A Argentina nas ruas
A sociedade merece que a presidenta se explique sobre as acusações e a morte do promotor Nisman
As 400.000 pessoas que saíram na quarta-feira às ruas de Buenos Aires – e várias dezenas de milhares em outras cidades da Argentina — são a constatação de que a sociedade não está disposta a virar a página sobre a morte do promotor Alberto Nisman sem maiores questionamentos. Nisman investigava o atentado antissemita contra a AMIA em 1994 e, além disso, a presidenta Cristina Kirchner pela suspeita de acobertar os responsáveis por um massacre que tirou 85 vidas. Para a presidenta, formalmente imputada pelo promotor sucessor de Nisman, não será fácil despachar sem consequências o que já é o maior escândalo de seu mandato.
Não se pode perder de vista que a manifestação de quarta-feira, uma das maiores já vistas na capital argentina, foi convocada por apenas um grupo de promotores. Pessoas na prática desconhecidas para o grande público e que, certamente, não tinham à sua disposição os grandes meios logísticos das convocatórias políticas, que, no caso do kirchnerismo, costumam ser quase ilimitados. Enquanto se desenrolava a manifestação, a televisão pública transmitia programas infantis.
Além do mais, os promotores foram postos sob o fogo do discurso oficialista em termos pouco justificáveis em uma democracia. O fato de o chefe de gabinete da presidenta qualificar de “golpismo judicial ativo” a convocatória de uma manifestação silenciosa, sem palavras de ordem políticas, revela o grau de agressividade que o Executivo argentino adota contra quem duvidar em público do discurso oficial. O autor da frase, Jorge Capitanich, é o mesmo que há poucas semanas rasgou em público um exemplar do jornal Clarín por uma informação que se revelou correta: que Nisman pensou em ordenar a prisão da presidenta.
A gravidade dos fatos faz com que as sucessivas mudanças de opinião da presidenta, primeiro, e seu encastelamento posterior só consigam aprofundar o divórcio entre a mandatária e grande parte da sociedade, para a qual as acusações do promotor falecido em estranhas circunstâncias são, pelo menos, dignas de estudo.
A Argentina é uma democracia moderna e seus cidadãos merecem explicações concretas e não constantes discursos televisivos — que por lei todos os canais são obrigados a retransmitir — caracterizados por uma mescla de cifras econômicas irrelevantes e desdém por quem não compartilha da opinião oficial. A sociedade civil merece, espera e exige uma resposta.
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