_
_
_
_
_

Projeto que proíbe doação de empresas está parado há um ano

Ministro do Supremo pediu vista quando placar era 6 a 1 pela proibição do financiamento

Gil Alessi
O ministro Gilmar Mendes.
O ministro Gilmar Mendes.STF

Um 6 a 1 congelado no tempo há exatamente um ano. Esse é o placar da votação do Supremo Tribunal Federal favorável à proibição do financiamento empresarial de campanhas. No dia 2 de abril de 2014, uma quarta-feira, os ministros analisavam uma ação direta de inconstitucionalidade enviada para a corte pela Ordem dos Advogados do Brasil. Na prática, o texto tornaria o financiamento corporativo inconstitucional. O placar estava folgado pela aprovação da matéria: seis ministros já haviam votado favoravelmente à ação, apenas um contra e faltavam três votos. Até que o ministro Gilmar Mendes pediu mais tempo (vistas do processo) para analisar a proposta, congelando o processo que continua até hoje sem previsão de retornar à pauta do STF. Se ele e os dois que faltam anunciar sua posição votassem contra, ainda assim a proibição das doações seria vitoriosa, por 6 a 4.

A doação corporativa para campanhas eleitorais tem relação direta com dois dos maiores escândalos de corrupção no país, o mensalão e a Operação Lava Jato, e é visto por cientistas políticos e juristas como a porta de entrada para a corrupção. “Permitir o financiamento de campanhas por pessoas jurídicas é conceder a quem não tem direito a voto uma forma alternativa e mais eficaz de participar do processo eleitoral”, afirmou o ministro Dias Toffoli durante a sessão que congelou a votação.

Mais informações
Empresas recuperam em contratos até 39 vezes o valor doado a políticos
Quatro empreiteiras investigadas tentam acordo para evitar falência
Tentáculos da Lava Jato chegam a obras de São Paulo e mais 19 Estados
CPI da Petrobras faz um mês com blindagem ao PMDB e executivos
“Propina na Petrobras transcende tanto o PT quanto o PSDB”

O regimento do STF dá prazo de 30 dias para que um ministro conclua a análise da matéria, mas como não existe nenhuma sanção para o descumprimento da norma, ela não é seguida ao pé da letra. À época, Mendes justificou o pedido de vista alegando não ter informações suficientes para embasar uma decisão – a ação da OAB foi entregue à corte em 2011. Mas, tudo indica que ele já decidiu qual seu voto, e que prefere que os deputados e senadores legislem em relação ao assunto. Durante visita ao Senado, em fevereiro deste ano, ele afirmou que uma reforma política, que deveria tratar do assunto, é "matéria do Congresso por excelência", e não do Judiciário. O ministro disse também que devolverá a ação para votação “no momento oportuno”.

“Ele tem o direito de achar isso. Mas ele deveria externar essa opinião por meio do voto”, afirma o juiz André Augusto Salvador Bezerra, presidente do conselho executivo da Associação dos Juízes para a Democracia. Segundo ele, as decisões do Supremo “são colegiadas", logo, caberia ao plenário definir a quem cabe a matéria, e não a um ministro. "Supondo que essa é a estratégia [atrasar a votação no Supremo para que o legislativo analise a questão], não é válida", afirmou. O magistrado aponta ainda que a falta de controle sobre a corte também é responsável pela morosidade em alguns casos. "Eu sou juiz de primeira instância. Se fico um ano com um processo para julgar, a parte vai reclamar para os órgãos competentes, o Conselho Nacional de Justiça ou a corregedoria", diz. "Quem controla o STF?".

Com uma taxa de reeleição de 56%, a Câmara pode apresentar empecilhos à aprovação de uma reforma política que vete as doações corporativas, pois os parlamentares já possuem uma base sólida de financiadores de campanha. Apesar do PT ser favorável à questão, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já se manifestou contrário à medida, e disse que não há consenso quanto ao assunto: "não se pode criminalizar doações feitas legalmente". A casa instalou em fevereiro uma comissão especial para discutir o assunto, mas até o momento o texto base que norteia as discussões, do ex-deputado Cândido Vacarezza (PT), deixa ao critério dos partidos optar pelo modelo de doações.

A proibição das doações empresariais tem o apoio de diversas entidades da sociedade civil, como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil e a OAB

A proibição das doações empresariais tem o apoio de diversas entidades da sociedade civil, como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil e a OAB, além de ministros aposentados do Supremo, como Ayres Britto. A lentidão do ministro em examinar a ação gerou protestos dos movimentos sociais, que adotaram o slogan ‘Devolve, Gilmar!’ para cobrar agilidade na votação. Um abaixo assinado circula na internet, e já foi assinado por mais de 90.000 pessoas.

Os ministros que já haviam votado favoravelmente à ação foram Luiz Fux (relator), Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Joaquim Barbosa (então presidente da casa), Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. Apenas Teori Zawascki – que já havia suspendido o julgamento com um pedido de vista em dezembro – se posicionou contra a proibição da doação corporativa. A reportagem tentou sem sucesso entrar em contato com o ministro Gilmar Mendes.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_