O ‘ouro’ que a Bolívia não explora
País tem as maiores reservas de lítio do mundo, mas não aproveita seu potencial


A eternidade se estende ao longo de 10.000 quilômetros quadrados de deserto branco. O Salar de Uyuni, aos pés do vulcão Tunapa, no altiplano boliviano, expõe um tesouro à vista de todos os turistas que vão em massa contemplar um cenário de ficção científica. A paisagem branca que rodeia o espectador representa a maior reserva de lítio do mundo: 10 milhões de toneladas. Ouro branco do qual o Governo da Bolívia ainda não consegue tirar proveito.
Em outubro de 2010 o presidente Evo Morales anunciou que a Bolívia industrializaria o lítio com os próprios meios. O processo, ao contrário do que ocorre nas duas salinas mais importantes da região – Atacama (Chile) e Hombre Muerto (Argentina) – não será explorado por empresas estrangeiras. Será administrado e financiado em sua integridade pelo Estado. Para isso, conta com um crédito do Banco Central no valor de 885 milhões de dólares (2,1 bilhões de reais).
A estatização dos hidrocarbonetos logo depois de Morales chegar ao poder foi a medida mais polêmica e contestada no exterior. Na Bolívia, porém, essa decisão é apoiada quase por unanimidade. Nenhum candidato sugere dar um passo atrás. O crescimento da economia, que possibilitou a diminuição da extrema pobreza e a incorporação de cerca de 20% da população à classe média, se deve principalmente ao alto preço do gás, bem como das matérias primas. No entanto, esses preços elevados podem sofrer quedas. Durante toda a campanha Morales vem se concentrando em enfatizar a intenção de posicionar a Bolívia como centro energético da região nos próximos cinco anos. No caso do lítio, o Governo olha fixamente para o mercado asiático. Produzir material para baterias de celular e a incógnita dos carros elétricos, um mercado estancado, são os principais objetivos. Além disso, em colaboração com o Governo peruano, pretende instalar sistemas para distribuir energia elétrica a comunidades dispersas. Na Bolívia estima-se que haja 500.000 residências sem energia elétrica, e não vão poder ser atendidas por casa de sua dispersão e lonjura.
A grande incógnita é se a Bolívia está capacitada para enfrentar a industrialização sozinha. “O Governo fez muito barulho, mas não passou da retórica grandiloquente. Não há um plano sério. Não há uma indústria dos recursos naturais. Isso é um sonho para os bolivianos”, opina o economista Henry Oporto.
No caso do lítio, o processo conta com três fases. A primeira, a implantação de plantas-piloto de sais de potássio e carbonato de lítio, que deram trabalho a cerca de 250 pessoas, já foi concluída. Agora se encontra na fase industrial, que pretende criar 500 postos diretos de trabalho e 2.000 indiretos para as comunidades da região. Essa etapa consiste em projetar e construir toda a infraestrutura para produzir 30.000 toneladas por ano de carbonato de lítio e 700.000 de cloreto de potássio a partir de 2016, segundo afirma Juan Carlos Montenegro na publicação Um Presente sem Futuro, do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Trabalho e Agrário (CEDLA).
O Estado não está preparado para conduzir por si mesmo a industrialização Henry Oporto, economista
“Enquanto não houver uma política séria de atração de capital estrangeiro vai ser complicado. O Estado, que se considera o grande protagonista, carece de capacidade financeira, não está preparado para conduzir por si mesmo a industrialização”, diz Oporto. “É preciso fazer acordos estratégicos com países e empresas que sejam ponta de lança. Que permitam vender os recursos em troca de tecnologia. E não ficar só impondo condições”, comenta o também economista Roberto Laserna.
Ambos sustentam que criar tecnologia própria levaria muito tempo e que, apesar da versão oficial, faltam engenheiros, cientistas, entre outros. O gerente nacional de Recursos Evaporíticos da Corporação Mineira da Bolívia, Luis Alberto Echazú, contesta todos esses argumentos e defende que o Governo de Evo Morales iniciou a formação de centenas de profissionais com bolsas de estudo em universidades estrangeiras. Além disso, afirma que o mercado de baterias para carros elétricos não deslanchará antes de 2020 e acredita que nessa época já terá sido cumprido o processo de industrialização. Uma opinião contrária à dos analistas consultados, resumida por Laserna: “Este é um mercado que vai em grande velocidade e nós subimos no último vagão”.
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