O Brasil nos bastidores de Cannes
Em marcha, mais um Festival de Cannes, onde os brasileiros se esforçam para brilhar
Começou nesta quarta-feira mais um Festival de Cannes, o festival de cinema mais prestigiado da atualidade, visto como um Oscar de corte autoral. Aliás, na prática, ele é cada vez mais isso mesmo: um lugar onde brilham as obras de badalados cineastas atuais e um tapete vermelho onde os próprios atores de Hollywood hoje preferem aparecer. Nesta 68a edição, o Brasil quer uma fatia do bolo e inclusive ambiciona algumas Palmas. Mas, sem filmes brasileiros na seleção principal, é nos bastidores que o país mais se destaca.
Não que não haja títulos nacionais. Eles são dois curtas-metragens presentes em mostras paralelas: Command Action, do paulista João Paulo Miranda Maria, na Semana da Crítica; e Quintal, do mineiro André Novais Oliveira, na Quinzena dos Realizadores. Mas é digna de destaque a participação do país em coproduções e nas equipes de filmes de outras nacionalidades.
Um brasileiro ‘na gringa’
Formado em Administração, em livrarias e em salas de cinema – que frequenta “desde os 10 anos, sozinho” –, Rodrigo Teixeira parece ter descoberto um caminho de sucesso na crescente indústria nacional de cinema. Desde 2000, ele transforma seu gosto por literatura em trabalho rentável, comprando direitos autorais de livros que caem no seu gosto.
Quando a ideia vingou, ele abriu as portas de sua RT Features, que não se fechou às adaptações e começou a lançar também projetos originais. São projetos da produtora os bem-sucedidos filmes brasileiros O cheiro do ralo, dirigido por Heitor Dhalia com base no romance de Lorenzo Mutarelli, e Alemão, de José Eduardo Belmonte, a partir de uma ideia do dono da casa.
Outra marca de Rodrigo Teixeira é priorizar o “dinheiro bom” em seus filmes. Nada contra o conhecido modelo brasileiro de produzir com incentivo fiscal, diz ele, mas “produzir com investimento privado agiliza os processos e incentiva o modelo industrial, que é como eu gostaria que fosse o nosso”.
Com esse pensamento, ele extrapolou as fronteiras nacionais e colocou o pé em Hollywood, motivado pelo interesse de grandes nomes da indústria norte-americana em direitos que ele havia comprado. Atualmente, já vão cinco longas-metragens produzidos por ele nos Estados Unidos – “e outros três ou quatro são esperados para este ano”.
A experiência com o maior mercado de filmes do mundo lhe rendeu certa fama, tanto que Martin Scorsese o captou em seu radar. No ano passado, RT Features e Sikelia Prods, de Scorsese, se associaram em uma joint venture com a missão de apoiar filmes de cinco novos cineastas, com um ou dois filmes já realizados, que sejam de baixo orçamento (máximo US$ 5 milhões). Nada mal para um brasileiro tateando um mercado internacional e competitivo.
O fato é que Teixeira não se assusta diante dos negócios. Questionado sobre o segredo desse sucesso, ele dá resposta de negociante: “Criei boa reputação. Escolho bem os projetos e cumpro o que prometo”.
O principal exemplo é o novo longa do diretor argentino Gaspar Noé, conhecido por trabalhos polêmicos, como promete ser o atual: Love. Do filme, que será exibido na Sessão da Meia-Noite, não se sabe muito ainda, além de seu caráter sexual explícito, mas seu produtor – Rodrigo Teixeira, um dos produtores brasileiros mais importantes hoje – resume a trama em “esperma, fluídos e lágrimas”. Não se espera menos de Noé nessa volta a Cannes, depois de sua polêmica no festival francês em 2002 com Irreversível, filme contado de trás para frente que contém uma forte cena de estupro com a atriz Monica Bellucci.
Já Teixeira tem marcado presença no mercado cinematográfico internacional, desde que descobriu a fórmula da compra de direitos de obras – literárias, em sua maioria – para fazer filmes que ele prefere financiar com recursos privados. Com isso e com sua “boa reputação”, como ele mesmo diz, atraiu a atenção de atores-produtores como Brad Pitt, Harrison Ford, Ewan McGregor e Ben Stiller e pôs os pés na indústria americana de cinema, enquanto, em Cannes, faz apostas originais como o filme de Noé. No ano passado, durante o festival francês, ele anunciou uma parceria firmada com ninguém menos que Martin Scorsese para encontrar jovens talentos cinematográficos.
O bom é que Teixeira não está sozinho. Outros dois longas feitos em coprodução com o Brasil aparecem na Semana da Crítica, dando sinais da boa relação do país com a vizinhança latino-americana. São eles La patota, do argentino Santiago Mitre, e La tierra y la sombra, do colombiano César Augusto Acevedo.
E, junto com as coproduções, abrem-se as equipes. O longa mexicano Las elegidas, de David Pablos, que participa da mostra Um certo olhar, a fotografia é da carioca Carolina Costa; enquanto no curta turco Sali, de Ziya Demirel, que compete na seleção principal, a montagem é do baiano Henrique Cartaxo.
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