_
_
_
_
_
O Malecón
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

O dia em que Simeone quase enlouqueceu

Como boa metáfora da vida, o futebol tem dias que enlouquecem qualquer um

José Sámano
Simeone no jogo contra o Villarreal.
Simeone no jogo contra o Villarreal.Andres Kudacki (AP)

Como boa metáfora da vida, o futebol tem dias que enlouquecem qualquer um, cruzamentos de caminhos para sofrer de uma loucura crônica. Aconteceu no domingo com Simeone. Se o Vicente Calderón destilava uma atmosfera de guerra civil, havia no banco do Atlético de Madrid um argentino diante de uma enorme encruzilhada emocional. Havia um confronto entre a torcida, outro no gramado e dois em Buenos Aires. Como se fosse pouco, como sinal do destino, o jovem Vietto –que estreou no Racing com apenas 17 anos, em outubro de 2011, sob as ordens de el Cholo–, logo foi cumprimentar seu mecenas. Esta vez não era jogo a jogo, mas muitos ao mesmo tempo.

Com menos reverência a Simeone do que de costume no estádio, pelo cerco policial aos torcedores radicais da Frente Atlético, o time de Madri caiu diante do Villarreal depois de 27 jogos invicto em seu estádio, um ano e meio de percurso glorioso. Para cúmulo da infelicidade, o gol foi de Vietto. Sem outra solução, com a derrota na mochila, por incomum que fosse, Simeone tinha pela frente uma noite em claro. Seu amado Racing, que dirigiu em 34 jogos —também jogou 23 com La Academia—, disputava o título com o River, ao que não só treinou em 44 encontros como também é o clube em que joga seu filho Giovanni. No final, el Cholo teve de brindar com seu coração racinguista e pelo sucesso do afilhado Vietto. Ah, e certamente também brindou pelo incipiente êxito do Atlético com seus torcedores radicais, questão na qual Simeone se mostrou menos entusiasmado do que deveria. Possivelmente porque na Argentina a violência foi metabolizada até o osso. Sem ir mais longe, o River-Quilmes de domingo não terminou por causa da investida da torcida visitante. Em um dia de risos e prantos, o assunto das torcidas violentas é a única crítica que Simeone merece. Porque para alguém messiânico como ele se pode pedir muito mais contundência.

Mais informações
O boleiro emocional
O Brasil imita Simeone
Todas as notícias do Atlético de Madrid
A glória dos 300 de Simeone:o Atlético de Madrid é campeão espanhol

No aspecto esportivo, o tropeço frente ao Villarreal merece um olhar retrospectivo para comprovar a magnitude da obra desse argentino, que é muito mais do que um treinador. Apenas Luis Aragonés está em condições de disputar com ele o trono principal do olimpo dos colchoneros. Simeone conseguiu que o velho Atlético rugisse, o que se sentia grande, o que nunca baixava a guarda diante de ninguém. Fora com as desculpas financeiras e outras histórias para se fazer de vítima. Isso não tem lugar com Simeone, um gladiador, um líder desde que foi capitão da seleção argentina com apenas 24 anos. Nunca se intimidou com nada, nem sequer com o Atlético resignado que herdou, que ia de tropeço em tropeço.

Simeone conquistou algo mais do que títulos. Devolveu o orgulho às hostes colchoneras, que já acreditam em tudo, até em levantar troféus frente ao Real Madrid e ao Barça em seu próprio estádio, sob os narizes de CR e de Messi. Começou sendo uma equipe "copeira". Faltava-lhe elenco, diziam. Até que foi capaz de afrontar uma aventura colossal como ganhar a Liga, enquanto ficou a um dedo de vencer a Champions pela primeira vez.

O tropeço frente ao Villarreal merece um olhar retrospectivo para comprovar a magnitude da obra desse argentino

E fez tudo isso com um time com a sua cara, com centuriões de primeira e recuperando algumas marcas registradas que engrandeceram o clube em seus anos de glória. Neste Atlético há muito mais do Atlético que flertava com os títulos ano após ano do que com aquele da fortuita vitória na Liga e na Copa do Rei no mesmo ano. Por exemplo, uma defesa de concreto, com caciques sul-americanos, uma estirpe na linha de Griffa, Ovejero (Godín), Benegas, Heredia, Panadero, Luis Pereira (Miranda). Toda comparação é odiosa, seja moderada ou excessiva, mas aí está Koke, que sem ser um craque bate na bola como um Luis. E Raúl García e Gabi, que nas pontas dos pés evocam um Adelardo. Outra das grandes qualidades de Simeone é que a imensa maioria de seus jogadores se valoriza acima de todas as expectativas iniciais. Com ele chegaram à elite do futebol nomes como Falcao, Diego Costa, Courtois e Filipe. Com ele, um Tiago de ida e volta ressuscitou; Arda se ajustou como se tivesse nascido em Hortaleza e Juanfran, que deixou a ponta para jogar como lateral, lembra o velho Rivilla.

Simeone, que foi desprezado por alguns pomposos que dão esses prêmios de pouco valor, tem todos os traços do genuíno Atlético. Não em vão, é um argentino em cujas veias corre o Rio Manzanares. Convém lembrar-se disso quando ele acaba de perder, por mais que no domingo tenha ganho um ou outro duelo. Agora só falta que –jogo a jogo– ele ajude o futebol espanhol a superar o grande desafio que tem nas arquibancadas.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_