Estados Unidos e Irã alcançam um histórico acordo nuclear
Acordo detém o acesso dos iranianos à bomba atômica em troca de suspensão de sanções
Uma era começa no Oriente Médio. O Irã e seis potências mundiais chegaram nesta terça-feira em Viena a um acordo histórico que limita o programa nuclear iraniano em troca de uma suspensão das sanções econômicas sobre o país. Além de pôr fim a 35 anos de confronto entre os Estados Unidos e Teerã, o acordo pode reconfigurar os equilíbrios geopolíticos numa região abalada pela violência extremista.
O regime dos aiatolás preserva a capacidade de produzir energia nuclear e se legitima no conjunto das nações. O presidente dos EUA, Barack Obama, detém o acesso dos iranianos à bomba atômica e ganha sua aposta internacional mais arriscada desde que chegou à Casa Branca em 2009. O primeiro resultado pode ser uma cooperação maior contra os jihadistas do Estado Islâmico.
"É um momento histórico", disse o ministro iraniano do Exterior, Javad Zarif, na sessão plenária em que os negociadores aprovaram o acordo. O documento final, acrescentou, “não é perfeito”, mas todos os envolvidos saem ganhando: não há perdedores.
"A decisão que adotaremos é muito mais do que um acordo nuclear”, disse a chefa da diplomacia europeia, Federica Mogherini. "Pode abrir um novo capítulo."
O acordo, pelo seu alcance regional, é equiparável ao de Camp David em 1978, que selou a paz entre Egito e Israel. Também pode ser comparado com a reconciliação entre os Estados Unidos e outro inimigo histórico, a China, em 1972. Como está fazendo com Cuba, o democrata Obama buscou na diplomacia e no multilateralismo a chave para conflitos arraigados desde a Guerra Fria.
Washington, que protegeu o xá da Pérsia até a revolução de 1979, rompeu relações diplomáticas com o Irã depois que um grupo de estudantes ocupou a embaixada norte-americana em Teerã. Até poucos anos atrás, o Irã era para o Governo dos EUA um membro do “eixo do mal”. O programa nuclear, revelado no início da década passada, agravou as tensões. Para o Irã, os EUA eram o Grande Satã.
Em Viena ocorreu o que até há pouco tempo era inimaginável: ver os dois inimigos não só conversando à mesma mesa, mas também chegando a uma posição comum. Foram necessários quase dois anos de negociações, dezenas de reuniões em pessoa entre o secretário de Estado, John Kerry, e o iraniano Zarif, vários prazos não cumpridos e um esforço final de mais de duas semanas em um palácio austro-húngaro de Viena, com tensões e irritações, gritos e ameaças de retirada.
O resultado mais imediato do acordo de Viena é impedir, durante um mínimo de dez anos, o acesso do Irã à bomba nuclear
Depois de não cumprir em três ocasiões os prazos impostos —inicialmente as conversações deveriam ter sido concluídas em 30 de junho —os negociadores entraram em acordo em torno de um texto de cerca de cem páginas: 20 do documento básico e 80 de anexos. A União Europeia, primeiramente representada por Javier Solana, depois por Catherine Ashton, e em Viena pela alta representante Mogherini, teve um papel fundamental no processo.
O resultado mais imediato do acordo de Viena é impedir, durante um mínimo de dez anos, o acesso do Irã à bomba nuclear. Não é pouco. O que os EUA e a chamada comunidade internacional não conseguiram com o Paquistão nem com a Coreia do Norte —evitar pela via diplomática que se juntassem ao clube de nove países com a bomba atômica — foi obtido com o Irã.
O acordo detém, ainda que temporariamente, a proliferação nuclear numa das regiões mais instáveis do planeta. A ONU vai se assegurar que os iranianos reduzam sua capacidade para enriquecer urânio e plutônio —combustível necessário parra fabricar a bomba — por meio de um regime intensivo de inspeções. O Irão consegue assim livrar-se das maiores sanções que pesam hoje sobre um país e que o isolaram internacionalmente e sufocou sua economia.
#IranDeal shows constructive engagement works. With this unnecessary crisis resolved, new horizons emerge with a focus on shared challenges.
— Hassan Rouhani (@HassanRouhani) July 14, 2015
Ao ver-se liberado das sanções e ao estabelecer um canal de diálogo com o escalão mais alto dos Estados Unidos, o Irã deu um passo para abandonar sua situação de Estado pária. Tanto os secretários de Estado, John Kerry, como seu homólogo iraniano, Javad Zarif, manifestaram esperança de que o acordo de Viena ajude ambos os países a concentrar-se na ameaça comum do Estado Islâmico, os jihadistas sunitas que no último ano conquistaram amplos territórios da Síria e do Iraque.
“A ameaça que enfrentamos, e falo no plural porque ninguém está a salvo, se encarna nos encapuzados que estão devastando o berço da civilização”, disse Zarif em Viena. “Eu creio”, disse Kerry ao jornal Boston Globe, “que aqui temos uma oportunidade para galvanizar as pessoas em direção de um foco comum”.
A prova decisiva do sucesso ou fracasso do acordo será o cumprimento, pelas duas partes, de seus compromissos sobre a redução do programa nuclear e a suspensão das sanções. Os primeiros obstáculos são políticos.
O Congresso dos Estados Unidos, de maioria republicana, tem 60 dias para revisar o documento final e depois aprova-lo ou rejeitá-lo. Previsivelmente vai rejeitá-lo, mas Obama pretende vetar o resultado fazendo uso de suas prerrogativas presidenciais. O veto é irrevogável, a menos que os oponentes do acordo obtenham dois terços dos votos.
O acordo, pelo seu alcance regional, é equiparável ao de Camp David em 1978, que selou a paz entre Egito e Israel
Obama também deverá persuadir os parceiros dos EUA no Oriente Médio. Israel, Arábia Saudita e as monarquias sunitas veem no Irã uma ameaça à sua existência e temem que ela se reforce pela legitimação frente a Washington.
Os detratores do acordo acusam Kerry de ter aceitado concessões em excesso: ressaltam que o Irã manterá sua capacidade de enriquecer urânio, ainda que reduzida, e alertam que, ao livrar-se das sanções, experimentará um boom que ampliará sua influência econômica e sua potência militar. Já as denúncias de violação aos direitos humanos e o apoio iraniano a grupos que os EUA e Israel consideram terroristas mal apareceram nas conversações.
O acordo não significa a plena normalização das relações. Os temores persistem. Por ora não se propõe, como no caso de Cuba, um restabelecimento das relações diplomáticas. O Irã continuará, como Cuba até algumas semanas atrás, na lista do Departamento de Estado de países que patrocinam o terrorismo. Avaliar o alcance do acordo vai requerer meses e seguramente anos. O acordo de Viena se restringe à questão nuclear, mas pode ser que “catalise”, para usar a palavra de Zarif, um reajuste das alianças e dos equilíbrios geopolíticos no Oriente Médio.
Todos têm muita coisa em jogo. O Irã, sua economia e bem-estar e seu status internacional. E também sua identidade. Um país revolucionário? Ou uma potência regional convencional?
Para o presidente Obama, o acordo de Viena é uma daquelas decisões que definem um período presidencial, uma ruptura com a política externa de seu país. A alternativa, disse sempre Obama durante os meses de negociação, teria sido tolerar o Irã atômico, ou a guerra.
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