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Coluna
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Dois aforismos antigos para a reflexão dos candidatos nas eleições

Melhor mergulhar em ideias novas no mar da modernidade do que ser empregado de empoeirados museus de ideias mortas

Juan Arias

Atormentados pelo imediatismo da modernidade corremos a tentação de nos esquecermos da sabedoria dos pensadores antigos, cuja força de pensamento o tempo não conseguiu corroer.

Nessa sabedoria antiga existem dois aforismos que entraram na sabedoria popular e que esta coluna quis recordar aos candidatos das eleições e, junto com eles, aos eleitores.

O primeiro é do filósofo latino, Marco Túlio Cícero, que foi também um dos maiores estrategistas políticos de seu tempo, figura destacada do Senado da República. O aforismo que chegou até nós e que tem sua atualidade no atual debate eleitoral, diz assim: “Sapientis es mutare consilium”, que o dicionário de latim traduz não só literalmente como “é sábio mudar de ideia”, mas também com uma interpretação mais ampla: “é sábio reconhecer os próprios erros”.

Os políticos de hoje acreditam, pelo contrário, que o que dá prestigio e firmeza é ter princípios imutáveis, nunca mudar de ideia, o que significaria coerência e ofereceria segurança.

Acontece, entretanto, que segundo os filósofos da antiguidade a incapacidade de mudar de ideia, de reconhecer que podemos ter nos equivocado, assim como a coragem de confessar que hoje não pensamos como ontem, talvez porque crescemos em experiência e sabedoria, é característica mais de ditadores e tiranos.

Seriam os políticos mais autoritários, aqueles incapazes de entender que o pensamento único cheira mais a fascismo do que à democracia, os que acusam os outros do pecado de mudar de ideia.

Cícero, já antes de Cristo, contribuiu, talvez sem intenção, para defender os verdadeiros princípios democráticos que estão mais próximos daqueles capazes de evoluir e até mudar de ideia e reconhecer os próprios erros do que aqueles presos como múmias embalsamadas nos museus da imobilidade intelectual.

Cultivadores da ideia do imobilismo de pensamento que acaba se confundindo com a virtude política são os incapazes de serem filhos de seu tempo, de evoluir arrastados pelo progresso, de mergulhar nas novidades que a cada instante nos brinda o pensamento vivo do ser humano, os que não têm medo de evoluir em seus pensamentos.

O aforismo ciceroniano foi completado séculos depois com outro aforismo de outro gênio do pensamento humano, o doutor da Igreja, Tomás de Aquino, que cunhou a frase, também em latim, que diz: “timeo hominem unius libri”, ou seja, “tenho medo do homem de um só livro”.

O aforismo, traduzido também como “tenho medo do homem de uma só ideia”, foi usado pelo grande escritor argentino Jorge Luis Borges, que com seu sonho de uma Biblioteca Universal que abrigasse todo o saber do mundo, se antecipou à moderna internet, a maior enciclopédia do saber que a História humana já teve.

De Borges, que foi um escritor multifacetado, o poeta da metáfora dos espelhos, que cultivou todos os gêneros literários, escutei o comentário sobre o aforismo de Tomás de Aquino em suas saborosas conferências na Itália. Devorador de livros, Borges, como Cícero, se espantava dos que haviam lido um só livro, ou seja os homens de uma só ideia fixa, que são, dizia, os que acabam impondo-a ditatorialmente para os outros, já que não concebem que alguém possa ser capaz de repensar a História.

Temos aí dois aforismos do passado que retomam sua viva atualidade nessas eleições brasileiras, nas quais escutamos os candidatos acusarem-se uns aos outros de volubilidade nas ideias, de falta de coerência pelo mero fato de defenderem hoje por coerência e honradez intelectual o que haviam condenado ontem. De sua incapacidade de reconhecer os próprios erros.

Se é certo que é sábio ser capaz de mudar de ideia e as pessoas ancoradas em um só pensamento fixo dão medo, deveríamos analisar discursos e polêmicas dos candidatos à luz dessa velha e hoje atual filosofia dos sábios de antigamente.

Eles foram, na verdade, os precursores e idealizadores dos fundamentos da democracia moderna, que deveria se nutrir do pluralismo cultural e não de monolíticas ideias que desembocam sempre na pura mediocridade.

Melhor mergulhar em ideias novas no mar agitado de nossa sociedade em evolução que ser empregado de empoeirados museus de um passado que não existe.

Daquele passado seguem vivos somente os que foram capazes em sua época de abrirem-se ao novo que estava nascendo, como aquela democracia incipiente de Atenas e Roma, precursora da nossa.

Sua sabedoria deviria nos servir para que nossos modernos parlamentos não degenerem em museus de ideias mortas.

O poeta Juan Bufill, com dois versos densos de conteúdo, abarca toda a riqueza da busca pelo novo, pelo que ainda não tem identidade mas que já existe em gestação:

“Para que aquello que aún no tiene nombre,

Para eso no sabido, hemos nacido”.

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