Ritmos antilhanos na Cidade do Panamá
A cozinha antilhana tem pratos e preparações simples que mostram uma cozinha alegre, colorida e, sobretudo, diferente
Os aromas da cozinha antilhana tomam conta, a cada manhã, de Río Abajo, um popular distrito da Cidade do Panamá. Dá para sentir o aroma do curry, do coco, do colorau ou do açafrão-da-terra quando nos aproximamos do parque Sidney Jones, entre a rua 12 e a 13. Tendo surgido em meados do século XX ao redor do rio Abajo, que acabou cedendo seu nome ao bairro, reproduzia originalmente a estrutura tradicional antilhana: casas de madeira extremamente coloridas, uma ao lado da outra. Ali se localiza a Calçada Afro-antilhana, um grupo de restaurantes populares com a proposta de uma experiência diferente.
Às vezes me sento nas mesas do Donde Iván – o dono, Iván Gómez, trabalha na cozinha com uma colorida camisa de ares africanos e é uma das marcas da calçada – para me encontrar com a sopa de lentilha com costela e rabo de porco ou a paca. Outras vezes vou diretamente para os saus de Fanso, do outro lado. Entre um e outro apenas uns cinquenta passos, mas o normal é que seja difícil fazer esse percurso. Talvez uma parada intermediária para comer uns camarões ao curry ou um filé ao macho, entre os retratos e cartazes de velhas glórias do boxe panamenho e dos jogadores consagrados nas grandes ligas de beisebol que marcam o restaurante Fonda Francis, ou uma torreja de bacalhau nos domínios do Las Chicas del Sabor.
A torreja de bacalhau é uma boa amostra de uma cozinha que representa a fusão total: três continentes – Europa, América e África – reunidos em um único petisco. É trazido por uma das rainhas – as mulheres que dominam a Calçada – do Fanso e parece ser uma fritura à antiga, volumosa e expressiva, na qual a mistura do bacalhau picado com a cebola, o pimentão e o colorau formam uma bola que é passada pela farinha e ovo antes de fritar. Tem ares familiares para alguém que cresceu nas cozinhas espanholas, trufados com sabores de Novo Mundo.
Esta cozinha é um mistério culinário: há raízes africanas, mas o vínculo definitivo está nos condimentos que definem sua personalidade
A cozinha antilhana é popular nos dois extremos do Canal, Colón e Cidade do Panamá, e se mostra em público em suas versões mais humildes. Aqui se pratica uma cozinha popular, sem a menor complicação. São pratos com preparos simples que mostram uma cozinha alegre, colorida e, sobretudo, diferente. Alguns pratos são capazes de anunciar, sozinhos, uma experiência inovadora e, sobretudo, mutável. Os refogados vão sendo substituídos e as lousas onde são anunciados vão mudando todos os dias. O sábado tem seus próprios ritmos e a cozinha é estruturada de acordo com as horas. Até o meio-dia costumam prevalecer as preparações de carne: o bode ao curry, a costela refogada, o filé ao alho, o rabo de vaca, o coelho de monte ou o saus, um dos pratos mais cotados do lugar (patas de porco cozidas condimentadas com um tempero a meio caminho entre o ceviche e o escabeche; alguns servem com pedaços de batata fervida). Chegando a hora do almoço vão aparecendo os pescados e a tarde termina dominada pelos mariscos. Pode ser o guacho de mariscos, a serra frita, a panela de mariscos ou a corvina recheada. E para acompanhar, arroz com feijão, fatias de banana madura, patacones ou arroz com coco. Não dá para esperar muito mais de uma comida que é servida com pratos e talheres de plástico.
Os peixes ao escabeche são o centro de uma autêntica viagem culinária. Entre cada versão desta curiosa versão do escabeche existe um mundo de diferenças. Aqui a cebola entra crua no adereço e ali escaldada, aqui o curry é mais incisivo, ali é o açafrão-da-terra, muda a quantidade de vinagre ou de limão...
Esta cozinha é um dos mistérios culinários da região. Há raízes africanas, mas o vínculo definitivo está nos condimentos que definem sua personalidade: o leite de coco, o curry ou o açafrão-da-terra ficam muito longe das terras africanas. Algumas vezes há uma ligação direta com as cozinhas indianas, em outras, a conexão é bem mais distante.
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