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Eleições no Reino Unido
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

O voto estratégico dos ingleses

Como inglês, quero que Escócia permaneça unida à Inglaterra, que o Reino Unido fique na UE, e que nossa sociedade combine eficácia com justiça social e a maior liberdade individual possível

Timothy Garton Ash
ENRIQUE FLORES

As decisivas eleições gerais no Reino Unido desta semana são as mais europeias já realizadas entre os britânicos. Com o papel fundamental que os partidos pequenos exercem e com as diferentes situações políticas existentes nas diversas regiões ou nações do Estado, o resultado será provavelmente um Governo de coalizão ou em minoria: algo terrivelmente antibritânico e tipicamente continental. Entretanto, a consequência destas eleições tão europeias pode ser que Grã-Bretanha saia da UE e que a Escócia saia do Reino Unido. Também pode implicar cortes drásticos em várias áreas do gasto público, mais desigualdades, sobretudo na Inglaterra, e uma deterioração ainda maior das nossas liberdades civis.

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Como eleitor inglês, eu gostaria de impedir essas coisas. Quero que a Escócia continue unida à Inglaterra, que o Reino Unido permaneça na UE, quero uma sociedade britânica que busque combinar a eficácia de uma economia de mercado com a justiça social e a sustentabilidade ambiental, e quero que todos tenhamos a maior liberdade individual possível, sempre que isso for compatível com a liberdade de outros. Como se consegue tudo isso? A maioria dos editoriais pré-eleitorais na imprensa britânica acabou por nos animar a votar nos trabalhistas ou nos conservadores, como nos velhos tempos. É evidente que os dois únicos que têm possibilidades de chegar a primeiro-ministro são David Cameron e Ed Miliband, mas para mim, eleitor inglês, a decisão de em quem votar é mais complicada.

Para começar, devo levar em conta as consequências que terá para o Governo o voto dos escoceses, norte-irlandeses e, em menor medida, galeses, que têm todo o direito de votar nos seus próprios motivos nacionais ou (se assim desejarem) subnacionais. Com a vitória quase certa do Partido Nacional Escocês (SNP) na Escócia, as consequências serão imensas. Se tivéssemos o sistema continental de representação proporcional, eu poderia votar no partido com o qual sentisse em geral maior afinidade, sabendo que assim ajudaria a melhorar sua presença no Parlamento e as possibilidades de influenciar o novo Governo. Isso é impossível com o nosso sistema, no qual o ganhador leva tudo, e que casa mal com o tipo de política europeia no qual a Grã-Bretanha tem caído ultimamente.

Em muitos distritos eleitorais ingleses, o eleitor não terá uma opção real, porque esses distritos são “assentos garantidos” para o candidato trabalhista ou conservador correspondente. Outro dia ouvi alguém dizer no rádio que tinha a impressão de que em 40 anos o seu voto nunca havia valido nada. Nas circunscrições marginais que costumam decidir as eleições, e que nesta ocasião serão provavelmente as que decidirão uma série de possíveis mudanças, costuma haver a alternativa entre dois partidos, e é possível que o eleitor não goste de nenhum dos dois. O eleitorado britânico está tão acostumado a isso que se esquece de como esse sistema é pouco aceitável. Mas a proposta de reforma eleitoral que nos foi apresentada em referendo em 2011 sofreu uma derrota contundente, de modo que teremos de nos virar com o que há.

Isso, às vezes, significa votar com a cabeça e não com o coração. É o que na Grã-Bretanha se chama de “voto tático”, em um tom ligeiramente pejorativo. No entanto, o cientista político Stephen Fisher, de Oxford, calcula que quase um em cada 10 eleitores britânicos já votou assim alguma vez, um fator que influi nos resultados de aproximadamente 45 vagas parlamentares. Desta vez, mais eleitores devem agir assim, e devemos pensar que não é um voto tático, e sim estratégico.

O coração, às vezes, deve deixar espaço para a cabeça. Está em jogo o centro da própria Grã-Bretanha

Algumas partes desse voto estratégico são complicadas. Claro que, pelo bem da Inglaterra, se você quiser que a Escócia fique no Reino Unido, deve querer que o Reino Unido fique na UE. Porque, se os ingleses decidirem sair da União Europeia, mas os escoceses decidirem ficar, a líder do SNP, Nicola Sturgeon, convocará os escoceses para outro referendo sobre a independência. A Brexit [abreviação de British exit, ou saída britânica] é o caminho mais direto para a Scoxit [saída escocesa]. Então, qual é a melhor forma de evitar que Grã-Bretanha saia da UE? Os trabalhistas têm uma política europeia mais racional e construtiva que os conservadores. Mas não estou nada convencido de que cinco anos de um Governo trabalhista em minoria, frágil, com uma influência evidente do SNP – o que alimentaria o ressentimento inglês –, enquanto os conservadores mantêm sua unidade interna à base de críticas à Europa com a ajuda inestimável do nada escocês jornal Sun, vão nos deixar em melhor posição para vencer o referendo que sem dúvida cedo ou tarde acabará sendo realizado.

Outros aspectos são mais simples. Segundo Paul Johnson, do Instituto de Estudos Fiscais, se os planos orçamentários atuais dos conservadores forem adotados e continuarem protegendo os gastos no Serviço Nacional de Saúde, nas escolas e na previdência, é possível que haja cortes de “extraordinários 41%” nas áreas não protegidas nos próximos anos. É óbvio que o nível da dívida pública e privada da Grã-Bretanha deve nos preocupar, mas essa situação seria uma loucura. Significaria restringir partes de nosso gasto público – apoiando-se em um cálculo eleitoral inegável e, portanto, procurando o voto das mulheres e as pessoas idosas – e salvar outras, como os serviços sociais, a política externa, a defesa (exceto o Programa Trident), a cultura e as universidades. Se isso se tornar realidade, o resultado não será um Estado neoliberal mínimo (“como nos anos trinta”), e sim algo mais parecido com o logotipo dos Jogos Olímpicos de Londres: uma terrível bagunça.

Em muitos distritos eleitorais, o eleitor não terá uma opção real

Pode ser que todas essas decisões acabem sendo difíceis, mas a mensagem geral está clara: é preciso votar com a cabeça. Ou seja, se você estiver num distrito eleitoral inglês em que a vaga está indefinida entre trabalhistas e conservadores, tenha em mente que o Partido Trabalhista será dizimado na Escócia, de modo que, se você se preocupar com o equilíbrio global no Parlamento de Westminster, esse é um bom motivo para votar no seu candidato.

Pelo contrário, se residir em um distrito marginal, disputado entre conservadores e democratas liberais, não desperdice o voto dando-o aos trabalhistas. É importante que continue havendo um núcleo duro de 35 parlamentares centristas, capazes de entrar em coalizão com o trabalhismo ou com os conservadores, ou de influenciar em um Governo de minoria tanto de direita como de esquerda. Além disso, ainda teriam força suficiente para erguer a bandeira parlamentar em defesa de nossas deterioradas liberdades civis, uma questão perante a qual os dois grandes partidos sempre se mostraram indiferentes. E os eleitores do distrito de Pavilion, em Brighton, fariam bem em votar em Caroline Lucas, mesmo que seu coração seja trabalhista ou democrata-liberal, para garantir a presença de pelos menos uma parlamentar do Partido Verde no Parlamento.

Em resumo, os ingleses devem emitir um voto estratégico para assegurar a sobrevivência do centro. Que desta vez não quer dizer só o centro liberal da política britânica, mas sim da própria Grã-Bretanha.

Timothy Garton Ash é catedrático de Estudos Europeus na Universidade de Oxford, onde dirige na atualidade o projeto freespeechdebate.com, e pesquisador titular do Instituto Hoover, da Universidade do Stanford. Seu último livro é ‘Os Fatos São Subversivos: Escritos Políticos De Uma Década Sem Nome’.

@fromTGA

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