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Rebobinando a revolução cubana

Rafael Rojas resgata nuances ocultas sob lugares-comuns do processo que mudou a ilha

Pablo de Llano Neira
O historiador cubano Rafael Rojas.
O historiador cubano Rafael Rojas.RODOLFO VALTIERRA

Se, como no futebol, se vê a jogada em câmera lenta, aprecia-se que nem tudo foi um definitivo chute a gol de Fidel Castro, com um passe de Che Guevara depois da recuperação da bola de Raúl Castro e da mudança de posição de Camilo Cienfuegos. Houve mais jogadores, outras intervenções importantes, rasteiras, impedimentos, cartões vermelhos, expulsões. Na repetição da jogada aparecem os detalhes. História Mínima de la Revolución Cubana (Colegio de México-Turner), o novo livro do historiador cubano Rafael Rojas, tenta recuperar a pluralidade ideológica e política que houve dentro de um processo cuja complexidade, afirma o acadêmico, viu-se menosprezada por “grandes trivialidades, equívocos e lugares-comuns” gerados pela batalha de narrativas entre o situacionismo castrista e a historiografia oposicionista do exílio.

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Rojas demarca a Revolução Cubana como um período de 20 anos: desde que se generaliza a luta contra o ditador Batista, em 1956, até que em 1976 é aprovada a Constituição socialista, conclusão –segundo Rojas– do que em sentido estrito se deve chamar Revolução Cubana. Na fase de rebelião, que levou à derrocada do regime de Batista, em 1959, o pesquisador enfatiza a heterogeneidade das forças oposicionistas: o Partido Revolucionária Cubano (Autêntico), cujo líder Carlos Prío Socarrás era presidente do país quando do golpe de Estado Batista, em 1952; o Partido do Povo Cubano (Ortodoxo), no qual, na juventude militara Fidel Castro, aprendendo com seu líder Eduardo Chibás o poder da oratória; o Partido Socialista Popular, comunista, que rechaçou publicamente o primeiro intento armado de Fidel Castro e os seus, o assalto ao quartel Moncada de 1953; o foco de resistência que foi a Universidade de Havana; a organizada rede civil de Santiago de Cuba, e o Diretório Revolucionário, que atacou o Palácio Presidencial em 1957 e armou uma importante guerrilha na Serra de Escambray.

O autor, radicado no México, considera que naquela época a ideologia majoritária da oposição “buscava um tipo de esquerda democrática entre populista e nacionalista-revolucionária”, inclusive Fidel Castro, embora, segundo Rojas, a história oficial cubana insista que ele era comunista desde seus inícios: “Dizem que os assaltantes do Moncada já eram marxistas-leninistas e que ocultavam isso por causa do macarthismo e o anticomunismo que havia então em Cuba”.

Rojas define o ano de 1960 como “o divisor de águas da história contemporânea de Cuba”. É caracterizado por dois acontecimentos: a estatização da economia, nacionalizando as companhias norte-americanas e boa parte das empresas privadas cubanas, e a inserção diplomática de Cuba no bloco socialista: “Não só da Europa do Leste, mas também da China”. Talvez a pergunta chave da historiografia da Revolução Cubana seja saber se na guinada comunista de Fidel Castro houve mais convicção ideológica ou conjuntura geopolítica. “Se foi uma operação defensiva”, formula Rojas, “ou uma tomada de consciência doutrinal, ou uma mistura das duas coisas: eu acredito que foram as duas coisas ao mesmo tempo”, sustenta.

Sobre Che Guevara, confirma que ele acreditava no comunismo desde que se alistou na insurgência. Em uma carta de dezembro de 1957 reproduzida em História Mínima, Guevara escreve: “Pertenço, por minha preparação ideológica, aos que acreditam que a solução dos problemas do mundo está atrás da chamada cortina de ferro”. A missiva fazia parte do debate ideológico que havia naquele momento sobre o programa da Revolução e sobre qual relação ter com os Estados Unidos. Na Serra Maestra, os comandantes guerrilheiros foram adotando posições mais categóricas, enquanto que no Llano, como era conhecido o espaço urbano de apoio clandestino à insurgência, os pontos de vista eram mais moderados. “Não é agora o momento de discutir onde está a salvação do mundo, responde em outra carta o destinatário da missiva do Che, René Ramos Latour, líder do Llano, de orientação democrática, que finalmente acabou combatendo com a guerrilha e morrendo na Serra.

Em relação à nova era aberta pelo degelo entre Cuba e Estados Unidos, Rojas comemora a ampliação de perspectivas que trouxe ao âmbito do debate acadêmico. “Antes a discussão estava sempre atravessada pelo tema do embargo, pelo nacionalismo, pelo conflito entre os Estados Unidos e Cuba. Agora, acredito que há mais possibilidades de que nos meios intelectuais da ilha e da diáspora se concentre o debate na questão da democracia”.

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