_
_
_
_
_

O império Ming contra-ataca

A grande aposta da temporada no British Museum propõe admirar os tesouros da dinastia chinesa

Retrato de Yang Hong em tinta sobre seda (1381-1451).
Retrato de Yang Hong em tinta sobre seda (1381-1451).British Museum

Os requintados vasos brancos com decorações em azul que tornaram o nome Ming o sinônimo mais sublime da arte da porcelana, tão sólida que garante sua sobrevivência intacta 600 anos depois de sua criação, nos falam de uma era dourada da História da China. Essas famosas e hoje muito valorizadas peças servem de chamariz, ainda que não de protagonistas, para a exposição que o British Museum inaugura nesta quinta-feira e que vai explorar um período fundamental na dinastia de imperadores que, na primeira metade do século XV, parecia aberta ao mundo e a suas influências e acabou produzindo uma das mais belas coleções de objetos e pinturas que existem.

Ming: Os 50 anos que mudaram a China é o nome de uma mostra que, através de cerâmicas, joias, móveis, pinturas, esculturas e suntuosos tecidos, pretende transmitir o quadro político, social e artístico nos primeiros e transformadores tempos de uma dinastia que governou o gigante asiático por quase três séculos (1368-1644). A reunião desse impressionante catálogo em Londres foi possível graças aos empréstimos de cerca de 20 instituições internacionais, aos próprios recursos do British Museum e, principalmente, às peças fornecidas por 10 museus chineses que serão vistas pela primeira vez fora do país. Em alguns casos, é possível que esta também seja a última vez, porque a delicadeza desses tesouros aconselha restringir suas saídas pelo mundo. A exposição à luz pode danificar, por exemplo, as pinturas dos eunucos da corte ou os retratos dos quatro imperadores que governaram entre 1400 e 1450, período coberto pela exposição. Isso obrigará a mantê-las armazenadas durante vários anos após seu retorno à China, como medida de proteção.

Mais informações
Descoberto em Israel um monumento de pedra mais antigo que o Stonehenge
A arte da destruição
A arqueologia como dano colateral
Moscou, a próxima capital da arte?

Uma espada de ferro com elaborados adornos em ouro, prata e pedras semipreciosas se exibe como a encarnação do poder detido pelo imperador Yongle entre 1402 e 1424, após derrubar seu sobrinho na guerra civil. No esforço de se afirmar, ele transferiu a capital de Nanquim a Pequim, cidade do norte estratégica para defender o império contra a constante ameaça dos mongóis. Ali construiu a Cidade Proibida, que viria a abrigar o palácio imperial ao longo de meio milênio. Ainda hoje, a silhueta da extraordinária arquitetura em madeira do complexo é um símbolo nacional que aparece nas moedas, nas cédulas de dinheiro e nos uniformes militares.

Espada e bainha com inscrições. Em ouro, prata, aço, madeira e couro. Da era Yongle (cerca de 1420).
Espada e bainha com inscrições. Em ouro, prata, aço, madeira e couro. Da era Yongle (cerca de 1420).

Os primeiros imperadores daquela casta, à frente da já então superpotência com um tamanho semelhante ao da Europa, financiaram as explorações marítimas no sudeste da Ásia, no Oriente Médio e na África, e que tiveram Zheng He como pioneiro. Uma das estrelas da exposição em Londres é o sino em bronze decorado com nuvens e com as ondas que cercavam seus navios, forjado para comemorar a sétima expedição de Zheng. A China vivia, naquela época, um período de contatos globais sem precedentes, de Tóquio a Mogadíscio, através do comércio e dos conflitos militares (dos quais se exibe seu revolucionário armamento), e ainda por causa dos intercâmbios culturais e religiosos, personificados nas figuras de Buda, dos deuses do Taoísmo e em um magnífico exemplar do Alcorão. As interações com o Egito, a Síria, o Irã e outros países fomentaram na corte a moda das formas exóticas cujos originais em metal e vidro eram adaptados à porcelana chinesa.

Yongle, o Guerreiro, a figura que mais deixou sua marca naquele período, era também um amante das artes, e sentia especial predileção pela caligrafia de Shen Du, um dos protagonistas das pinturas sobre tela de seda exibidas junto às dos burocratas e militares que integravam a rede de cortes regionais controladas pelo imperador. Seus sucessores foram Hongxi, de quem está exposto um edital escrito de seu próprio punho sobre um papel decorado com orquídeas douradas, Xuande, o Asceta, e Zhengtong, retratado quando criança junto aos funcionários que então dirigiam a regência.

Já no final daquele período – que o British Museum explora com todo o esplendor de sua arte, dos trajes de seus príncipes e de objetos refinados ou de uso comum – a porcelana Ming se transformou em algo muito cobiçado na Europa. Na China, sua fabricação tinha sido padronizada seguindo as instruções de desenho da corte e uma nova técnica cujo resultado beirava a perfeição. Esses preciosos vasos são, a partir desta semana, a carta de apresentação de uma exposição única.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_