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A rebelião das pernas na Argélia

Guarda impede a entrada de uma estudante em prova na Argélia por "saia curta demais"

Carlos Bajo Erro
Montagem censurada de imagens das pernas de argelinas.
Montagem censurada de imagens das pernas de argelinas.

Uma estudante de Direito da universidade Said Hamdine, em Argel (Argélia) compareceu no dia 9 de maio para o exame final para se formar como advogada, mas não pôde participar, porque um segurança decidiu que sua saia era curta demais, segundo informou o portal argelino de notícias TSA. A jovem ficou revoltada, e sua indignação contagiou as redes sociais. Um mosaico de joelhos à mostra, em princípio nada provocantes, tornou-se a expressão da rebeldia na Argélia. As imagens se acumulam num álbum no Facebook com nome sugestivo, “Pernas nervosas”, inserido na página “Minha dignidade não está no comprimento da minha saia”.

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Por trás desse espaço está uma jovem diretora argelina, Sofia Djama, que imaginou que essa rede social poderia gerar um espaço para que outras (e outros) cidadãs se expressassem. Sua proposta era se manifestar de forma simbólica. “Queria que se tornasse um lugar de apoio à jovem. Ela tinha dito que pretendia denunciar os fatos, e eu quis que ela visse que homens e mulheres, crentes e agnósticos, estavam a seu lado, que não estava sozinha, isso normalmente dá coragem”, Djama exlica. Até então, Djama tinha utilizado a cultura e, mais especificamente, o cinema, para defender os direitos das mulheres. “Não sei se sou feminista”, confessa. “Prefiro dizer que sou muito sensível, por natureza, a tudo que se refere às questões das mulheres.”

Em menos de uma semana, a página promovida por Sofia Djama ganhou 15.000 seguidores, e a ação despertou o interesse de alguns meios de comunicação internacionais. O resultado mais imediato foi que o mural em que podiam ser vistas as panturrilhas descobertas dos usuários ficou disponível por poucos dias. A página do Facebook foi pirateada e tomada por desconhecidos. “Não sou uma ciberativista”, lamenta a cineasta. “Nem mesmo consegui proteger minha página.” Apesar do ciberataque, Djama não desistiu da iniciativa: “Enviei denúncias ao Facebook, enviei-lhes até capturas de tela que mostram que os piratas compartilharam bandeiras do Daech (Estado Islâmico), mas dizem que não aconteceu nada, parece que isso não lhes importa”, diz.

Essa página do Facebook não foi a única iniciativa nas redes. No Twitter, vários jornalistas e atores conhecidos na Argélia mostraram seu repúdio à decisão do segurança, que depois foi apoiada pelo reitor da faculdade. Ele argumentou que o guarda tinha cumprido seu dever. “O regulamento não obriga ninguém a usar o yihab ou o chador, mas exige uma roupa decente tanto para os meninos quanto para as meninas”, disse à TSA o reitor, Mohamed Tahar Hadjar.

Em certo momento, alguns comentaristas e usuários das redes sociais compararam o que aconteceu na Argélia a um fato ocorrido semanas antes na França. No caso argelino, a jovem estudante de Direito não pôde entrar em seu exame por vestir uma saia curta demais. Na França, o problema para outra jovem foi exatamente vestir uma saia considerada longa demais.

Com as variações nos comprimentos das saias, ficou evidente que a reivindicação não tinha caráter religioso, e sim que se tratava de exigir o direito das mulheres tomarem suas próprias decisões (na Argélia ou na França). O protesto foi conectado à campanha #JePorteMaJupeCommeJeVeux (uso minha saia como eu quiser), lançada no caso francês. “Não é uma questão religiosa”, indigna-se Djama, “nem cultural, é puramente uma questão de liberdade. Uma violação dos direitos das mulheres. Decidir sobre a roupa que uma mulher deve vestir é uma tentativa de se apossar de seu corpo, de seu espírito. É mais uma demonstração dos obstáculos apresentados às mulheres no mundo todo”.

As duas campanhas se misturam de forma involuntária com uma terceira, ocorrida em dezembro de 2014 em Nairóbi (Quênia) e nas redes sociais. Na ocasião, várias mulheres tinham sido atacadas nas ruas porque suas roupas “não eram decorosas”. Junto com os protestos e as manifestações urbanas surgiu #MyDressMyChoice (minha roupa, minha opção), uma vez mais uma reivindicação do direito da mulher de tomar suas próprias decisões.

A imagem da página do grupo no Facebook antes de ser pirateada
A imagem da página do grupo no Facebook antes de ser pirateada

No Brasil, em 2009, a estudante Geisy Arruda foi hostilizada em sala de aula por seus colegas, que consideraram curto demais o vestido que ela usava.

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