_
_
_
_

O casal diabólico

Prefeito de Iguala e sua mulher viveram da corrupção, da violência e do tráfico Da prisão, negam saber algo sobre os 43 desparecidos

Jan Martínez Ahrens
José Luis Abarca e María de los Ángeles Pineda, em maio de 2013.
José Luis Abarca e María de los Ángeles Pineda, em maio de 2013.EFE

Eram sete e quinze de um final de tarde de sexta-feira quando Naborina Salgado Macedonio ouviu seis detonações pelo vão da escada. Na parte de baixo, no saguão da entrada, seu filho Justino estava caído, sem vida. Um tiro atravessou seu rosto, outros dois o abdômen; os três restantes não acertaram a vítima. A reconstrução policial demonstraria que, antes de morrer, o homem, vestido naquele dia com sua camisa mais branca, tentou subir as escadas para se esconder na casa de sua mãe. Os bandidos não permitiram.

Mais informações
Os porquês de Iguala
'O quarenta e quatro', por JORGE ZEPEDA PATTERSON
Matança de Iguala agrava a crise da esquerda mexicana
México tem novos protestos violentos contra o sumiço dos 43 estudantes

Nunca se soube quem o matou – ou nunca se quis saber –, mas em Iguala existem coisas que são entendidas sem precisar de palavras. Justino Carvajal Salgado, oriundo de uma família com fortes raízes políticas em Guerrero, era o síndico-administrador da Prefeitura, o eterno e frustrado aspirante a prefeito e um funcionário farto das ingerências de María de los Ángeles Pineda Villa, a esposa do prefeito. Com sua morte, veio o silencio e, depois desse, um gesto eloquente. Um ano depois do crime, em 8 de março de 2014, se realizou na comunidade uma homenagem em sua memória. O prefeito, José Luis Abarca Velázquez, se levantou e, na frente de todos, saiu antes que começasse. Ninguém se atreveu a perguntar por quê.

O prefeito de Iguala, agora preso junto com sua esposa como o autor intelectual do desaparecimento (e, provavelmente, a morte) dos 43 estudantes de magistério, sempre arrastou atrás de si uma sombra de terror. De cabelo curto, corpo sem pelos e músculos de academia, gostava de andar sozinho em uma terra na qual os políticos não dão um passo sem um enxame de seguranças. Às vezes, no volante de seu carro esportivo cinza, chegava dirigindo sem nenhuma proteção no Palácio do Governo, em Chilpancingo e, diante dos outros prefeitos, dava demonstrações do que todos sabiam: que ele, ao contrário de seus companheiros, não tinha nada a temer.

Pessoas que se relacionaram com ele dizem que era um pequeno déspota, contundente em suas respostas e com dificuldades para encadear um argumento completo. Para a imprensa, quando se dignava a responder, sempre dizia que tudo estava bem. E quando os assuntos eram espinhosos, que ele não sabia de nada. Disse isso quando foi questionado sobre o assassinato, em 1 de junho de 2013, de seu principal adversário político, o engenheiro Arturo Hernández Cardona, líder da Unidade Popular, e quem, segundo declarações de uma testemunha meses depois, matou pessoalmente com dois tiros.

E também nada soube depois do massacre de Iguala. Com os cadáveres ainda quentes de seis pessoas, cinco mortos a tiros e outro esfolado vivo, Abarca assegurou com seu estilo contundente que não estava sabendo, que passou a noite dançando com sua esposa e que, já de manhã, tudo estava tranquilo e em calma. Naquele momento o desaparecimento dos 43 normalistas ainda não era conhecido. Quando foi descoberto, ele e sua esposa haviam fugido.

Ninguém duvida que receberam ajuda dos Guerreiros Unidos em sua fuga. Uma organização selvagem, surgida do colapso do império de Arturo Beltrán Leyva, o Chefe dos Chefes, e intimamente ligada a sua esposa. Dois de seus irmãos, Alberto e Mario, fizeram carreira no tráfico. Começaram no princípio de 2000 em Guerrero, como pequenos vendedores de drogas, mas pouco a pouco ascenderam na escala do crime até que o cartel de Sinaloa, na época controlado por Chapo Guzmán, abriu-lhes as portas para o tráfico de cocaína vinda da Colômbia e Venezuela. Depois disso, receberam uma missão mais venenosa: abrir uma sucursal de bandidos em Guerrero para enfrentar a expansão dos Los Zetas e da Família Michoacana. O resultado foi o embrião dos Guerreiros Unidos.

Quando El Chapo se desligou de Beltrán Leyva, os irmãos Pineda aparentemente tomaram partido do grupo de Leyva. Em dezembro de 2009 um assassino jogou seus cadáveres na estrada que liga a Cidade do México com Cuernavaca. Supostamente, tentaram trair o Chefe dos Chefes. No mesmo ano, um terceiro irmão, Salomón, foi preso por tráfico de drogas e posse de armas. Ao sair da cadeia, entrou para os Guerreiros Unidos como um dos chefes. Para completar esse abismal círculo familiar, a mãe foi apontada como testa de ferro do tráfico. Há um ano, foi sequestrada por um cartel rival. Com as mãos amarradas e os olhos vendados, foi obrigada a contar diante de uma câmera os pormenores de sua família, entre outros, que seu genro protegia os interesses dos Guerreiros Unidos.

Com tais parentes, pouca gente estranhou a fulgurante escalada social do casal. Em poucos anos, passaram de vender sandálias e chapéus de palha para possuir 17 propriedades, entre elas o centro comercial Los Tamarindos, o maior da cidade. Dessa plataforma, Abarca deu o salto para a política pelas mãos do faz-tudo local, Lázaro Mazón, agora fulminado pelo escândalo. Mazón, antigo prefeito de Iguala pelo PRD e nos últimos anos homem forte na região do candidato presidencial Andrés Manuel López Obrador, intercedeu quando era senador para conseguir a cessão de terrenos sobre os quais foi construído o centro comercial.

Uma vez conseguida a prefeitura, Abarca foi, dia após dia, cedendo terreno para sua esposa. A primeira dama da provinciana cidade estava com sede de poder. Era ela que aparecia em primeiro plano nas fotografias, era ela que, como lembram alguns vereadores, entrava nas reuniões e dava as ordens. Calculista e dominadora, começou a preparar seu ataque à prefeitura. Ocupou a presidência de um cargo público, Desenvolvimento Integral da Família (DIF), conseguiu ser eleita assessora estadual do PRD e seu próximo passo era se candidatar à prefeitura.

Em sua expansão, teve os primeiros embates, entre eles com seu rival, o administrador municipal Justino Carvajal Salgado. E também com o engenheiro Hernández Cardona, a quem chegou a ameaçar de morte publicamente. Ambos não demoraram a sumir do mapa.

Nada parecia conseguir parar sua ascensão. Tinha o dinheiro, o cargo e, sobretudo, o poder das trevas. Como declarou o líder dos Guerreiros Unidos, agora preso, ela cuidava das contas do cartel e financiou as campanhas do governador destituído Ángel Aguirre, do PRD.

Em 26 de setembro, utilizando como desculpa a apresentação de seu comunicado de atividades no DIF, organizou um grande ato na praça principal da cidade. Começava a campanha para as eleições de 2015. Foi justamente nesse dia que chegaram em Iguala dois ônibus cheios de normalistas. Iriam arrecadar fundos. Velhos inimigos políticos do casal, sua presença na cidade fez os alarmes dispararem.

O casal exigiu que a polícia municipal, um braço armado do cartel, impedisse que atrapalhassem o ato. A ordem acabou em loucura. Os agentes atacaram os estudantes a sangue e fogo. Os que não conseguiram fugir foram detidos e, segundo a promotoria, levados para os carrascos dos Guerreiros Unidos. Em um lixão, com a eficiência adquirida em anos de prática, foram executados e queimados.

Mas o casal não se alterou. Ainda teve tempo para pedir a exoneração do cargo e abandonar Iguala com tranquilidade. Durante mais de um mês seu paradeiro foi um mistério. Na madrugada de 4 de novembro foram capturados em uma depauperada casa do bairro de Iztapalapa, na labiríntica Cidade do México. Dormiam sobre um colchão inflável. Ele estava abatido; ela, maquiada e nervosa. Desde então, negaram qualquer implicação no ocorrido. Como tantas outras vezes, alegam que não sabem de nada.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_