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Lava Jato lança dúvidas sobre grandes obras no Brasil previstas para 2015

Usina de Belo Monte e a transposição do São Francisco têm participação de empreiteiras investigadas. Há risco de atraso, segundo especialistas

Gil Alessi
Tratores escavam área onde em obra no rio São Francisco.
Tratores escavam área onde em obra no rio São Francisco.alex almeida

Operação Lava Jato provocou um clima de incerteza no setor da construção, por implicar algumas das maiores empresas do ramo em um esquema de pagamento de propina e formação de cartel para disputar licitações da Petrobras. Os desdobramentos da investigação podem afetar até o cronograma de grandes obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vitrine do governo federal da presidenta Dilma Rousseff (PT), que deveriam ser concluídas em 2015.

Das quatro grandes obras cuja conclusão está prevista para este ano, todas têm a participação de ao menos uma das empresas investigadas. Soma-se a isso o fato de que documentos apreendidos na casa do doleiro Alberto Yousseff indicam que o esquema de cartelização pode ir muito além da Petrobras, se estendendo por diversos setores da economia, o que pode contaminar os planos de ampliação da infraestrutura nacional. No dia da posse, a presidenta se comprometeu com novos projetos de infraestrutura e educação, que estão vinculados aos recursos do pré-sal), mas que dependem de como vai evoluir o imbróglio da Petrobras.

O problema do ‘prazo político’

“Um dos problemas de toda obra pública no país é o prazo político”, explica Rodolpho Salomão, da AneInfra. “Nenhum ministro quer inaugurar o inicio de estudo preliminares. Eles querem inaugurar o início das obras, mesmo que elas depois demorem anos para ficar prontas”.

De acordo com ele, estudos ambientais preliminares, necessários em quase toda construção de grande porte, são feitos a toque de caixa, o que provoca erros de projeto que mais tarde atrasam e encarecem a obra.

“A transposição do São Francisco é um exemplo claro disso. Durante escavações de trechos dos canais que, segundo o projeto, ficariam em solo arenoso, se descobriu que haviam rochas no subsolo. A solução foi explodi-las para abrir caminho, uma saída caríssima”, afirma.

Segundo o presidente da AneInfra, os custos de estudos preliminares são mínimos ante o investimento total da obra, mas, mesmo assim, a etapa da construção é colocada em primeiro lugar, ainda que depois “sejam necessários aditivos ao contrato que encarecem a iniciativa”.

“Os atrasos nas obras em 2015 vão depender da percepção do Tribunal de Contas da União (TCU) de que existem indícios de corrupção em outras áreas da economia, e não apenas nos contratos firmados pelas construtoras com a estatal. Nesse caso, a corte pode solicitar a revisão dos contratos e até abrir novas licitações", explica Claudio Frischtak, economista e presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios.

O TCU informou em nota que "as empreiteiras da Lava Jato são parte" em processos envolvendo outras obras, e que "as medidas serão tomadas nos respectivos processos já em curso, e cada caso será tratado separadamente". O Tribunal não se pronunciou quanto a possíveis atrasos provocados pelas ações na Justiça.

Também por causa das investigações, outra sombra paira sobre as empresas: a disponibilidade de caixa, o que também poderia acabar afetando as obras previstas para este ano. No começo do mês, a OAS, também citada na Lava Jato, deixou de pagar credores. Para parte dos analistas, o calote da construtora, uma das maiores do Brasil, pode até ser isolado, mas contribui para dificultar a obtenção de crédito pelas demais empresas do setor.

Belo Monte

Uma das incógnitas para 2015 é a hidrelétrica de Belo Monte (PA), maior obra de infraestrutura do país, cujo início da operação está previsto para fevereiro deste ano. Com capacidade para abastecer 40% das residências brasileiras quando estiver totalmente operacional, a usina, que deve custar 28,8 bilhões de reais e será a terceira maior do mundo em geração de energia, talvez comece a funcionar só em 2016.

Isso porque a concessionária Norte Energia, vencedora do leilão da obra, solicitou à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) o adiamento do prazo em meados do ano passado. Técnicos da agência elaboraram um relatório defendendo a manutenção da data estipulada previamente, e a diretoria do órgão ainda não se pronunciou sobre o assunto.

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Outro possível empecilho para a inauguração da hidrelétrica é o fato de que parte das obras estão a cargo das construtoras Camargo Corrêa, Odebrecht e Andrade Gutierrez, envolvidas na Lava Jato.

“Quando Belo Monte foi concebida, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, já se sabia que poderíamos ter problemas de fornecimento [escassez] de energia a partir de 2016 devido ao crescimento da demanda”, diz Rodolpho Salomão, presidente da Associação Nacional dos Analistas e Especialistas em Infraestrutura (AneInfra). "E olha que esses estudos, de 2010, não levavam em conta o baixo nível dos reservatórios de água, principalmente no Sudeste e no Centro-Oeste, provocado pela estiagem deste ano".

A Odebrecht afirmou que não iria se pronunciar sobre a obra, já que não lidera o consórcio responsável pela iniciativa. A Camargo Corrêa também não se pronunciou.

A Andrade Gutierrez informou que "respeita rigorosamente e cumpre com qualidade os objetos dos contratos realizados junto aos seus clientes, de acordo com as diretrizes contratuais estabelecidas e dentro dos processos legais de contratação".

Transposição do rio São Francisco

Outra obra importante, cuja conclusão foi anunciada para dezembro de 2015, é a transposição do rio São Francisco, que levará água para 390 cidades do semiárido brasileiro, beneficiando 12 milhões de habitantes, segundo o Governo. Prometida inicialmente para 2010, ela teve seu prazo estendido para 2012, mas, mesmo em meio à maior seca já ocorrida na região nos últimos 50 anos, a entrega atrasou novamente. Em 2011 a iniciativa esteve prestes a ser abandonada devido a contratos e custos defasados e projetos repletos de erros feitos "a toque de caixa", segundo Salomão.

A Odebrecht firmou contrato de 458 milhões de reais com o Governo para construir um trecho de um dos canais, e a Queiroz Galvão, em consórcio com a Galvão Engenharia tem contrato de 690 milhões de reais para escavar um dos canais. O TCU já se manifestou sobre os contratos, e afirmou que houve sobrepreço de ao menos 93 milhões de reais. As empresas são investigadas pela operação Lava Jato.

Envolvimento de construtoras na operação Lava Jato pode atrasar ainda mais algumas das obras

Juntos, os dois canais - o do eixo norte começa em Cabrobó (PE) e vai até Cajazeiras (PB), e o eixo leste tem início em Floresta (PE), vai até Monteiro (PB) - somam 622 quilômetros de extensão. O Ministério da Integração Nacional, responsável pela obra, afirma que o prazo estipulado será cumprido. A reportagem do EL PAÍS, que esteve no local durante quatro dias em novembro deste ano, visitou diversos canteiros da obra e presenciou situações que indicavam que dificilmente a data de conclusão será mantida.

Ainda restam 32% da obra por fazer. Das seis metas de trabalho do projeto, apenas uma está próxima do fim. Justamente a mais curta: a que compõe os 16 quilômetros de canal entre o reservatório de Itaparica, onde a água do São Francisco é captada, até o de Areias. Todas as outras cinco têm menos de 75% da construção finalizada - uma tem só 30%. O Governo, de qualquer forma, garantiu que o prazo seria respeitado.

Procurada, a assessoria da Odebrecht informou que é responsável apenas por um trecho do canal, e que "o andamento das obras neste projeto segue conforme alinhamento com o cliente". Em nota, a Queiroz Galvão afirmou que "todas as suas atividades e contratos seguem rigorosamente a legislação vigente". A reportagem não conseguiu contato com responsáveis pela Galvão Engenharia.

Duplicação e asfaltamento da BR-163

O asfaltamento e duplicação de trechos da BR-163, conhecida como Cuiabá-Santarém – projeto iniciado em 2006 – também tem sua conclusão prevista para dezembro de 2015. Atualmente, a estrada de 1780 quilômetros, que cruza seis Estados, é responsável pelo escoamento de 30% da produção nacional de soja.

A finalização da rodovia também pode sofrer atraso, já que alguns trechos da obra estão nas mãos da concessionária Rota do Oeste, da Odebrecht Transport, e do grupo CCR, controlado por Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa, todas empresas envolvidas na Lava Jato.

Quando concluída, a rodovia encurtará em quase 1.000 quilômetros o caminho das cargas de grãos rumo ao mercado externo, beneficiando os produtores que arcam com custos pouco competitivos de transporte.  Sua principal função será escoar a safra de Mato Grosso pelo porto de Belém, no norte do país, como alternativa aos já congestionados e distantes portos de Paranaguá (PR) e Santos (SP).

“Hoje existe uma corrida para o norte, uma tentativa de levar infraestrutura aos portos fluviais da região – São Luis, Itaqui, Miritituba, Tapajós, Santarém e Belém - para escoar a produção para a Europa e também para a China”, explica Frischtak, que considera a medida "necessária" para a redução dos gargalos logísticos do país.

No total estão previstos 999 quilômetros de pavimentação da rodovia e de suas alças de acesso, a um custo de mais de 2 bilhões reais.

A Odebrecht informou que o contrato de concessão do trecho sob sua responsabilidade foi "firmado em 21 de março de 2014, e prevê a duplicação em cinco anos", e que "o ritmo das obras e investimentos nos trechos citados prosseguem normalmente, conforme o cronograma estabelecido". A Andrade Gutierrez enviou a mesma resposta citada na obra de transposição, e a Camargo Côrrea não quis se pronunciar.

Trecho Sul da ferrovia Norte-Sul

A malha ferroviária nacional também deve crescer em 2015: concebida há 27 anos, a linha Norte-Sul (a nona maior obra do PAC, segundo o Governo), cortará nove Estados, da cidade de Barcarena (PA) a Panorama (SP), e deve ser concluída durante o ano que vem, de acordo com a Valec, empresa pública vinculada ao Ministério dos Transportes responsável pelo acompanhamento das obras.

Parte do trecho sul da ferrovia, empreendimento avaliado em 460,3 milhões de reais, é realizado pela Queiroz Galvão e pela Camargo Corrêa, que também estão sob suspeição por envolvimento nos esquemas investigados pela Lava Jato.

Em 2010, o então presidente Lula chegou a participar de dois eventos de inauguração da linha, que não estava pronta ainda e nunca foi utilizada para o transporte de mercadorias.

Durante a inauguração de um trecho, que liga Anápolis (GO) a Porto Nacional (TO), em maio de 2014, Dilma destacou a importância da ferrovia e disse que a obra é uma “coluna vertebral”, que permitirá aos Estados do interior do país que se tornem “polos logísticos”. Minério de ferro e grãos são alguns dos principais produtos que serão mais facilmente escoados para os portos brasileiros.

Em julho uma auditoria do TCU apontou o superfaturamento de 37,3 milhões de reais em um dos trechos da ferrovia, a cargo da SPA Engenharia, e pediu que o valor fosse ressarcido. A reportagem tentou sem sucesso entrar em contato com a empresa.

A Queiroz Galvão enviou a mesma resposta para todas as obras mencionadas nesta reportagem. A Camargo Corrêa afirmou que "foram rescindidos de comum acordo os contratos para a execução do lote 2 da ferrovia Norte Sul".

Importância das obras

“Todas estas obras são fundamentais. A última rodada de investimento que se efetuou neste pais, na década de 1960, se esgotou na década de 1980. Então entre 1982 e 2007 foram quase 25 anos de falta de investimento na infraestrutura”, afirma Salomão, da AneInfra.

Segundo ele, o PAC foi um programa "necessário", já que sem ele os gargalos que impedem o crescimento econômico do país jamais iriam desaparecer. "Não adianta batermos recordes de produção de soja, por exemplo, se a safra precisa ser escoada por uma estrada esburacada de terra. Nem adiante ter portos modernos sem energia".

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