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Coluna
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Dilma Rousseff tem de rir mais, e Aécio Neves tem de rir menos

Ela representa a mãe firme. Ele, o boa praça. Que proposta de líder o país quer?

Aécio e Dilma, durante o debate na Globo.
Aécio e Dilma, durante o debate na Globo.RICARDO MORAES (REUTERS)

Quem conhece o outro                          é sábio

Quem conhece a si mesmo                   é iluminado

Quem vence o outro                              tem força

Quem vence a si                                    é forte

O poema acima, trecho de Virtude do Discernimento (Dao de Jing, Editora Hedra, 2014, pág. 105), ilustra bem a esgrima eleitoral em que Dilma Rousseff e Aécio Neves se predispuseram a protagonizar pelo cargo mais nobre da República Federativa do Brasil. Qual dos dois 'erotiza' melhor seu fã clube? O sexo está, ainda e sempre, em questão, não se engane. Não o ato em si, evidentemente, mas a sua essência psíquica: a complementaridade ou aniquilação de opostos a partir de signos corpóreos lançados para o outro.

Sexo não é apenas o contato entre genitais. É o momento em que duas ou mais pessoas se encontram para dar prazer mútuo e também se destruírem. Sexo tem a ver com amor numa ponta, e poder na outra. Na primeira situação, ele funciona na base do dar e receber, comunhão e plenitude.

Na segunda, não, e este é o recorte que quero dar para Dilma e Aécio. Há, entre os dois, um jogo de entrega e dominação, que se repete entre seus seguidores pelas redes sociais ou nas passeatas. Como afirmou o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), "os opostos são as inerradicáveis e precondições de toda vida psíquica". Como lidar com quem o provoca?

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Por esse aspecto, para haver vida é necessário haver oposição porque complementar, o que, na ligeireza da internet, fica nebuloso porque sem argumentos. O perigo é o totalitarismo, ou seja, o poder, sem amor. Ele pode fazer com que uma das partes tenha desejo de submeter o outro e se apropriar sozinho do prazer. Aconteceu com você e algum neste 2º turno?

O Brasil é um país que incorpora o mito do filho abandonado por um português estuprador de índias. Isso é atávico e, a curto prazo, incurável. Não por acaso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, muito inteligentemente, apropriou-se desse conceito e tomou para si esse papel paternal e de controle da massa.

Ao contrário de Fernando Henrique Cardoso, que se portou como sábio, mas distante. Lula, não. Aproximou-se da multidão, fez da sua história pessoal prova de superação, e modificou todo o repertório de entrega pública, da barba bem cuidada à oratória com pinceladas de ditados populares e muita referência ao esporte coletivo de maior apreço nacional, o futebol. Truque de mestre.

Brilhantemente, Lula fez o mesmo com sua sucessora. No primeiro momento, em 2010, escolheu a figura da matriarca, como, por exemplo, em seu batismo de "Mãe do PAC". Quatro anos depois, ela arriscou-se a mudar de papel para sua eleição, incorporando trejeitos e discursos mais rudes, disciplinadores, sem grandes demonstrações de afeto.

É um risco, e o resultado só saberemos no domingo. Mas fica, porém, um raciocínio. Basta querer amar ou é necessário demonstrar? Será que o filho abandonado precisaria de uma mãe firme, porém mais amorosa? Não é isso que esperamos, inclusive, das nossas senhoras que envelhecem? Abdicando de um traço feminino que é soberano, a sedução, Dilma não estaria se afastando de sua melhor arma? A ver.

Aécio Neves também forjou uma persona pública. Orientado por seus assessores e totens do partido, ele, provavelmente, deve ter sido obrigado a casar e incorporar o personagem do homem de bem, pai respeitoso e marido fiel. Como que seguindo um manual do mundo corporativo de Wall Street, em Nova York, ou da Berrini, centro econômico pulsante de São Paulo.

A sua sombra, registrada em fotos da boemia no Rio de Janeiro que ele frequenta, precisou voltar para o armário. As namoradas sequenciais deram espaço a uma esposa. Os colegas de 'night' às aparições públicas ao lado dos filhos. Não caberia bem essa 'imagem' ao posto que almeja. Ela, a mãe firme. Ele, o boa praça que atiça as mulheres. Que proposta de líder o País quer?

Alguém também precisa dizer para Dilma rir mais, e para Aécio rir menos. A notória falta de simpatia e tato da presidente deve afastar eleitores que, sim, também querem reconhecer felicidade em sua cara.

O contrário serve a Aécio. A extrema simpatia parece um tanto forçada e frouxa demais para boa parte do eleitorado. Como rir diante de tanto ressentimento esparramado nesta campanha, por si só, histórica? O contrário do amor é o poder, mas, seguindo Jung, ao matar o outro eu também me mato porque sem o diferente.

A disputa deste ano também provocou uma discussão perigosa, ligada ao sexismo. Tanto um candidato quanto o outro insinuaram deficiências profissionais levando em consideração o gênero, a orientação e a forma física de cada um. Isso desvia a população do discurso primordial, a viabilidade de uma pátria continental.

Não se engane, o erotismo é um princípio, um meio, um fim e, mesmo camuflados, estamos opinando do tom do cabelo à escolha do sapato. O Brasil, aliás, país mundialmente conhecido pela desmedida importância dada ao erotismo, quer menos preliminares e mais gozo. Qual dos dois oferece isso?

Creio que deva ser mais fácil para Aécio transitar em ambiente tão machista e hostil quanto o Poder Executivo. Dilma, porém, tem histórico de guerrilheira e, certamente, tem mais resiliência que a grande maioria das mulheres teria em seu lugar. Uma mulher de fibra, sem dúvida.

Vale lembrar aqui de Marina Silva, que prendeu os cabelos em tempos bélicos e os soltou nos dias de alívio. Você acha que foi por acaso? Na mitologia grega há uma representação muito interessante sobre o feminino guerreiro.

Diz-se que as amazonas, filhas de Ares, deus da guerra, cortavam um dos seios para manusear o arco e flecha e lutar. Ou seja, o feminino guerreiro precisaria extirpar a própria feminilidade. Não deveria, mas muitas vezes a exclui, e exemplos temos aos montes.

O contexto mais grave desta eleição não é nem isso. Corremos o risco de pertencer a um mundo onde a ganância e a cobiça levem à disputa do poder pelo poder, sem o oposto que seria amor à nação - não no sentido piegas, claro - como força de equilíbrio.

Tanto Dilma quanto Aécio, e seus respectivos partidos, atendem a anseios do povo que deseja mais poder para submeter os demais. Nesse caso, o afeto precisará ser extirpado e, a pior notícia, ele pode levar o coração junto.

João Luiz Vieira é jornalista, roteirista, escritor, sócio-proprietário do site paupraqualquerobra.com.br, e pós-graduando em Educação Sexual. Para falar com ele: vieiraluizjoao@gmail.com. Com a colaboração do psicólogo clínico e professor de psicologia analítica Walter Mattos.

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