Estagiários a custo zero na ONU
Jovem neozelandês abre polêmica sobre o tratamento dispensado a bolsistas em Genebra
Servir café e tirar xerox estão entre as caricaturas mais conhecidas sobre os estagiários. Mas há também quem colabore de forma eficiente e tenha um currículo prestigioso, e mesmo assim não receba salário algum pelo trabalho temporário que desempenha na ONU.
A Organização das Nações Unidas reconhece no artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos que “toda pessoa tem direito, sem discriminação alguma, a salários iguais por um trabalho igual”. Entretanto, na sede da ONU em Genebra, assim como nas de Viena e Nova York, a organização não estipula pagamento nenhum para os estágios de seis meses que oferece a cada ano.
O neozelandês David Hyde, de 22 anos, que faz estágio em Genebra, criou há alguns dias uma história para sensibilizar a opinião pública sobre o assunto. Disse que vivia em uma loja à beira do lago de Genebra, e a imprensa internacional repercutiu o caso. Agora que o próprio Hyde admitiu a farsa, fica a polêmica sobre o tratamento dispensado aos bolsistas nas organizações intergovernamentais.
Além da ONU, há outras entidades internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Conselho da Europa e a Organização Meteorológica Mundial (OMM), que não pagam seus estagiários. O problema existe, admitiu na sexta-feira passada Ahmad Fawzi, diretor do Serviço de Informação das Nações Unidas em Genebra. Segundo ele, as condições para os estágios na Secretaria das Nações Unidas foram determinadas por uma instrução administrativa, e não pela Assembleia Geral, e os Estados membros rejeitaram a concessão das verbas necessárias para pagar os jovens.
Os aspirantes aos estágios em Genebra precisam ter conhecimentos em assuntos como Relações Internacionais, Sociologia, Direito, Política e História, além de dominar pelo menos os idiomas inglês e francês. São estudantes muito preparados, aos quais a ONU não garante nem mesmo plano de saúde. “O processo de seleção é muito duro, e o pessoal faz de tudo para ser aceito”, contou por telefone Sabine Matsheka, uma jovem de 23 anos que dirige a associação dos bolsistas de Genebra. “Trabalhar nas Nações Unidas é uma oportunidade única”, admite Matsheka, segundo quem muitos bolsistas já lhe pediram ajuda para chegar ao fim do mês.
“A falta de ajuda econômica afeta a capacidade de selecionar os melhores”, afirma, de Genebra, Ian Richards, presidente da Coordenação de Sindicatos e Associações do Pessoal Internacional da ONU (CCISUA, na sigla em inglês). Os bolsistas que provêm de países em desenvolvimento são minoria, segundo Richards, e as possibilidades de trabalhar na organização depois da bolsa são baixíssimas. “Talvez não seja um grande investimento para um estudante”, admite.
Em 18 de julho, a associação dos estagiários em Genebra organizou uma manifestação em frente à sede local da ONU, sob o lema “Não pagar é injusto”. “Hoje em dia, para ter um trabalho de qualidade é preciso antes fazer um estágio”, afirma Pierre-Julien Bosser, ativista do grupo InternsGoPro, que luta para estabelecer padrões de qualidade trabalhista para os bolsistas. Em parceria com o Fórum Europeu da Juventude, o grupo se manifestará em novembro diante do Parlamento Europeu, em Bruxelas, para reivindicar a criação do “dia internacional dos estagiários”. A questão dos estágios não remunerados, recorda ele, é um assunto sobretudo social. “Se não houver garantia de qualidade de acesso aos estágios, retira-se das pessoas a oportunidade de se realizarem profissionalmente.”
Segundo dados estatísticos do Eurobarômetro, há a cada ano 4,5 milhões de estagiários na Europa, sendo 59% deles não remunerados. Entre os que são pagos, menos da metade considera a cifra suficiente para cobrir o custo de vida básico. O funcionário menos graduado da ONU em Genebra chega a receber 37.000 dólares anuais (128.730 reais). O mais bem pago ganha 190.000 dólares (661.000 reais). Em 2014, o centro europeu de estatísticas revelou que 8 em cada 10 jovens nunca tinham ouvido falar da Garantia Juvenil, o programa de emprego para jovens que o Conselho de ministros da UE adotou em abril de 2013, estabelecendo um padrão de qualidade para os períodos de estágios.
Os estagiários na Europa
A última pesquisa do Eurobarômetro sobre estagiários na Europa, publicada em novembro 2013, revelou que aproximadamente metade dos jovens pesquisados (46%) realizaram um ou mais períodos de estágio.
Quase 6 em cada 10 alunos (59%) não receberam nenhum tipo de compensação financeira durante o estágio; e, entre os que foram pagos, menos da metade considerou a cifra suficiente para cobrir o custo de vida básico.
Em 4 de cada 10 casos, os jovens declararam não ter assinado nenhum acordo ou contrato com a empresa ou organização de acolhida.
Os pesquisados consideraram 30% dos estágios deficientes quanto ao conteúdo de aprendizagem ou condições de trabalho. Quase 25% relataram que suas condições de trabalho eram diferentes das oferecidas aos empregados regulares, e 20% consideram não ter aprendido nada que venha a ser profissionalmente útil.
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