Brasileiro não digere o remédio amargo do ajuste fiscal
Aumentos de tarifa no início do ano elevaram a impaciência da população com o Governo

Em 2015, o brasileiro já teve de encarar a alta do preço médio da gasolina, as passagens de ônibus, e a conta de luz, todos preços administrados pelo Governo. Desde que essas impopulares medidas de aumento de impostos começaram a ser anunciadas no fim do ano passado, o Palácio do Planalto se esforça em convencer a população que todas essas ações são necessárias para garantir a arrecadação e sanar as contas públicas, que fecharam 2014 com os piores resultados dos últimos tempos. Os protestos deste domingo, e o prenúncio de que a manifestação do próximo dia 15 fará mais barulho do que a presidenta Dilma esperava, confirma que o remédio amargo para fechar as contas não foi digerido a contento.
Em seu pronunciamento, a presidenta Dilma Rousseff usou do didatismo para explicar que este saco de 'maldades' fazia parte da mudança de método para recobrar o equilíbrio financeiro. "O Governo absorveu até o ano passado todos os efeitos da crise. Usou o seu Orçamento, para proteger integralmente o crescimento do emprego e da renda das pessoas", disse ela no domingo à noite, em cadeia nacional. "Absorvemos a carga negativa até onde podíamos e agora temos que dividir parte deste esforço com todos os setores da sociedade", completou.
A divisão da conta, porém, está sendo rejeitada pelo brasileiro, que já estava fazendo sua cota de sacrifício desde o ano passado quando a inflação começou a tirar parte do poder de compra. No caso da população de menor poder aquisitivo, a contribuição já era bem significativa. Uma pesquisa do Instituto Data Popular mostra que quase metade da chamada classe C, a outrora mais beneficiada pelos anos do Governo petista, compra hoje uma quantidade menor de produtos no supermercado do que em julho do ano passado.
Agora, a alta das tarifas deve tirar ainda mais esse poder de compra. E, como em qualquer país, quando o bolso aperta, o povo grita, faz panelaço ou vai protestar. Os brasileiros vão ver as contas ainda mais apertadas, após um ano eleitoral em que a alta de impostos e tarifas foram evitados ao máximo. Como argumentou a presidenta, em vez de cobrar a conta do contribuinte, o Governo estourou as próprias contas para contar com receita até o ano passado.
Na manhã desta terça-feira, Dilma Rousseff voltou a reforçar que o ajuste fiscal não é um fim em sim mesmo. "Não estamos tomando medidas de correção e ajuste para voltarmos a um momento áureo do passado. Estamos tomando medidas porque achamos que podemos ser melhores do que fomos", afirmou em evento em São Paulo. "Temos condições de superar os desafios", completou.
Para o economista Márcio Salvato, do Ibmec, o remédio que está sendo ministrando para a inflação e para o ajuste está atrasado, em um momento que a economia já está internada em estado crítico no hospital. "O controle do déficit público já teria que ter sido começado no ano passado. Mas como era ano eleitoral, o governo não cortou gastos e ainda abaixou impostos da energia, em uma medida populista. Agora, ele precisa devolver esse subsídio ao consumidor", explica. Segundo o economista, a medida irresponsável de tentar segurar o preço da energia provocou um excesso de demanda, de 1%, sem que a oferta acompanhasse.
O aumento do desemprego, o real desvalorizado e a confiança do consumidor em uma mínima recorde reforçam a ideia da população de que o Brasil caminha para um cenário de recessão e aumenta as dúvidas sobre os efeitos do ajuste.
O IBGE já avalia que o novo reajuste das tarifas de energia elétrica de diversas concessionárias do país e o aumento na taxa extra das bandeiras tarifárias, cobrada nas contas de luz quando há aumento no custo de produção de energia, que passaram a valer na semana passada, devem ser o próximo vilão da inflação oficial do país em março. Para analistas, apenas a partir de abril, a alta de preços deve começar a ceder.
De acordo com o Ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, o índice da inflação deve dar uma trégua no segundo semestre. "A[pesquisa] Focus [feita pelo Banco Central com mais de 100 instituições financeiras] mostra que o aumento de inflação este ano é temporário e que haverá uma redução em 2016. O mercado prevê inflação de 7,5% para 2015, mas de 5,5% no ano que vem", afirmou em evento em São Paulo, na última sexta-feira. "É um esforço que Brasil já fez no passado e pode fazer novamente", disse.
O temporário, neste caso, é muito tempo para um Governo que foi eleito com pequena margem de vantagem nas eleições de 2014, e que usou um discurso anti-liberal na campanha para depois implementar um receituário que repassa a conta para o contribuinte.
O barulho das ruas fragiliza ainda mais as intenções do Governo de contar com o apoio do Congresso, para aprovar medidas que completem o ajuste fiscal. Nesta terça, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tinha encontro marcado com o presidente do Senado, Renan Calheiros, que já provou estar arredio com o Planalto desde que devolveu as medidas provisórias que visaram suspender os descontos da contribuição previdenciária para as empresas.
Outros indicadores negativos, como o aumento do desemprego, o real desvalorizado e a confiança do consumidor em uma mínima recorde, reforçam a ideia da população de que o Brasil caminha para um cenário de recessão e aumenta as dúvidas sobre os efeitos desse ajuste e do remédio amargo.
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