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Redução da maioridade penal será votada sem avaliações suficientes

Estudo revela que jovens – negros, pobres e semianalfabetos – já são maioria nas prisões

Jovens em um centro de internação, em Osasco (SP).
Jovens em um centro de internação, em Osasco (SP).Fabio Braga (Folhapress)

Eduardo Cunha prometeu pressa e, ainda que indiretamente, cumpriu: começa a ser votada nesta quarta-feira, na Câmara de Deputados, uma proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos para todos os tipos de crime. O relatório, que ignora várias propostas alternativas à redução nua e crua, foi entregue antes de cumpridas as 40 sessões previstas anteriormente na Casa, ignorando posições contrárias e estudos realizados por especialistas nas área.

Como é esse lugar aonde pretendemos levar jovens entre 16 e 18 anos, caso a proposta de redução da maioridade penal no Brasil seja aprovada pela Câmara dos Deputados e em seguida pelo Congresso? Essa é a pergunta que o Mapa do Encarceramento: os jovens no Brasil – recentemente lançado pela Secretaria Nacional de Juventude – é capaz de responder, ainda que tenha sido encomendado em 2012 pelo Governo para cumprir outra finalidade, a de dimensionar a violência que atinge a juventude brasileira.

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Ele conclui: os (superlotados) presídios nacionais para adultos já estão povoados, em sua maioria, por jovens (54,8% têm de 18 a 24 anos, de acordo com o Sistema Integrado de Informação Penitenciária – InfoPen) do sexo masculino, negros, semianalfabetos e com poucas condições de reabilitação. Estão também dominados por facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital, em São Paulo, e o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro. Por que, então, eleger esse como o destino de adolescentes em conflito com a lei, quando o país dispõe de uma legislação específica para sua reinserção na sociedade, que ainda por cima é referência mundial? Essa pergunta, feita pela responsável pelo estudo, Jacqueline Sinhoretto, permanece sem resposta.

O Brasil já está prendendo muito as pessoas jovens, e essa população carcerária está em crescimento. No entanto, quando cruzamos a taxa de encarceramento com as taxas de homicídio no país, percebemos que mais cadeia não corresponde a menos violência”, afirma Jacqueline, que é socióloga e coordenadora de Estudos sobre a Violência e Administração de Conflitos (GEVAC) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Segundo a especialista, a exceção entre todos os Estados brasileiros é Pernambuco. “No entanto, no período analisado, houve também um investimento do Governo pernambucano em uma política integrada para a diminuição da violência que incluía esforços de investigação, prevenção e melhoria da polícia”, diz.

A falta de dados e o jogo político

O Mapa do Encarceramento foi realizado com base em dados de 2005 a 2012 disponibilizados pelo Ministério da Justiça através do InfoPen, e também em números de 2011 e 2012 do Sistema Nacional Socioeducativo (Sinase) – e só com eles as conclusões tiradas já são alarmantes. Mas Jacqueline alerta para a dificuldade de se realizar estudos desse gênero, já que “muitas informações não estão disponíveis” e “muitas não são plenamente comparáveis”. “É muito difícil trabalhar com as estatísticas. Elas existem, mas têm qualidade baixa, variam muito de um ano para outro e às vezes são díspares. Quando é assim, têm de ser desprezadas”.

Toda a discussão ao redor da redução da maioridade penal é carente de dados confiáveis, tanto contra como a favor. Um levantamento realizado pela Folha de S. Paulo, publicado no último domingo, questiona dados já divulgados sobre a participação de menores em crimes hediondos. Um deles é o 0,5% que informa a Presidência da República com base em números do Ministério da Justiça, e outro é o 1% que se atribui ao Unicef (mas cuja responsabilidade o fundo nega, enquanto reforça a informação de que dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, 0,013% cometeram atos contra a vida). Em sete dos nove Estados que contribuíram com informações para a Folha, esse índice “é igual ou superior a 10%”, segundo a reportagem.

O próprio Governo – que neste momento articula com a oposição um movimento contra a PEC 171/93 e seus defensores, entre eles o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha – já criticou a falta de dados sistematizados sobre criminalidade juvenil no país.

Nas mãos da polícia

Afastados da arena política, muitos especialistas continuam se posicionando contra a redução da maioridade penal, que será votada na Câmara dos Deputados até o fim de junho, para então passar ao Congresso, onde será votado em duas instâncias. Para Jacqueline Sinhoretto, “essa é uma medida populista e conservadora, que pode ter um efeito devastador na sociedade brasileira”.

A socióloga, que defende a plena aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente como solução para a criminalidade juvenil, se preocupa com um sistema de Justiça seletivo, que se baseia na prisão em flagrante e “põe a responsabilidade da segurança nas mãos da polícia”. “A polícia prende, e a Justiça não dá conta de julgar. E quem termina preso? São jovens negros e pobres, que são os que estão na rua, visíveis, como alvos fáceis. Não são prisões estratégicas, e sim feitas em grande parte porque os policiais têm metas a cumprir”, diz.

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