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YANIS VAROUFAKIS | Ex-ministro das Finanças da Gécia e deputado pelo Syriza

“O terceiro resgate da Grécia está fadado ao fracasso”

Para o ex-ministro das Finanças, a Espanha corre o risco de acabar como seu país

Claudi Pérez
Yanis Varoufakis, ex-ministro de Finanças da Grécia.
Yanis Varoufakis, ex-ministro de Finanças da Grécia.GORKA LEJARCEGI

“O despotismo sádico da ideologia dominante”. “A leitura moral desta crise”. “O abraço mortal da dívida”. Yanis Varoufakis (Atenas, 1961) recebe o EL PAÍS em sua casa no centro da capital grega, com sua famosa moto estacionada na esquina. Frente a frente, o ex-ministro se mostra amável e desenvolto. Dá ao jornalista uma xícara de café, serve outra para si mesmo, e quando o gravador entra em cena, mostra por que se diz que tem uma das línguas mais afiadas da esquerda europeia. Quarenta e cinco minutos depois, dói ter que deixar de fora deste texto um punhado de frases como as escolhidas para iniciar este parágrafo.

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De sua cabeça perfeitamente raspada não param de brotar ideias – e uma ou outra contradição. O terceiro resgate da Grécia, prevê, não vai funcionar; “está fadado ao fracasso” e é o ponto final de uma espécie de “golpe de Estado” dos credores. Berlim tem um plano para levar a troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) a Paris, “o prêmio da loteria”. E a Europa amedrontada com a saída da Grécia do euro, afirma, está a caminho de se tornar uma ideia sinistra, com fortes doses de preconceitos morais e um péssimo diagnóstico da crise, o que a leva a seguidas vezes receitar políticas profundamente equivocadas.

Pergunta. Você deixou o ministério há pouco tempo. Como é o seu dia a dia?

Resposta. Os jornalistas imaginam que eu esteja desanimado, mas não entrei na política para seguir carreira. Entrei para tentar mudar as coisas. E há um preço a pagar por tentar fazer isso.

P. Qual é o preço?

R. O desdém, o profundo ódio do establishment. Quem chega à política sem querer seguir carreira acaba se metendo em encrenca.

P. Tem a sensação de ter conseguido mudar as coisas?

R. Claro. Se não, por que você teria vindo me ver? O Governo grego foi eleito para negociar duramente, com argumentos que não eram aceitáveis para a eurozona. O mandado do Syriza era claro: conseguir um pacto com a Europa com a ideia de dizer aos parceiros que não podiam continuar sufocando a Grécia desta maneira desumana. Nós gregos nos lançamos com uma força irrefreável contra um Eurogrupo com uma lógica inamovível e irracional. O resultado foi um estrondo. E espero que também alguma coisa de luz.

Espanha e o risco de ser como a Grécia

C. P., Atenas

Indagado sobre as declarações de Mariano Rajoy sugerindo que outros países podem sofrer o mesmo desvio que a Grécia caso ganhem peso opções semelhantes ao Syriza, Varoufakis diz que seu país “se tornou uma espécie de bola de futebol para os políticos de direita, que insistem em assustar sua população com a Grécia”.

“Os espanhóis têm que olhar para sua situação econômica e social e em cima disso avaliar do que seu país precisa, independentemente do que acontece na Grécia ou onde quer que seja. O perigo de se transformar na Grécia continua presente e se tornará real se continuarem repetindo os erros que foram impostos à Grécia”, diz o ex-ministro.

“Punir o orgulho de um país para atemorizar outros não é a ideia da Europa pela qual lutaram Felipe González, Valéry Giscard d’Estaing e Helmut Schmidt. Temos que recuperar o significado de ser europeu, encontrar formas de recriar o sonho de combinar prosperidade com democracia.”

Varoufakis não crê que o Podemos tenha prejudicado seu Governo: "Não diria jamais que o Podemos tenha sido um problema para nós. Pode ter intensificado o processo. Só que, sem o Podemos, a Europa teria empregado a mesma estratégia do medo".

P. Em seu último livro (Economia sem Gravata – Conversas com Minha Filha, ainda não traduzido para o português), você explica a sua filha a crise. Com o terceiro resgate, a Grécia seguirá sob tutela da ex-troika até meados do século. Até que sua filha tenha mais ou menos a idade que você tem hoje. Como será isso?

R. Engano seu. Não é a antiga troika. A troika voltou.

P. E o que acha de os homens de preto continuarem em Atenas até que seus netos sejam adultos?

R. Não farão isso. O acordo não tem futuro. Baseia-se na manutenção da farsa de empurrar com a barriga: prolongar a crise com novos empréstimos insustentáveis e fingir que isso resolve o problema.

P. Qual sua expectativa então para os próximos meses? Nada de bom?

R. O terceiro resgate está fadado ao fracasso. Sejamos sinceros: o ministro alemão, Wolfgang Schäuble, nunca teve interesse em pactuar nada que pudesse funcionar. Seu plano é redesenhar a eurozona: parte desse redesenho é pôr de lado a Grécia. Acho que está completamente equivocado, mas tem muito poder. Uma das falácias destes dias é apresentar o pacto entre Atenas e os credores como alternativa ao plano de Schäuble. Não é isso: o acordo é parte do plano de Schäuble.

P. Acha que vai acontecer o Grexit [abandono do euro pela Grécia]?

R. Espero que não. Mas vai haver muito ruído, atrasos, descumprimento de metas, mais recessão, problemas políticos. Quando chegar a hora, vamos ver se a Europa quer ou não seguir em frente com o plano de Schäuble.

P. Berlim acaba de propor um plano para aplicar as regras do euro com ainda mais rigor.

R. Schäuble quer deixar de lado a Comissão e criar uma espécie de autoridade fiscal com capacidade para submeter os orçamentos nacionais, inclusive em países que não estejam sob o programa. É como submeter todos os sócios ao programa. O plano Schäuble é impor a troika a todos. Em Madri e em Roma. Mas especialmente em Paris.

P. Paris?

R. Paris é o prêmio da loteria, o destino final da troika. O Grexit será usado para criar o medo necessário em Madri, Roma e Paris.

P. Sacrificar a Grécia para mudar a cara da Europa?

O ‘plano Schäuble’ é impor a troika a todos. Especialmente a Paris

R. É uma demonstração: é isto que acontece se não se submeterem à troika. O ocorrido na Grécia é um golpe de Estado: a asfixia de um país por meio de restrições de liquidez. Em Bruxelas nunca houve interesse em oferecer um pacto mutuamente benéfico. As ajudas não chegavam; era preciso fazer frente a seguidos pagamentos ao FMI e ao BCE, e no fim ficamos sem dinheiro. Logo depois nos deram um ultimato e nos vimos obrigados a fechar os bancos. O resultado é o mesmo que ter derrubado um Governo ou tê-lo forçado a se derrocar.

P. Onde fica a Europa nessa história?

R. Ninguém pode ser livre se uma pessoa somente estiver escravizada: esse é o paradoxo de Hegel. A Espanha e os outros parceiros não têm como prosperar, ser livres ou cuidar de sua soberania e democracia se a outro parceiro é vetada a prosperidade, a soberania ou a democracia.

P. Ninguém discute que a austeridade era excessiva nem a necessidade de reestruturar a dívida: discute-se sua estratégia de negociação.

R. Nada relacionado à austeridade e ao alívio da dívida era indiscutível em janeiro: é indiscutível agora, porque lançamos o debate à mesa. Para todos que me dizem que fracassamos, diria que conseguimos abrir uma discussão não apenas sobre a Grécia, e sim sobre a Europa, que vale seu peso em ouro.

P. Está satisfeito com o resultado?

R. O euro estava mal projetado, como se viu com o colapso do [banco de investimentos] Lehman. Desde então, a Europa vive em estado de negação e fez o contrário do que deveria. Um país como a Grécia, com apenas 2% do PIB europeu, elegeu um Governo que pôs na mesa temas essenciais; depois de seis meses de luta perdemos a batalha. Mas ganhamos a guerra: mudamos o debate.

P. Então isso lhe basta?

Em Bruxelas nunca houve interesse em pacto mutuamente benéfico

R. Claro. Não consigo quantificar esse resultado; não consigo dizer quantos bilhões vale transformar o debate. Mas há coisas que são medidas pelo seu valor, não somente pelo seu preço.

P. Você tinha uma plano B: uma moeda paralela dentro do euro. Isso ainda pode ser ativado?

R. Vamos separar duas coisas. Havia um esquema, denominado plano X, um plano de contingência para responder aos atos de agressão por parte do BCE, do Eurogrupo e das demais instituições. E um projeto para um novo sistema de pagamentos por meio da Receita Federal. Esse sistema deveria ter sido implantado obrigatoriamente; deveria ser implantado amanhã. Mas o plano X já era.

P. Segundo Tsipras, não havia alternativa ao pacto. Com o plano B você está dizendo o contrário?

R. Desde jovem rejeito esta ideia thatcheriana de que não existe alternativa. Sempre existe.

P. Você falou em terrorismo monetário e tortura fiscal. Essa retórica não foi prejudicial?

R. Esse conceito de tortura fiscal é uma descrição precisa do que aconteceu. A ideia é afundar a cabeça do torturado na água; antes que se afogue, é permitido que respire, para depois fazer um novo mergulho, repetidamente, até ele confessar. A Grécia é asfixiada com a falta de liquidez. Até depois do resgate. Os parceiros deram apenas 7 bilhões de euros (cerca de 26 bilhões de reais), a medida para pagar o FMI e o BCE: dessa forma, o Governo é mantido sob controle absoluto. Em relação ao terrorismo, em 25 de junho os credores nos presentearam com uma proposta para cinco meses, cientes de que era impossível cumprir as condições. Decidimos submetê-la a referendo e pedimos uma extensão do resgate de duas semanas para votar em paz. O Eurogrupo nos negou essa ampliação; obrigou-nos a fechar os bancos. Numa economia moderna, fechar os bancos é a pior forma de terrorismo monetário. O que é o terrorismo, se não perseguir uma agenda política mediante o medo? Foi o que fizeram: aterrorizar as pessoas sobre os efeitos de votar não. Se em Bruxelas tivessem se abstido de assustar os gregos, não teria usado essa palavra.

P. Chamar de criminoso o FMI, como fez Tsipras, ajudou em algo nas condições do acordo?

O que aconteceu foi um golpe de Estado: a asfixia de um país por meio de restrições de liquidez

R. Sejamos precisos: Tsipras falou de um programa de negligência criminosa que impôs aos gregos uma crise monumental, inclusive uma crise humanitária. Não subimos o tom da nossa retórica até o final de junho. Até lá fomos extremamente corteses, apesar da incrível hostilidade do Eurogrupo. Até então, Tsipras tinha combinado 90% do programa. O que fizeram os credores? Deram marcha à ré e voltaram a propor medidas inaceitáveis, por exemplo no IVA [imposto sobre valor adicionado]. Isso foi um ato de agressão: daí falamos em negligência criminosa.

P. Se o acordo é tão ruim, por que Tsipras o aceitou?

R. Isso você deve perguntar para ele.

P. Por que não conseguiu sequer um aliado no Eurogrupo?

R. Essa ideia de que o Eurogrupo são 18 contra um é ilusória. Há uma pequena minoria que acredita na austeridade. Há um grupo maior de Governos que não acreditam na austeridade, mas são obrigados a defendê-la porque a impuseram. E há ainda um terceiro grupo, com a França, que não acredita na austeridade nem a exerce.

P. Os gregos que votaram num partido de esquerda entendem as fotos na revista Paris Match?

R. Passeie comigo pelas ruas e você verá. Mesmo assim me arrependo dessa sessão de fotos, que além de tudo é esteticamente horrível. Talvez não acredite em mim, mas quando aceitei não conhecia a Paris Match. Cometi o erro de aceitar a sessão de fotos. Peço desculpas.

P. Você uma vez disse que o legado de Thatcher foi a perigosa financeirização da economia e, acima de tudo, Tony Blair. Qual será o legado de Angela Merkel?

R. A Europa corre o risco de se tornar uma jaula de ferro: espero que a chanceler Merkel não queira deixar essa herança.

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