La Paz come na rua
Os restaurantes mais requisitados da capital da Bolívia estão em instalações improvisadas
Os restaurantes mais requisitados de La Paz não têm cardápio. Também não oferecem mesa aos clientes nem banheiros, copos, taças ou toalhas. Os pratos, quando existem, são de plástico, assim como os talheres. Fora algum sortudo que consiga se acomodar num banquinho, todos comem de pé. Não têm portas, paredes nem janelas. Prosperam em instalações improvisadas. Às vezes bastam três paredes de chapa de aço e uma coberturinha, montados numa esquina da cidade. Outros nem isso têm. Mas liberam os aromas e os sabores que marcam o ritmo da vida na capital da Bolívia.
A barraca das tucumanas fritas, para não ir mais longe, uma empanada em forma de meia-lua, que costumam rechear com um ensopado à base de carne, verduras e ovo cozido, mas que também pode ser de frango ou charque. A fama das que são preparadas e vendidas por Sofía Condori vai muito além de seu pequeno lugar, na Zona Sul da cidade (Avenida Montenegro, perto do cruzamento com a Calle 21, em San Miguel). Seu tempero tem alguma coisa que as diferencia das demais e que lhe valeu um reconhecimento que a acompanha há mais de 16 anos. Chega todos os dias pontualmente às nove da manhã e estende o trabalho até as 9 da noite. Os molhos para acompanhar as empanadas são parte do sucesso. Podem ser de abacate, azeitona, pasta de amendoim picante, golf (à base de maionese e ketchup) ou a tradicional llajua picante, à base de pimenta verde —e fazem com que cada mordida seja diferente da outra.
As estrelas são os espetinhos de coração de boi e a dobradinha
Elvira Goitia alonga ainda mais sua jornada. Vende choripanes (sanduíche de lingüiça crioula) desde sete da manhã no Mercado Lanza, na Zona Norte, entre a Avenida Busch e o Estádio Olímpico. Fica por lá até 11 da noite. O choripán é um sanduíche tradicional. Usa pão marraqueta [parecido com o pãozinho brasileiro] ou sarnita [na massa vão leite e queijo], e no meio uma lingüiça assada rodeada por vários companheiros de viagem: alface, tomate, picles, cenoura em conserva e cebola. Não falta a llajua.
Sofía e Elvira são parte de uma classe diferente de cozinheiras de rua —é curioso, pode ser que existam, mas não encontrei homens exercendo essa função nas ruas de La Paz; parece ser patrimônio reservado às chamadas senhoras de saias—, que se reuniram no projeto Suma Phayata, que em aimará significa "bem preparado". Criado há um ano para estimular o crescimento e a melhora das condições de vida e trabalho das cozinheiras de rua, o Suma Phayata transformou a comida de rua no eixo de um roteiro turístico por La Paz.
Pode ser que haja homens, mas não os vi. Parece patrimônio reservado às ditas senhoras de saia
O assunto fica mais sério quando chega a hora das entranhas. Podem ser as tripitas vendidas na Plaza Alonso de Mendoza, em frente ao Hotel Oruro, subindo da San Francisco. Vendem tripitas —tripas, bucho— com batata, e para conseguir um prato é preciso disputar com a multidão que cerca o local.
Em todo caso, as estrelas são os espetinhos (anticuchos) e a dobradinha. Os primeiros são espetos de coração macerado, preparados na brasa por mulheres como Julia Cori, em Las Velas (Avenida Camacho, na lateral do Campo da Feira do Bicentenário), que segue uma longa tradição familiar. Serve seus anticuchos com batata cozida e molho de amendoim desde o poente até bem tarde da noite.
Mais referências de anticuchos confiáveis: na parte antiga da cidade, no cruzamento da Aspiazu com a 20 de Outubro e na Calle 15 de Calacot com a Ballivan, para o lado da Zona Sul.
A dobradinha (ranga) é outra história. Trata-se de uma multicolorida e forte sopa picante à base de bucho de boi bem temperada com pimenta amarela, servida com batata e coroada por uma salada de alface, tomate e uma variedade de coentro chamada quirquiña. Entre as mais populares está a que é vendida por Miriam Iturralde há 37 anos na Calle Tumusla, a poucos passos da Plaza Equino.
E não esqueça o sanduíche de chola [com porco assado]. É a cereja do bolo.
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