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Uma batalha na área de saúde

Minas enfrenta dois processos no Ministério Público por não ter aplicado o mínimo exigido pela Constituição no setor

Pacientes dormem no corredor do hospital Julia Kubitschek.
Pacientes dormem no corredor do hospital Julia Kubitschek.Talita Bedinelli

Aparecida, de 80 anos, ficou quatro dias dormindo em uma cadeira de medicamentos, num corredor do hospital Julia Kubitschek, um dos principais hospitais estaduais de Belo Horizonte, na última semana. O hospital atende uma população estimada de 500.000 habitantes.  Há dez dia internado na ala do pronto-socorro do hospital, Antônio, de 63 anos, conta que também chegou a dormir na cadeira de medicamentos, mas depois ganhou um “upgrade”: foi colocado em uma maca estreita, num corredor iluminado o tempo todo, inclusive de madrugada. “Isso arrebenta a gente. A luz do corredor fica acesa, a gente não consegue dormir”, conta ele. “Mas fazer o que, tem que ficar. Aqui é sempre lotado.” Os nomes dos pacientes foram trocados para evitar a exposição.

O EL PAÍS esteve dentro do hospital superlotado na última sexta-feira sem se identificar como repórter. E ouviu não apenas queixas de pacientes como de funcionários. Enfermeiros reclamavam da falta de materiais e equipamentos. “Estou acabada”, dizia uma delas. Naquele dia, não havia uma agulha necessária para aplicar medicamentos. Um enfermeiro havia conseguido uma no setor de cuidados semi-intensivos e comemorava, mas elas já também estavam no fim. “Já faltou até Dipirona e Buscopam.” A máquina de tomografia também não funciona bem. Das cerca de seis que são feitas diariamente, apenas três podem ser realizadas no equipamento. Os outros pacientes são levados para uma clínica particular, paga pelo Governo, do outro lado da cidade.

No hospital, casos considerados pouco urgentes não são atendidos. Os pacientes passam por uma triagem com um enfermeiro e os que recebem pulseira verde (na classificação internacional, são considerados “pouco urgentes”) e azul (“não urgentes”), são dispensados pelos médicos e orientados a procurar um posto de saúde ou uma UPA (Unidades de Pronto-Atendimento, que funcionam como um pronto-socorro de bairro). Os de pulseira amarela (urgentes), esperavam uma hora pelo médico na manhã da última sexta-feira.

Pacientes são colocados em macas no corredor, onde dormem por várias noites, no hospital Julia Kubitschek.
Pacientes são colocados em macas no corredor, onde dormem por várias noites, no hospital Julia Kubitschek.Talita Bedinelli

O Governo de Minas Gerais enfrenta dois processos no Ministério Público por não ter aplicado o mínimo exigido pela Constituição na área da saúde, que é de 12% da arrecadação dos impostos. A primeira ação, aberta em 2010, questionava a inclusão nos anos de 2004 a 2008 de despesas como a de pagamento de servidores aposentados como investimento em saúde, e o repasse de verba para a Copasa, a companhia de saneamento do Estado, uma empresa de capital misto que cobra tarifa e faz empréstimos em bancos.

No decorrer dessa primeira ação, entretanto, a Copasa afirmou que não havia recebido nenhuma verba do Governo, conta o promotor da área de patrimônio público, Eduardo Nepomuceno. O que deu início a uma ação de improbidade administrativa contra Aécio Neves, governador na época. “Queremos saber se essa verba de cerca de 4 bilhões foi apenas uma maquiagem contábil ou foi desviada”, explica o promotor. A ação foi aceita pelo juiz, mas no recurso a Justiça decidiu que quem deveria ter apresentado era o procurador-geral e não o Ministério Público Estadual. O procurador-geral não o fez e a Justiça extinguiu a ação. Ministério Público recorreu da decisão.

Na última sexta-feira, o MP entrou com uma nova ação contra o Governo mineiro, dessa vez referente ao ano de 2009. O órgão afirma que a gestão de Aécio Neves deixou de investir 1,3 bilhão de reais em ações e serviços públicos de saúde, deixando novamente de atingir os 12%. Cerca de 1 bilhão dessa verba foi enviado para a Copasa para investimentos em saneamento básico. O restante foi para gastos com a previdência de funcionários.

Colchão levado por família de paciente para driblar o desconforto da maca.
Colchão levado por família de paciente para driblar o desconforto da maca.Talita Bedinelli

O Governo de Minas afirma que considerou a nova ação um "fato grave", que "apesar de ser relativa a um episódio de cinco anos atrás, foi tomada uma semana antes das eleições, deixando claro o objetivo de interferir no processo eleitoral". A nota da assessoria de imprensa diz que não houve repasse para a Copasa para "financiar o saneamento básico" -questionada, a Copasa não respondeu. Ressalta ainda que o processo foi extinto pela Justiça em janeiro deste ano porque os promotores de Justiça não têm poder legal para ações dessa natureza. Afirmou ainda que cumpriu todos os requisitos legais e que as ações se referem a um período anterior ao da regulamentação da Emenda Constitucional 29, de 2010, que normatizou os recursos destinados à Saúde e, por isso, as contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas.

Na tarde desta quarta, a coligação Muda Brasil, de Neves, divulgou uma nota dizendo que o corregedor-geral do Ministério Público de Minas Gerais, Luiz Antônio Sasdelli Prudente, abriu procedimento administrativo disciplinar, para apurar eventuais desvios funcionais por parte dos promotores.

Sobre o hospital Julia Kubitschek, o Governo diz que toda a assistência aos usuários é prestada na integralidade, segundo a classificação de risco do Protocolo de Manchester, que classifica os pacientes dos casos mais graves para os menos graves. Diz que o abastecimento é normal e regular e que todos os insumos necessários para o funcionamento da unidade têm estoque adequado. O hospital está passando por uma reforma que ampliará o centro de diagnóstico por imagem e terá um novo tomógrafo.

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