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Todos contra o primeiro-ministro na Itália

Vários setores criticam Renzi por autoritarismo e atrasos nas reformas

O primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, no Parlamento, em fevereiro, quando superou um voto de confiança.
O primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, no Parlamento, em fevereiro, quando superou um voto de confiança.G. S. (REUTERS)

Há alguns dias, aos opositores já clássicos de Matteo Renzi – os sindicatos, a velha guarda do Partido Democrático (PD) e a cúpula das entidades patronais – se uniram com especial beligerância alguns setores que, durante os sete primeiros meses de seu Governo, tinha optado por dar a ele um voto de confiança. Agora, no entanto, como que movidos por uma mesma força, os mais variados grupos – da Conferência Episcopal Italiana (CEI) aos principais jornalistas do país, passando por destacados empresários que se vangloriavam de ser seus amigos – lançaram ao mesmo tempo uma campanha contra Renzi na qual, além de criticarem o atraso nas reformas prometidas, o acusam de um autoritarismo desmedido e até de um “ranço de maçonaria”. O líder do PD afirmou que se trata de uma tentativa, por parte dos “poderes fortes” da Itália, de enfraquecê-lo. E enviou a eles uma mensagem: “Podem me mandar para casa, mas não poderão me comandar por controle remoto. Não vou lhes pedir permissão para fazer as reformas. Não vou ser um fantoche nas suas mãos”.

O fantasma dos “poderes fortes” – aqueles que governam nas sombras – é recorrente na Itália. Normalmente, os políticos negam que eles existam enquanto está indo bem, mas atribuem à eficiência de seus feitiços uma eventual queda em desgraça. No início, Matteo Renzi preferiu negar a existência de um complô orquestrado nos altos círculos para tirá-lo do poder, mas agora parece dar mais crédito a ele: “Nos últimos dias se lançaram contra o Governo diretores de jornais, empresários, banqueiros, religiosos... Para a maioria das pessoas pareceu um ataque estudado. Eu, que sou beatificamente ingênuo, prefiro acreditar nas coincidências... Mas os poderes fortes são aqueles que nos últimos 20 anos assistiram silenciosamente ou em cumplicidade à perda da competitividade da Itália e à destruição de seu sistema educacional. E agora querem que eu faça em seis meses aquilo que eles não fizeram em 20 anos?”

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O certo é que a lista de inimigos é cada vez mais longa e poderosa. Soube-se até de velhos amigos empresários que, aparentemente sem motivo algum, da noite para o dia começaram a se pronunciar contra o primeiro-ministro com uma agressividade verbal inusitada. É o caso de Diego Della Valle, dono da fabricante de calçados Tod’s, que acusou Renzi de ser um “charlatão”, que “pode dizer qualquer estupidez e contradizê-la no dia seguinte”, e uma pessoa “que nunca trabalhou”. Mas talvez o ataque mais duro, tanto por ter sido inesperado como pela violência da linguagem, tenha sido o artigo assinado na última quarta-feira por Ferruccio de Bortoli, diretor do Corriere della Sera, na primeira página do jornal, sob o título “O inimigo no espelho”. De Bortoli, normalmente elegante, fincou seu punhal no premiê já no primeiro parágrafo. “Tenho que ser sincero: Renzi não me convence. Não tanto por suas ideias e seus valores, mas pela maneira como administra o poder. Se ele quer verdadeiramente modificar este país terá que se proteger do mais temível de seus inimigos: ele mesmo. Uma personalidade egocêntrica é irrenunciável para um líder. A do presidente do Conselho de Ministros é hipertrófica. Agora, havendo apenas um homem no comando do país (e do principal partido), sem rivais verdadeiros, a coisa não é irrelevante”.

Mas há mais. De Bortoli dirige impropérios à equipe ministerial – da qual salva apenas o ministro da Economia, Pier Paolo Padoan, o único que foi imposto pela Presidência da República -, definindo-a como pouco preparada e escolhida para não fazer sombra para o líder. Ainda se não bastasse, o diretor do Corriere exige que Renzi explique se seu acordo com Silvio Berlusconi para reformar a lei eleitoral e o Senado tem elementos secretos – o chamado pacto de Nazareno, por causa da rua onde fica a sede do PD. É aí que ele fala de um “ranço de maçonaria”.

No domingo, Eugenio Scalfari, fundador do jornal La Repubblica, se juntou ao diretor do Corriere della Sera. Também dedicando sua capa ao premiê, o veterano jornalista já avisava no título: “Só tem água na panela que está no fogo”. Em seguida dizia que Renzi não só ainda não tinha cozinhado nenhuma de suas alardeadas promessas – lei eleitoral, reforma do Senado, simplificação administrativa... – como também a água de que dispunha - “a simpatia da opinião pública e o apoio parlamentar” - está começando a se evaporar. Em seu extenso artigo, Scalfari chega a elogiar o fato de o diretor do Corriere – “em um artigo que é um ataque bem dado não tanto contra a política de Renzi mas contra seu caráter e seu modo de conceber a política” – ter se dado conta de que o atual primeiro-ministro, a quem define como “o personagem que nos governa”, é “um sedutor, fruto dos tempos obscuros”. Às relutâncias do Corriere della Sera e, agora, do fundador do Repubblica deve-se unir as críticas, não tão recentes, que o primeiro-ministro costuma receber das páginas de Il Sole 24 ore, jornal de economia de propriedade da Cofindustria.

Já os bispos italianos voltaram à sua velha forma. De nada adiantou o papa Francisco ter lhes dado, em julho, uma mensagem muito clara para que evitassem a tentação recorrente de meter as mãos na política. Agora, a Conferência Episcopal Italiana, dirigida pelo cardeal Angelo Bagnasco, também partiu para o massacre contra Renzi acusando-o de “só fazer slogans” e esquecer os verdadeiros interesses da família. A tudo isso se une a oposição cada vez mais forte que o ex-prefeito de Florença continua encontrando em seu próprio partido e nos sindicatos, principalmente por causa da reforma do mercado de trabalho. Mas com essa oposição ele já contava.

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