Da Casa de Horrores do Ceará aos navios-prisões do Sul do país
Comissão da Verdade lista 11 locais usados para torturar e matar militantes da esquerda
Durante a ditadura militar, Valter Pinheiro, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), foi encapuzado e levado para um local ermo fora de Fortaleza, onde havia sido capturado. Lá, teve que se despir, foi amarrado e teve eletrodos conectados aos lóbulos das orelhas, pênis, mamilos e ponta da língua. Passou por três sessões de tortura. “Estrebuchava, gritava, e eles ficavam rindo, contando piada e diziam: “Olha, isso é grito de prazer”, contou ele.
Os horrores pelos quais passou Pinheiro aconteceram em um local na época secreto. Em uma das 11 casas listadas pela Comissão Nacional da Verdade como centros de tortura clandestinos, espalhados por diversos Estados do país. A dele ficava em Maranguape, a 27 quilômetros da capital cearense, e era conhecida como a “Casa dos Horrores”.
“O piso do andar superior era de madeira e lá me conduziram para um quarto. Tiraram toda a minha roupa. Colocaram fios no dedo do pé e nos testículos. Me colocaram sobre duas latas e fiquei me equilibrando. Iniciaram mais ou menos às seis horas da manhã e me torturaram até o início da noite”, contou Benedito Bizerril, outro ex-preso político, levado para a casa em fevereiro de 1973.
Esses centros clandestinos operaram por aproximadamente uma década, desde o início do golpe de 1964, com a aprovação e conhecimento dos comandantes das Forças Armadas, aponta o relatório. Eram montados em imóveis disponibilizados por particulares com o objetivo de torturar e executar militantes de esquerda sem que os comandantes fossem identificados. Neles, era mais fácil eliminar as pistas que levassem aos presos políticos.
Os horrores vividos nessas casas são relatados pelas testemunhas oculares das torturas ocorridas, sejam militantes que acabaram liberados ou membros do Exército. “Esse casal foi levado para esse sítio, e [fizeram] até tiro ao alvo. Depois de mortos, foram expostos à visitação [dos oficiais]”, contou o ex-sargento Marival Chaves, sobre o casal Antônio Bicalho Lana e Sônia Maria de Moraes Angel Jones, assassinados em 30 de novembro de 1973. Lana era apontado como o autor do disparo que atingiu a perna de um coronel do Exército. O casal, capturado vivo, morreu na Fazenda 31 de Março, em Parelheiros, extremo sul da cidade de São Paulo.
No local, nomeado em homenagem à data do golpe de 1964, também eram praticadas torturas na água. “A vítima era amarrada pela cintura, empurrada para um poço ou pequena piscina cimentada, onde vários homens se divertiam com risadas e comentários espirituosos, impondo sucessivos afogamentos, até o presumido limite de resistência”, contou o advogado Affonso Celso Nogueira Monteiro, ex-vereador e ex-deputado, em uma carta datada de 26 de outubro de 1975, divulgada no relatório. Ele foi um dos sobreviventes da fazenda.
Dentre os relatos agrupados no relatório da Comissão, existem locais mais conhecidos, como a Casa da Morte de Petrópolis (no Rio de Janeiro), onde o coronel Paulo Malhães havia admitido, no final do ano passado, ter cometido assassinatos, e a Casa Azul, em Marabá (Pará), para onde foram levados os militantes da guerrilha do Araguaia.
O texto conta ainda sobre seis navios-prisões, usados durante a ditadura militar. Os locais, apesar de não serem clandestinos, levavam a um maior isolamento dos presos e dificultavam o acesso de advogados e familiares. Eles existiram somente no primeiro ano do regime militar, provavelmente porque as prisões estavam superlotadas ou porque a Marinha pretendia usar sua estrutura para manter presos de seu próprio interesse. Nos navios, os detidos também eram torturados, como conta o portuário Antônio Nailen Espíndola, preso no navio Canopus, no porto de Rio Grande (Rio Grande do Sul).
“Nos colocaram numa camarita no navio que ficava abaixo do fundo do mar. Nós não tínhamos ar direito para respirar. Ali nós ficamos em torno de 15 a 18 dias. Tínhamos direito a meia hora de sol a cada 72 horas e só.”
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