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O “direito ao esquecimento”complica o Google

O buscador estuda que critérios seguir para aplicar a sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia

Andrea Nogueira Calvar
A sede alemã do Google, em Berlim.
A sede alemã do Google, em Berlim.Adam Berry (getty)

Gregory Sim, um homem de negócios de Richmond, foi flagrado fazendo sexo em uma viagem de trem para Londres. Os passageiros alarmados avisaram a polícia, que o prendeu. A história saiu no Daily Mail há seis anos. Sim, que deve ser um homem daqueles que não esquecem uma humilhação, pediu ao Google recentemente que seu deslize parasse de aparecer no buscador. E ele conseguiu. Exerceu o direito ao esquecimento na Internet, outorgado em maio passado a qualquer cidadão europeu por uma sentença obtida por outro cidadão comum: Mario Costeja. Esse espanhol, cansado de aparecer como inadimplente nos resultados de busca do Google, exigiu que o buscador apagasse a informação. Cinco anos depois – em maio deste ano –, o Tribunal Europeu atendia a seu desejo.

Desde que a solicitação de esquecimento se tornou possível há três meses, o gigante da internet já recebeu mais de 90.000 pedidos. Metade obteve um sim como resposta, o que significa que cerca de 328.000 links não estão mais acessíveis com um simples clique. Mas o buscador teve de voltar atrás em alguns casos, depois de protestos das partes afetadas. A empresa criou um comitê para tentar estabelecer critérios para o cancelamento. Na próxima terça-feira será realizada em Madri a primeira de uma série de reuniões em diferentes cidades europeias nas quais especialistas vão debater o que deve ser removido. Paralelamente, surgiram vozes contrárias, entre elas, a da Wikimedia, uma fundação pela liberdade de informação que luta por seu direito particular ao não esquecimento: dois sites recolhem as notícias que estão sendo eliminadas.

Obrigação de eliminar

A decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o direito ao esquecimento é taxativa: “O operador de um motor de busca é obrigado a suprimir da lista de resultados exibida na sequência de uma pesquisa efetuada a partir do nome de uma pessoa as ligações a outras páginas web, publicadas por terceiros e que contêm informações sobre essa pessoa, também na hipótese de esse nome ou de essas informações não serem prévia ou simultaneamente apagadas dessas páginas web, mesmo quando a sua publicação nas referidas páginas seja, em si mesma, lícita”.

Os jornais Telegraph, The Independent e The Guardian viram algumas de suas notícias sumirem do mundo virtual. Mas não estão claros para o Google os critérios a serem seguidos na hora de desindexar as buscas. “São decisões difíceis”, diz o site oficial da empresa. José Luis Piñar, titular da cátedra Google sobre Privacidade, Sociedade e Inovação da Universidade CEU San Pablo, em Madri, e membro do novo comitê do buscador, confirma a dificuldade diante da necessidade de “estabelecer critérios para avaliar e ponderar os direitos ao esquecimento em milhares de casos”. O especialista aposta em definir uma série de “categorias” nas quais seja possível encaixar os pedidos e que poderiam estar prontas no início do próximo ano.

“O fato de não estar no Google não quer dizer que desapareceu”, explica Didac Sanchez, diretor da Eliminalia, site especializado em limpar biografias na internet. O Google retira os links de seus resultados de pesquisa, mas a informação não desaparece da página de origem. “A sentença fala apenas do buscador, e não do editor; é preciso diferenciar os atores”, explica Piñar.

Para evitar cair no poço do esquecimento, a Wikimedia anunciou em agosto o lançamento de um site para guardar os links que o Google já anunciou que vai remover. São cerca de 50, mas aumentam a cada semana. Entre esses links, estão as páginas da Wikipédia dedicadas à Banda della Comasina, um grupo criminoso ativo durante os anos setenta em Milão, e seu líder, Renato Vallanzasca. Outro que quis desaparecer é Gerry Hutch, conhecido como O Monge, acusado de cometer os maiores assaltos à mão armada na Irlanda.

“É um problema grave porque atenta contra o direito de procurar e acessar informações livremente”, diz Jorge Serra, presidente da Wikimedia na Espanha. Para a organização, existe uma ameaça ao conhecimento livre que pode causar os chamados “buracos de memória”, que impedem um “acesso completo a uma informação verdadeira, neutra e abrangente”

Antes da Wikimedia, um programador norte-americano, Afaq Tariq, foi o primeiro a criar uma página com os links cancelados: Hidden from Google. “Achei que ajudaria a entender que tipo de pedidos estão sendo feitos e por quem”, diz em seu site. São os próprios usuários que enviam os links cancelados. Na semana passada, aos 20 já existentes somavam-se mais 10 relativos à rede BBC. As notícias são tão díspares que vão desde o julgamento de três homens que possuíam material para fabricar bombas (Dublin, 2001), até uma disputa entre duas famílias por Wellie, um cão da raça fox terrier em Denver, em 2002.

A página do Eliminalia, uma das empresas que se dedicam a apagar informação da rede.
A página do Eliminalia, uma das empresas que se dedicam a apagar informação da rede.

Após a decisão do Tribunal, os internautas ficaram atentos a políticos e empresários envolvidos em escândalos de corrupção que poderiam tirar proveito da sentença. Não lhes faltava razão: o primeiro link a cair sob a foice da censura foi a análise da BBC sobre o papel do ex-chefe do Merrill Lynch, Stan O'Neal, no colapso financeiro. O El Mundo também foi um dos jornais afetados, com uma notícia de 2008 relacionada à promotora Riviera e um possível caso de fraude. O jornal informava sobre a prisão sob fiança de dois chefes dessa empresa e as circunstâncias da detenção: pouco antes de embarcar em um avião para o Marrocos. A empresa Eliminalia divulgou que mais de 200 políticos recorreram a eles na esperança de limpar sua reputação virtual assim que souberam da sentença. “O número continua aumentando”, diz o diretor.

O Google não informa quem solicita fazer uso do seu direito, mas um dos requisitos é incluir o seu nome. O gigante da internet reconhece em seu site que talvez não estejam “em posição adequada para decidir”. Piñar demonstra preocupação com a posição de poder que ganharam os buscadores: “O Google sai fortalecido da sentença. Antes era apenas um espelho onde se refletia a informação, agora ganhou um poder de decisão que antes não tinha”.

A grande questão latente sob o debate dos critérios é a necessidade de contar com um mecanismo ordenador. Cabe aos buscadores decidir? Piñar considera indispensável “analisar este mundo global no qual um link cancelado aparece em outro endereço que não está na Europa. Precisamos de um instrumento normativo adequado ao século XXI, que procure regular tecnologia e privacidade”.

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