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“Jovens que matam apavoram as famílias. Não podemos tolerar”

A deputada Keiko Ota (PSB-SP) defende que “jovens infratores possuem discernimento”

A deputada e seu chefe de gabinete, Roberto Sekiya. / DIVULGAÇÃO
A deputada e seu chefe de gabinete, Roberto Sekiya. / DIVULGAÇÃO

"Lugar de meninos e meninas é na escola", escreveu nesta segunda-feira a presidenta Dilma Rousseff em sua página do Facebook, em mais uma declaração para tentar conter a torrente que leva adiante o projeto de redução da maioridade penal no Brasil. A proposta de emenda constitucional que quer fixar a nova idade em 16 anos, contra os atuais 18, teve mais um avanço na semana passada. A Câmara dos Deputados criou a comissão especial responsável por discutir o texto e encaminhá-lo para a votação final na Casa.

Presidido pelo deputado André Moura (PSC-SE), o colegiado é composto de 27 membros titulares e 27 suplentes. Entre os titulares, de maioria conservadora, está a deputada Keiko Ota (PSB-SP), que pertence à Frente Parlamentar da Segurança Pública – conhecida como a “bancada da bala” – e também à Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família – que é contra a união homoafetiva e descriminalização do aborto.

Eleita deputada pela primeira vez em 2000, 13 anos após a perda de seu filho Ives, sequestrado e assassinado brutalmente por um policial militar aos oito anos de idade, Keiko é a favor da redução da maioridade.

Antes, os jovens roubavam doces e objetos de pequeno valor. Hoje, entram armados nas residências, apavorando as famílias.

No passado, ela recolheu três milhões de assinaturas para um abaixo-assinado a favor de uma pena rígida para quem cometer crimes hediondos. O material, guardado por anos em 82 caixas, foi entregue à Câmara no início de sua legislatura, mas segue sem tramitar.

Hoje, ela defende que “menores infratores possuem discernimento das consequências de suas ações e sabem que matar alguém é crime e ponto”. Confiante, assegura a vitória da PEC entre os deputados e sua ida posterior ao Congresso, onde entrará em nova votação, se nenhuma ação junto ao Supremo Tribunal Federal barrar o seu avanço.

Pergunta. Por que você é a favor da redução da maioridade penal?

Mas precisamos dar uma resposta à sociedade também. Sua autoestima não pode ficar lá embaixo

Resposta. É preciso ver as leis. Antigamente, a criança era ingênua; hoje, não. O nosso código penal, que é de 1940, precisa ser atualizado ao nosso tempo. Antes, os jovens roubavam doces e objetos de pequeno valor. Hoje, entram armados nas residências, apavorando as famílias. Estão envolvidos com armas e drogas. Não é à toa que 87% da população brasileira é favorável à redução da maioridade penal. Isso é reflexo do pavor desses adolescentes que cometem crimes, às vezes por motivos fúteis. Não vamos mais tolerar isso. Eu defendo que só a punição não basta, é preciso que a pena seja cumprida em locais próprios, sem misturar jovens com adultos reincidentes, para que retornem ao seio da sociedade depois de cumprir a devida pena. Não é possível que, depois de três anos, fiquem livres novamente.

P. A cláusula que fala da maioridade na Constituição brasileira não é pétrea?

R. Digo com absoluta certeza que não. A Constituição é bem clara. No artigo 60, estão os temas que não podem ser alterados, e o artigo 228, que fala da maioridade, não faz parte do que está enumerado aí. São 22 anos tentando votar essa proposta, que agora caminha graças a esses novos deputados empenhados, querendo justiça.

P. A sua história pessoal a inspirou a ingressar na vida política. De que maneira ela influencia sua posição nessa hora?

R. Sou a mãe de um menininho chamado Ives, morto violentamente aos oito anos de idade em 1997. Meu trabalho é uma resposta a milhares de mães que tiveram seus filhos assassinados. Meu marido e eu perdoamos o assassino do meu filho, porque acreditamos que era preciso dar o perdão para que nossa vida tivesse novamente sentido. Só não me conformo com essa matança. O que me dá satisfação e prazer é lutar contra a violência. Perdão e justiça podem andar juntos, do contrário seria vingança.

P. Estima-se que 70% dos países têm a maioridade penal estabelecida em 18 anos. Estamos indo na contramão do resto do mundo?

R. Menores infratores possuem discernimento das consequências de suas ações e sabem que matar alguém é crime e ponto. O Brasil é um país que tem muita injustiça social. Quantos jovens aqui estão perdendo oportunidades? Poderiam ser advogados, médicos... A população está ficando velha por causa dessa matança. Acredito que, como acontece em outros países, os adolescentes deveriam ir para um lugar onde não convivam com adultos violentos, porque aí seria uma universidade do crime. Mas precisam ir pra algum lugar onde possam se recuperar.

P. A UNICEF afirma que o Estatuto da Criança e do Adolescente é referência em todo o mundo. Essa legislação não seria suficiente para que os jovens paguem à justiça o que devem?

R. O ECA é perfeito, mas tem que funcionar. Você se lembra daquele caso do menino Bernardo [Boldrini], morto no Rio Grande do Sul? Ele pediu proteção ao Ministério Público, e ela não foi providenciada. Tudo tem que ser melhorado. Defendo um debate sobre o ECA também. Serão 40 sessões, e espero que tenhamos a oportunidade de falar disso. Mas precisamos dar uma resposta à sociedade também. Sua autoestima não pode ficar lá embaixo... E só o que propõe o estatuto não funciona.

P. Você acredita que a crise política em que o país está mergulhado no momento favorece o avanço da PEC 171/93?

R. Tudo vai favorecendo. Temos 56.000 homicídios ao ano. É mais que uma guerra! Imagina perder um filho? É inadmissível.

P. São 56.000 homicídios cometidos por menores de 18 anos?

R. 560 crimes fatais acontecem motivados por menores agressores, segundo dados do Ministério da Justiça. Não importa se são poucos, temos que acabar com eles. [Inicialmente, ela tinha respondido que 40% dos crimes eram cometidos por menores, mas corrigiu a informação depois da jornalista ter ligado para confirmar esse dado e solicitar a fonte. A sua assessoria pediu, então, para atualizar a resposta].

P. Como será o trabalho da comissão de agora em diante?

R. Temos três meses para fechar os estudos, esgotar as probabilidades e ir pra votação. Faremos toda força para que seja rápido. São 42 deputados [favoráveis]. Estamos confiantes na vitória.

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