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Copa do Mundo 2014 | BRASIL

O Brasil imita Simeone

Luiz Felipe Scolari admite que a sua seleção, o escudo mais glorioso do futebol, reproduz o modelo do Atlético de Madri

D. T.
O técnico da seleção brasileira, durante um treinamento.
O técnico da seleção brasileira, durante um treinamento.reuters

Diz a edição brasileira da revista GQ que durante um mês que dura a Copa o treinador Luiz Felipe Scolari é o verdadeiro presidente do país. Scolari adora essa ideia. Populista visceral, o homem presta menos atenção às mensagens esportivas que às políticas. Por isso, usa seus jogadores mais carismáticos, incitando-os a transmitir para o povo as ideias difíceis de digerir. Como a que emitiu por intermédio do seu capitão, Thiago Silva, em 4 de junho. Em entrevista coletiva, o rapaz disse que, para ser campeão, a seleção do Brasil precisaria seguir os passados do Atlético de Simeone.

“Hoje, no treino com o Daniel Alves e o Ramires, pedimos maior atenção na fase defensiva”, começou Thiago, progressivamente nervoso naquela entrevista. “A gente sabe que se não sofrermos gols nossas chances de ganhar as partidas por 1 x 0 são muito grandes. O objetivo é não levar gol. A parte defensiva da seleção é muito sólida, e acredito que será preciso trabalhá-la muito mais. Eu tenho confiança total em todos os jogadores no setor defensivo. Espero que acertemos nesse objetivo de sofrer zero gol até chegar à ansiada final do Maracanã.”

"É um exemplo a seguir por seu estilo de jogo organizado, fechado", diz o treinador da seleção

Enviado por seu chefe, Thiago continuou mergulhando no atoleiro: “Temos que fazer como o Atlético de Madri, que chegou a uma final da Champions porque quase não sofreu gols. Na final, infelizmente, marcaram quatro neles, mas foi uma temporada muito proveitosa para o Atlético. Se continuarmos nesse caminho, e principalmente pensamos em defender, poderemos ter sucesso mais adiante.”

Thiago, cuja reputação com zagueiro irrepreensível é aceita entre a torcida brasileira, lançou uma proposta tão arriscada que nem Scolari se atreveu a formulá-la pessoalmente. Pedir aos torcedores da seleção brasileira – o escudo o mais glorioso, artístico e arrojado da história do futebol – que engulam a ideia de jogar de forma defensiva, como uma equipe pequena, e ainda por cima em sua própria casa é assumir um risco desproporcional. Sobretudo quando o rival é uma equipe como o Chile, um adversário que não jogou nenhuma final importante em sua história, nem na Copa América nem em Copas do Mundo.

Brasil e Chile se enfrentaram em 66 ocasiões, e o Chile só ganhou sete, jamais em território brasileiro. Neste sábado duelam no Mineirão. Com seu velho círculo de contrafortes de cimento armado destacando-se entre os morros da Pampulha, o estádio é parte da história do futebol brasileiro. Uma história ímpar, que mudou de tom há 20 anos, com a aparição dos treinadores que se autodefiniam como pragmáticos. Parreira, Scolari e Dunga defenderam a transformação até desembocar na seleção atual, marcada por um conservadorismo que parece menos atrativo para o público do que para os arrivistas que proliferam sob o manto das instituições. Há anos o Brasil deixou de deslumbrar o mundo com seu jogo, mas os dirigentes da CBF, a estrutura empresarial que a rodeia e parte dos torcedores se apegam à nova fórmula, por acreditarem que ela lhes garantiu o triunfo em 1994 e 2002.

"Podemos tirar lições de seu treinador e de seus jogadores"

Scolari reconheceu ontem que o Atlético de Madri era o exemplo a seguir neste torneio. Disse isso com naturalidade e um pouco de dissimulação quando deixou entrever que eram os jogadores, e não ele, que preferiam jogar no contra-ataque. “Nossa filosofia é bem recebida por nossos jogadores”, disse, “mas eles também têm a possibilidade de discutir comigo a filosofia de jogo. Com o Atlético foi assim. É um exemplo a seguir por seu jogo organizado, fechado, que sabe se comportar defensivamente e também sabe contragolpear. Assim foi campeão da Espanha e vice-campeão da Europa. Podemos tirar lições de qualidade do seu treinador e dos seus jogadores para colocá-las à disposição dos nossos atletas”.

O nervosismo era palpável na delegação brasileira. A pressão aumenta com a perspectiva do cruzamento com um adversário que se gaba da sua desinibição e coragem. Hoje a tradição gigantesca não basta para defender o prestígio. O Brasil não perde uma partida oficial em sua casa desde 1975. Foi há muitíssimo tempo. Em outra época. E foi no Mineirão.

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