucumán, uma província que tem um orçamento de 3 bilhões de dólares (cerca de 10,5 bilhões de reais), que Alperovich e seus aliados controlam à vontade e que agora será gerida pelo sucessor dele, Juan Manzur, caso não haja uma nova eleição –algo pouco provável.

Os manifestantes, principalmente os mais jovens, só se dispersaram momentaneamente. Não foram embora para muito longe. Pouco depois, assim que a polícia deixou de reprimir –pressionada pelas duríssimas imagens que se difundiam por toda a Argentina–, eles voltaram à praça. À meia-noite, os manifestantes só aumentavam e alguns se animavam a subir as escadas da Casa do Governo em meio a um clima de grande tensão, que só se acalmou ligeiramente quando uma senadora da oposição assumiu o papel de mediadora com a polícia, abrandou os mais exaltados e entrou no palácio para conversar com quatro pessoas detidas por causa dos protestos.

A questão da repressão policial, habitual e quase assumida em outros países, é particularmente sensível na Argentina desde 2001, quando o presidente Fernando De la Rúa teve que abandonar de helicóptero a Casa Rosada (sede do Governo), depois de uma feroz coação que acabou com 28 mortos. Desde então, este assunto é quase um tabu. Os Kirchner deram ordem expressas para que a polícia nunca reprima manifestantes, salvo em casos extremos. Isso faz com que, há anos, sejam frequentes em Buenos Aires os bloqueios inesperados de importantes avenidas por pequenos grupos de manifestantes que nunca são reprimidos. As imagens de Tucumán, especialmente duras e divulgadas no Twitter com a hashtag #tucumanazo (em referência ao cordobazo, confronto em Córdoba em 1969 que marcou o início da queda da ditadura de Onganía), contrastam com essa ordem de não reprimir os protestos da qual se vangloria o kirchnerismo.

Alguns manifestantes se deslocaram da praça principal até a casa do governador-eleito, Juan Manzur, protegida pela polícia. A noite parecia ser longa em Tucumán, que, apesar de ser a menor província do país mas também a quinta mais populosa, está a caminho de se tornar um marco na campanha eleitoral, superando até o impacto das inundações em Buenos Aires que arranharam a imagem de Daniel Scioli.

Ainda que pareça uma contradição, a vitória de seu partido em Tucumán –por 14 pontos, segundo a contagem provisória– pode custar caro para Scioli. As imagens de irregularidades, com mais que 40 urnas queimadas durante a recontagem porque os resultados não eram os esperados, com os milhares de carros pagos pelos candidatos para levar os cidadãos dos bairros mais humildes para votar e o agradecimento em forma de cestas de alimentos, e sobretudo com a repressão ao protesto no dia seguinte podem prejudicar gravemente a imagem de Scioli, que quer fazer uma campanha tranquila para tentar ampliar votos pelo centro.

Scioli tentou minimizar a importância das irregularidades, e o Governo insiste em que apenas poucas urnas foram queimadas, menos de 1% do total. O candidato kirchnerista pediu ao líder da oposição, Mauricio Macri, que aceite a derrota por 14 pontos apontada na apuração provisória. Mas a oposição exige que a votação seja repetida diante do acúmulo de irregularidades e não reconhece o resultado.

A vitória de Macri em 25 de outubro já é difícil, mas pode ser ainda mais se ele tiver tão poucos votos no norte pobre da Argentina. Ele, no entanto, terá mais opções se conseguir polarizar e mobilizar milhões de argentinos a votar contra o kirchnerismo e contra imagens como as que foram vistas em Tucumán. Elas dificilmente deixarão indiferentes milhões de cidadãos em um país onde são comuns as polêmicas nas eleições, mas nunca ao nível de Tucumán, e muito menos os milhares de manifestantes na praça que não reconhecem o resultado.

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