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Coluna
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Brasil: por uma inserção mais atualizada no mundo

Os brasileiros estamos tendendo ainda mais à introspecção. Como se o mundo começasse e terminasse no nosso país

Às voltas com uma grave crise de governabilidade, os brasileiros estamos tendendo ainda mais à introspecção. Como se o mundo começasse e terminasse no nosso país. Deixamos de lado os temas internacionais. Apesar de todos os grandes avanços que logrou nas últimas décadas na consolidação da democracia, no desenvolvimento econômico e na inclusão social, o Brasil ainda é um país predominantemente provinciano e desconectado.

Para que possa atuar efetivamente num mundo em que as organizações, os agrupamentos econômicos, os movimentos sociais e as estruturas de conhecimento se tornaram difusas e onipresentes, o Brasil deve ampliar consideravelmente sua inserção nas grandes redes de articulação e informação hoje prevalecentes no plano internacional. A fim de arregimentar, interpretar e implementar os objetivos da sociedade, tanto no plano interno quanto no plano externo, é preciso dispor de uma capacidade que ainda não temos.

Torna-se indispensável, portanto, recuperar o papel que sempre coube ao Itamaraty de captar e difundir a realidade, as dificuldades e as oportunidades externas e o de buscar as parcerias apropriadas no plano internacional, coadjuvando-as e sustentando-as com políticas multilaterais apropriadamente pragmáticas.

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Para o Ministério das Relações Exteriores, a manutenção e o constante aperfeiçoamento dos meios constitui um objetivo em si mesmo. É um Ministério diferente da maioria dos demais que conduzem grande variedade de programas e de projetos específicos que podem eventualmente ser reduzidos ou cortados, sem que o conjunto das ações seja irremediavelmente comprometido. No caso do Itamaraty, a maior parte dos gastos é de custeio, ou seja, a manutenção e o crescente aperfeiçoamento de sua maquinaria interna e externa, o que permite ao país interagir com o mundo e situar-se adequadamente nos processos globalizados. Cortes onde quer que ocorram reduzem drasticamente essa capacidade.

A tarefa da diplomacia consiste essencialmente em mediar oportunidades e/ou constrangimentos externos com os interesses ativos ou reativos internos, de maneira a conduzir a interação do país no mundo da forma mais condizente com seus objetivos permanentes ou incidentes, tal como percebidos e definidos pela sociedade e pelo Governo. Uma diplomacia competente atenua oposições e amplia coalizões.

Não obstante a tendência do país à introspecção e ao paroquialismo, fomos capazes de desenvolver uma sensibilidade especial para os nexos existentes entre o fato externo, a relação internacional, a diplomacia e a sua história. Daí o prestígio alcançado pelo Itamaraty no Brasil e no exterior. É importantíssimo preservá-lo!

Nos anos que se seguiram à redemocratização, o exercício da diplomacia foi beneficiado pela repercussão externa particularmente positiva dos avanços políticos, econômicos e sociais do país.

Esse enredo acha-se hoje praticamente esgotado. Na última década, o ritmo de crescimento da economia brasileira se desacelerou, as dificuldades do Mercosul se aguçaram, a ponto de impedir o seu aprofundamento e, por extensão, as negociações com a UE ficaram estacionadas. Não se voltou a explorar a possibilidade de um acordo com os EUA. A entrada da Venezuela trouxe um complicador desfavorável para o Brasil no jogo de forças interno do Mercosul, assim como nas possibilidades de negociações internas e externas. Passamos a concentrar nossas expectativas nas negociações multilaterais no âmbito da OMC que se arrastam desde 2002 e que, se um dia forem concluídas, certamente o serão bem abaixo das nossas expectativas. A China, por sua vez, nunca deu indicações de que estaria preparada para entrar numa relação com o Brasil capaz de ir além da troca de matérias primas por produtos industriais de baixa elaboração.

É urgente que o Brasil supere a crise atual e volte a ter o protagonismo necessário no mundo. Entre os países emergentes, o Brasil destaca-se pela solidez de seu regime democrático e pela existência de um regime jurídico estável e transparente. Temos, portanto, condições de contribuir positivamente para o debate em torno de uma nova agenda de transformação da ordem internacional nos planos político, econômico e social.

O caminho a percorrer passa, sem dúvida, pelo reforço das instâncias multilaterais. Ou seja, repensar a ordem internacional em linhas que, ao acentuar e privilegiar a organização internacional, o façam em formas efetivamente associativas, não coercitivas. Os dois vetores principais do processo de organização internacional, a segurança coletiva e a cooperação, são como as duas caras de uma mesma moeda.

No mundo da globalização dos mercados, é preciso não esquecer de que se globalizaram também os riscos. Se as áreas periféricas não forem rapidamente integradas aos benefícios do desenvolvimento, não serão os países do Terceiro Mundo os únicos prejudicados. A expansão dos países desenvolvidos baseada nos seus próprios mercados pode estar próxima de seus limites extremos, como o demonstram, sobretudo, os altos índices de desemprego que passaram praticamente a constituir fatores estruturais.

O Brasil situa-se entre um extremo e outro da escala de satisfação e insatisfação com sua inserção no mundo. Ostenta, portanto, um misto de características conservadoras e revisionistas da ordem internacional. Dispomos, porém, de um excedente de poder muito limitado para encontrar soluções para os problemas globais, capazes de incidir positivamente sobre nossa agenda interna de desenvolvimento.

Precisamos de menos palavras, de mais recursos, de mais clareza de objetivos, de mais objetividade, de mais coordenação e articulação efetiva entre todos os segmentos do Governo e da sociedade civil. Precisamos, enfim, daquilo que históricamente caracterizou de forma positiva a política externa do Brasil diante dos grandes obstáculos que tivemos de enfrentar ao longo do tempo: sentido de realidade e pragmatismo!

Não adianta, porém, só reclamar. Como dizia o escritor austríaco Robert Musil, ninguém pode ficar zangado com o que ocorre à sua volta sem causar dano a si mesmo.

Luis Felipe de Seixas Corrêa é diplomata, chefiou a missão do Brasil na ONU e na OMC. Foi por duas vezes secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores (1992 e 1999-2001).

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