O Neruda político chega ao cinema
O filme de Pablo Larraín aborda o período em que o poeta foi perseguido por ser comunista
Neruda é um filme de ação e sobretudo sobre a formação da identidade. O diretor chileno Pablo Larraín (Santiago, 1976), vencedor do Grande Prêmio do Júri do último Festival de Berlim com seu filme El club, voltou seu olhar sobre um dos personagens chilenos mais célebres e internacionais do século XX, o Prêmio Nobel Pablo Neruda, e em um período pouco explorado da vida do poeta: aquele em que o escritor foi perseguido pelo Governo do chileno Gabriel González Videla, que decretou em 1948 a chamada Lei Maldita contra os militantes comunistas. Já uma figura relevante do mundo das letras, foi nessa época que Neruda acabou de dar forma à personalidade política que marcou os 25 anos seguintes de sua vida até sua morte em setembro de 1973.
“Tem elementos políticos e poéticos, mas, no fundo, é um filme sobre um policial que dá sentido a sua vida ao perseguir o poeta”, explica Larraín sobre seu próximo filme de ficção, que também terá elementos de policial, comédia e drama. “Neruda entende que, se conseguir escapar, fará com que sua voz seja mais forte, maior, mais ouvida. Nessa volta, se transforma em um gigante, em uma lenda”.
O filme Neruda, de Larraín, está em pleno período de filmagem nas cidades chilenas de Valparaíso e Santiago e na capital da Argentina, Buenos Aires. Com data de estreia para meados de 2016, tem um elenco latino-americano: Neruda é interpretado pelo chileno Luis Gnecco; sua esposa, Delia del Carril, está nas mãos da atriz argentina Mercedes Morán; e o policial Óscar Peluchonneau, que persegue o poeta, o personagem central por meio do qual Larraín se aproxima de Neruda, é encarnado pelo mexicano Gael García Bernal, que antes tinha protagonizado No, o filme de Larraín que falava sobre o plebiscito de 1988 que tirou Augusto Pinochet do poder.
Em um parêntesis em meio à gravação, o mexicano conta que, para ele, “Neruda é o poeta mais importante do século XX”. “Não acredito que outros tenham chegado a ter essa obra tão extensa e essa notoriedade em que se combinaram dois fatores que hoje em dia parecem antagônicos: ser político e ser artista”, destaca García Bernal, que pela primeira vez em sua vida deixou crescer o bigode para encarnar Peluchonneau, “um policial triste, ressentido, um fascista amoroso, se é que existe essa definição”.
García Bernal (Guadalajara, 1978), que em 2004 interpretou Ernesto Che Guevara em Diários de motocicleta, reflete sobre o cinema que está sendo feito na região e seu interesse por esses personagens icônicos da América Latina. “Me sinto muito à vontade na América Latina. Não me é estranho nem heroico trabalhar nos vários países, é algo natural, que não me questiono. Temos uma interdependência cultural e um jogo dialético comum. Compartilhamos as mesmas realidades sociais e tons particulares que nos irmanam. O exterior é um ótimo lugar para sair da zona de conforto, para aventurar-se e fazer as perguntas horríveis. Sinto-me orgulhosíssimo de fazer esse personagem de Peluchonneau”, afirma no escritório da produtora Fábula, em Santiago.
Para o ator Luis Gnecco, que interpretará o Neruda de Larraín, apesar de o Nobel ser um homem tão conhecido em todo o mundo, “quase não foi abordado”. “No Chile gostamos de esquecer a história e colocamos esses personagens em um pedestal, transformando-os em seres intocáveis”. Mas o filme Neruda mostrará um escritor que, em 1948, aos 44 anos, começa a construir o mito de si mesmo. Como senador, critica o Governo no Congresso, é desaforado, é perseguido pelo agente Peluchonneau e, com sua esposa, a argentina conhecida como A Formiguinha (La hormiguita), tenta sem sucesso sair do país. Começa então a fase de clandestinidade e o poeta se transforma em arma. Escreve Canto Geral, realiza excursões noturnas secretas e sua lenda, que cresce em todo o mundo, faz com que artistas como Pablo Picasso clamem por sua liberdade internacionalmente. No filme, perseguidor e perseguido se fundem, um respira o hálito do outro, e o autor se reinventa até se tornar o mito literário e político que veio a ser.
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