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Ele ouviu do melhor amigo: “Pizzolato, você vai ter que morrer”

Livro conta detalhes da fuga e da prisão do ex-diretor do Banco do Brasil Pizzolato tentou escapar da condenação pelo mensalão pleiteando julgamento na Itália

Rodolfo Borges
Passaporte usado por Pizzolato, de seu irmão, Celso.
Passaporte usado por Pizzolato, de seu irmão, Celso.Interpol

Henrique Pizzolato estava fadado a ter o mesmo destino de Kátia Rabello, Cristiano Paz e Jacinto Lamas: entrar para a história como coadjuvante entre os condenados por participar do esquema do mensalão. Mas o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil não estava disposto a aceitar a pena de 12 anos e sete meses de prisão que lhe foi imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no maior julgamento de que se tem notícia no país, e viraria protagonista do caso como o único dos 25 condenados a tentar fugir da polícia. Os cinematográficos detalhes dessa fuga (e dos outros planos do mensaleiro para escapar) estão em Pizzolato - Não existe plano infalível (Leya), escrito pela jornalista Fernanda Odilla.

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O livro em que se transformou a vida de Pizzolato conta como o funcionário de carreira que galgou postos no Banco do Brasil por meio do ativismo sindical tomou a identidade do falecido irmão Celso para, com documentos forjados, deixar o país rumo à Itália — com escalas na Argentina e na Espanha — antes que o STF pudesse expedir sua ordem de prisão. Determinado a escapar de qualquer forma do constrangimento que ele e Andrea Haas, a mulher que lhe acompanha desde os tempos de faculdade, teriam de passar durante os anos de cadeia, o militante político que chegou a se candidatar a prefeito de Toledo e até a governador em Santa Catarina pelo PT, no fim dos anos 1980, estava disposto a tudo, inclusive forjar a própria morte.

Concebido pelo melhor amigo e grande defensor de Pizzolato, o também funcionário do Banco do Brasil Alexandre Cesar Costa Teixeira, mais conhecido como Terremoto, o plano de fingir que o condenado pelo mensalão havia morrido chegou a ser posto em prática, com a confecção de um testamento que estabelecia, entre outras coisas, que o corpo do falecido não deveria ser velado, nem sua morte divulgada, “pois [o autor] não deseja que pessoas fiquem tristes e enlutadas”. A ideia, que seria classificada como louca pelo próprio Terremoto anos depois, não vingou, assim como outras sugestões de amigos de Pizzolato, entre elas pedir asilo a países vizinhos alinhados com o governo brasileiro, como Venezuela e Bolívia. O jeito seria fugir do Brasil, numa estratégia que começou a ser arquitetada seis anos antes, em 2007, quando o STF aceitou a denúncia do Ministério Público sobre o mensalão.

Acusado de desviar dinheiro do Fundo Visanet para a agência DNA, do empresário Marcos Valério, e sem conseguir explicar à polícia e aos parlamentares de duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) o recebimento de 326.660,67 reais em sua cobertura em Copacabana, Pizzolato começou a expedir documentos em nome do irmão Celso, falecido em um acidente de carro em 1978, aos 24 anos. O ‘ressuscitado’ Celso chegou a votar nas eleições de 2008, em um dos testes de Henrique para a identidade com a qual conseguiria, anos depois, deixar o país pela Argentina, com a ajuda de Terremoto, que o conduziu de carro até a fronteira.

Pizzolato deu início à fuga no dia 11 de setembro de 2013, e seria preso pelos carabinieri em Maranello, na Itália, quase cinco meses depois, em 5 de fevereiro de 2014, na casa de um sobrinho que trabalha para a Ferrari, após uma série de desencontros entre as forças de segurança brasileira e italiana — provavelmente motivados pela negativa do Estado brasileiro de extraditar o terrorista ou militante, a depender do matiz ideológico, Cesare Battisti, em 2010. Segundo a autora do livro, o caso Pizzolato acabou resolvido nas 24 horas seguintes a uma reunião entre as polícias dos dois países, na qual todos enfim perceberam que o tal Celso Pizzolato, que já vinha sendo monitorado desde que se instalara na pacata Porto Venere com a mulher e um chamativo Fiat Punto vermelho emplacado na Espanha, era na verdade o fugitivo procurado pela Interpol.

Para contar essa história, escrita de forma leve e de fácil leitura, Fernanda Odilla recupera a vida do fugitivo desde a infância na pequena Concórdia, em Santa Catarina, onde seu avô Vittorio Pizzolato, um ex-combatente italiano da Primeira Guerra Mundial ferido em combate e condecorado, se instalou na década de 1930 em busca de trabalho. Sem pretender transformar o personagem do livro “em herói ou vilão”, a autora diz que tentou ser justa com o ex-diretor do Banco do Brasil, que hoje, após ver o processo de extradição solicitado pelo Brasil ser negado pela Justiça italiana, desfruta de relativa liberdade, apesar de ter somado alguns crimes desde sua condenação pelo mensalão. Processado na Itália por falsidade ideológica e investigado no Brasil, junto com a mulher, por remessa ilegal de divisas para o exterior e lavagem de dinheiro, o homem mais procurado do verão brasileiro de 2013/2014 seguirá livre enquanto e lentidão da Justiça permitir. Até uma nova condenação, sua única restrição é fazer justamente o que pretendia quando fugiu do Brasil em busca de um novo julgamento: Pizzolato não pode deixar o território italiano.

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