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A elite russa exilada pela intolerância de Vladimir Putin

Profissionais qualificados deixam a Rússia pela duplicação das pressões políticas

Pilar Bonet
O jogador de xadrez Gari Kasparov (esq.); a jornalista Zhana Nemtsov (c) e a ativista María Gaidar.
O jogador de xadrez Gari Kasparov (esq.); a jornalista Zhana Nemtsov (c) e a ativista María Gaidar.R. SUVAR (CORDON PRESS) / P. GOLVKIN (AP) / A. NATRUSKIN (REUTERS)

Políticos, ativistas de ONGs, economistas, jornalistas e outros profissionais qualificados da Rússia emigram para buscar no exterior as oportunidades que não veem em seu país, onde as autoridades se mostram cada vez mais intolerantes com os setores críticos.

A Europa é o destino favorito desses emigrantes de elite com motivações individuais diversas: alguns vão embora porque são perseguidos ou correm o risco de serem processados; outros, porque encontram trabalhos mais atrativos ou porque se sentem em perigo e temem por seus familiares.

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Esse conjunto heterogêneo também é formado por empresários de sucesso que tiveram que vender seus negócios na Rússia. Svetlana Ganushkina, da ONG Colaboração Cidadã, especializada em emigração, afirma que o número de russos que pediram asilo na Europa se duplicou entre 2012 e 2013 e passou de 21.000 para 41.000 pessoas.

Em teoria, não há perseguição política, pois a promotoria e o comitê de investigação da Rússia alegam suspeitas delitivas contra os indesejáveis, como Ilya Ponomariov, o único deputado da Duma (parlamento russo) que votou contra a anexação da Criméia em 2014.

Ponomariov, um político de esquerda e um dos líderes dos protestos contra as irregularidades nas eleições parlamentares de 2011 e presidenciais de 2012, foi privado da imunidade judicial para poder ser processado pela suposta participação em um desperdício na construção do centro tecnológico de Skolkovo (o projeto estrela da época em que Dmitri Medvedev substituiu Putin à frente do governo). Ponomariov, especialista em alta tecnologia, vive atualmente na Califórnia.

María Gaidar, filha de Yegor Gaidar, o autor da reforma econômica liberal russa, aceitou este mês o cargo de vice-governadora de Odessa, oferecido por Mikhail Saakashvili, atual governador da província ucraniana e ex-presidente da Geórgia.

Gaidar, que estudou administração pública em Harvard, foi vice-governadora da região russa de Kirov, assessora da prefeitura de Moscou e esteve envolvida em múltiplos projetos de oposição ao Governo. Agora, foi acusada, inclusive, de traição à pátria por políticos estabelecidos da Rússia, e Ella Pamfilova, chefe da comissão da concessão de bolsas presidenciais, anulou a que Gaidar tinha recebido como chefe da ONG Demanda Social.

Os jornalistas são outro tipo de profissionais que emigram. Na Letônia está a redação do site Meduza, fundado por Galina Timchenko em outubro de 2014. Ela foi retirada do cargo de diretora do serviço informativo russo lenta.ru após publicar uma entrevista com um nacionalista radical ucraniano.

A comunidade de jornalistas russófonos é muito numerosa em Kiev, mas esses escritores emigrantes também não são um grupo homogêneo. Alguns, como Yevgueni Kisiliov, eram estrelas de canais de televisão russos ("NTV" do oligarca Vladimir Gusinski) que receberam atrativas ofertas na Ucrânia ao ficar sem trabalho em seu país nos primeiros anos do mandato de Putin.

Serguéi Guríev, professor de Economia na França.
Serguéi Guríev, professor de Economia na França.C. HARTMANN (REUTERS)

No entanto, há jornalistas que emigraram mais recentemente, como Aidar Muzhdabaiev, que se mudou para Kiev para participar da codireção do canal tártaro ATR, que as autoridades russas sufocaram este ano na Criméia, ao não renovar sua licença para funcionar. O canal agora é administrado em Kiev, já que os jornalistas do ATR na Criméia “não têm acesso a nenhum órgão oficial”, segundo o que disse Muzhdabaiev por telefone. “Ainda não sei se vou ter problemas para voltar à Rússia”, afirmou o profissional que até pouco atrás era o vice-diretor do Moskovski Komsomolets, o jornal de maior tiragem de Moscou.

Este mês, o escritor russo Dmitri Bykov deu uma palestra em uma sala lotada em Londres. “Era o mesmo público de Moscou”, afirmou Roman Borisovich, que estava presente no evento. Em 2012, ele abandonou a Rússia, onde era vice-presidente da maior companhia de seguros do país. Foi embora para evitar problemas para seu chefe, que era pressionado pelos serviços de segurança para despedi-lo por ter apoiado, publicamente, a campanha anticorrupção do político Alexei Navalni.

Em Londres, onde mora, Borisovich faz campanha para que o Parlamento britânico aprove uma lei que torne públicas as transações imobiliárias dos oligarcas russos no Reino Unido. “A ampla diáspora russa existente em Londres se reforçou nos últimos tempos com emigrantes políticos”, contou por telefone.

Em 2012, Alexei Navalni publicou uma lista de 16 pessoas que declararam apoiar, com dinheiro de seu próprio bolso, o fundo anticorrupção que ele tinha criado. Na “lista dos valentes”, além de Borisovich, estavam Serguei Guriev, o reitor da Escola de Economia da Rússia, e sua esposa, a economista Yekaterina Zhuravskaya, que hoje vivem na França.

Guriev, que agora é professor do SciencePo de Paris, foi um dos autores de um relatório sobre o segundo processo contra a companhia petrolífera Yukos, que resultou no prolongamento do encarceramento de Mikhail Khodorkovski, magnata indultado em 2013 e que vive na Suíça.

A emigração dizimou a equipe de Navalni. Vladimir Ashurkov, um ex-banqueiro, pediu asilo ao Reino Unido alegando perseguição política. Ashurkov foi chefe do fundo anticorrupção e o responsável financeiro de Navalni na campanha na prefeitura de Moscou, e é acusado de roubo na Rússia.

Yevgueni Chichvarkin, fundador da rede de venda de móveis Evroset, em uma imagem recente em Londres.
Yevgueni Chichvarkin, fundador da rede de venda de móveis Evroset, em uma imagem recente em Londres.CORDON PRESS

No exterior mora também o campeão de xadrez Gary Kasparov, detido em múltiplas ocasiões por participar de atos contra Putin. A biografia do ilustre jogador de xadrez foi censurada em um livro comemorativo do Clube Desportivo Spartak.

Um dos líderes dos protestos de 2011 e 2012 foi Boris Nemtsov, assassinado em Moscou em fevereiro. Sua filha mais velha, Zhana, se mudou para a Alemanha por questões de segurança, e trabalha como jornalista. Na Estônia, vive atualmente Yevgueni Tchirikova, a líder do movimento para preservar a floresta de Jimki (nos arredores de Moscou) e impedir a construção de uma estrada em seu lugar. Tchirikova afirma que abandonou a Rússia temporariamente preocupada por sua segurança e pela de suas filhas.

No exterior, após vender sua empresa, também vive Pavel Durov, um premiado especialista em informática e fundador da rede social VKontakt (Facebook russo), que se negou a facilitar informações sobre os participantes do Euromaidan em Kiev aos órgãos de segurança.

Entre os últimos a deixar a Rússia está Dmitri Zimin, um engenheiro de 82 anos, fundador da companhia de celulares Vimpelcom e ganhador de um prêmio estatal. Zimin decidiu fechar sua fundação, Dinastia, que apoiava jovens cientistas russos depois de ela ter sido declarada como “agente estrangeiro”.

Em Londres, administrando um comércio de vinhos, está, desde 2009, Yevgueni Chichvarkin, fundador da rede de venda de celulares Evroset, que acabou vendendo sua empresa após ser acusado de contrabando e evasão de divisas.

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