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Mais um sebo que não quer ser um sebo a menos

Sebo Chama de uma Vela faz vaquinha virtual para não fechar as portas

Eloy em seu sebo, à rua Augusta.
Eloy em seu sebo, à rua Augusta.Divulgação

Um sebo é um depósito de livros usados. Mas levante o primeiro título, espere o dono da casa se achegar e sinta na pele: um sebo é um depósito de histórias vivas. Não só por ser um espaço de literatura, mas porque cada livro ali empoeirado suscita, além de sua própria narrativa, muitos causos. É assim, ao menos, que os visitantes do Sebo Chama de uma Vela são recebidos à rua Augusta, 1371, no centro de São Paulo.

Maurício Eloy, professor de História da Arte e História da Cultura e educador, fundou o Chama há 14 anos e há sete o instalou na pequena loja de galeria, das tantas que permanecem vivas na Augusta. Começou o negócio arriscando com um lote de livros italianos, da editora Mondadori, todos muito cuidados e chamativos, que foram vendidos aos poucos.

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Logo, ele adquiriu a biblioteca pessoal da neta do escritor Monteiro Lobato, cheia de preciosidades, e assim foi adiante, farejando tesouros. Hoje dispõe de um acervo de mais de 8.000 livros, muitos deles relacionados a Filosofia, Antropologia e História, e outros tantos de ficção, sem temer inclusive os best sellers. “O segredo de um sebo é ter livros de grande valor e também títulos esgotados em editoras”, afirma Maurício, que, além de dar aula, já trabalhou em museus e centros culturais paulistanos.

Pelo Chama, já passaram muitos famosos, como o artista plástico Vik Muniz, o músico Arrigo Barnabé, o ator Marco Nanini e o chef Alex Atala – todos dispostos a trocar figurinhas com Maurício, na literatura e além. Mas são os anônimos que suscitam as melhores histórias: a menina que chegou chorando e saiu sorrindo com um livro de presente, o casal de idosos que passou um dia inteiro lendo nas duas únicas cadeiras do lugar, o físico apaixonado por música que terminou esquecendo a Física e levando um livro de violinos em relevo... , estudantes e professores do meio acadêmico atrás dos exemplares que já se esgotaram nas lojas tradicionais. E os muitos que chegam curiosos e saem convictos de ter encontrado uma toca de boas leituras e sincero afeto.

Uma pescaria no Chama

C.M.

Veja alguns títulos pescados no sebo de Maurício Eloy pelo EL PAÍS:

  • A ordem de Malta e o Brasil Imperial, de João Hermes Ferreira de Araújo: a história do Brasil a partir de suas ordens fechadas, assunto tão antigo e tão atual no país.
  • Biologia das paixões, de Jean Didier Vincent: uma dose necessária de Filosofia.
  • Bíblia Sacra Vulgata: uma preciosidade em latim para colecionadores e estudiosos de tradução literária, por exemplo.
  • Livro das mutações – Na escola de Confúcio, de Yeg Keq: um dos cinco clássicos chineses, que têm no i-ching as respostas para suas dúvidas e necessidades.
  • Coleção Obra Jornalística de Gabriel García Márquez: um tesouro de boas histórias que vão além de Cem anos de solidão.
  • Borges, uma biografia em imagens, de Alejandro Vaccaro: a trajetória do grande escritor argentino em uma edição brasileira rica em fotografias.
  • Poesias completas de García Lorca: livro que reúne os poemas do poeta espanhol, feito de capa de couro e papel especial, bonito de corpo e alma.

Uma opção confortável para leitores assíduos é comprar os livros garimpados pelo Chama de uma Vela na página do sebo na Estante Virtual, mas o recomendado mesmo é passar por lá e deixar-se atender pelos vastos conhecimentos do anfitrião, que estuda (e estuda mesmo) não só Filosofia, mas também xamanismo, ufologia, arte oriental e outros tantos temas.

“Minha aposta é ter um bom estoque e fazer um bom atendimento”, diz Maurício, que anda em dificuldades financeiras e se esforçando para não fechar as portas. Uma campanha de financiamento coletivo foi aberta para driblar a crise. O objetivo é receber apoios para que o sebo possa se reinventar, mudando para uma casa mais ampla, com espaço para os cursos e os encontros que lá acontecem informalmente e sem maior comodidade. Está ativa no Catarse, porém a dois dias de acabar e com uma arrecadação aquém do esperado.

Apesar da falta de recursos, ele continua farejando preciosidades literárias – “um sebo tem que adquirir novidades sempre” – e se vestindo de maneira especial. “Sou conhecido como o livreiro dos blazers”, diz, sobre a peça que não pode faltar em sua indumentária. Maurício, afim às velas que o levam à infância e à leitura à moda antiga (e também ao título do livro de seu filósofo preferido, Gaston Bachelard, que inspirou o nome do sebo), segue aceso. “Pretendo começar uma nova campanha em uma plataforma diferente. Não vou desistir”, promete.

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