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Hollande força uma mudança de governo para lançar suas reformas

O primeiro-ministro apresenta sua demissão para formar um novo Executivo sem críticos. A ministra da Cultura rechaça continuar na equipe

Carlos Yárnoz
François Hollande e Manuel Valls, em 15 de agosto.
François Hollande e Manuel Valls, em 15 de agosto.AFP

A retomada política na França estava sendo anunciada como quente, mas explodiu antes do tempo com uma grave crise de Governo. O primeiro-ministro da França, Manuel Valls, apresentou nesta segunda-feira sua lista de demissões do Governo ao presidente do país, François Hollande, como parte da formação de um novo Executivo, depois que o presidente solicitou a ele uma remodelação governamental.

Valls se reuniu nesta manhã com Hollande para anunciar sua decisão. Segundo um comunicado da Presidência, “o chefe de Estado pediu ao primeiro-ministro que monte uma equipe de acordo com as orientações que ele mesmo definiu para o país. A composição do novo Governo será anunciada na terça-feira”.

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Em um movimento perfeitamente coordenado com a Presidência, Valls reforma sua equipe presumivelmente para livrá-la de uma minoria de ministros críticos à política de reformas econômicas que Hollande vem conduzindo desde janeiro, quando propôs um “pacto de responsabilidade” para impulsionar novamente a produtividade francesa à custa de profundos cortes e vantagens para as empresas avaliadas em mais de 40 bilhões de euros (120 bilhões de reais).

Espera-se que o novo gabinete seja uma demonstração de firmeza diante das críticas direcionadas a Valls nos últimos dias. Após semanas subindo o tom de suas indiretas contra o primeiro-ministro, Arnaud Montebourg, ministro da Economia, se colocou na porta de saída do Governo ao atacar duramente as diretrizes econômicas do Executivo em uma entrevista ao jornal Le Monde. Montebourg desafiou a receita de contenção de gastos da Alemanha: “É preciso dar prioridade à saída da crise e colocar em segundo plano a redução dogmática do déficit, que nos leva à austeridade e ao desemprego”.

Nesta manhã, antes do anúncio da crise de Governo, Montebourg deu uma entrevista à rede de TV Europe 1 na qual ratificou sua posição e afirmou não saber por quanto tempo ainda seria ministro já que não leva a sério a possibilidade de uma reforma do Executivo. Suas declarações soaram como uma provocação a Manuel Valls: “Me parece que alguns não se separam dos ministros que fazem propostas dentro de um debate legítimo”. Em sua opinião, “não houve nenhum questionamento da solidariedade governamental”.

Benoît Hamon, ministro da Educação e outra importante voz crítica às políticas de austeridade da dupla formada por Hollande e Valls, apoiou no domingo os comentários de Montebourg, no jornal Le Parisien e em uma festa do Partido Socialista (PS) em Frangy-en-Bresse, a chamada Festa da Rosa. E ainda se declarou próximo aos 41 deputados socialistas rebeldes que criticaram as reformas na Assembleia Nacional.

Com Montebourg e Hamon, outros ministros também se mostraram críticos com as reformas, embora de forma mais moderada. É o caso das ministras de Justiça, Christiane Taubira e da Cultura, Aurélie Filipetti. Esta última declarou hoje que não deseja continuar no próximo Gabinete de Valls.

A crise no Governo também tem seu impacto a nível europeu. A França, muito criticada em Bruxelas por não cumprir as metas de déficit, não tinha precisamente em Montebourg um apoio diplomático. Profundamente germanófobo e euro-hostil, além de tradicional inimigo da imprensa liberal anglo-saxã e alemã, Montebourg atacava com frequência as políticas de contenção de Bruxelas e de Berlim. Dispensando-o, Hollande abre caminho para negociações fundamentais, como as com os membros da nova Comissão Europeia de Jean-Claude Juncker. Hollade pretende que Juncker conceda uma importante pasta econômica a Pierre Moscovici, ministro da Economia até março passado.

Um contexto de cortes

Em 29 de abril, Manuel Valls anunciou os maiores cortes dos gastos públicos da história moderna francesa diante de uma Assembleia Nacional dividida e de um PS fragmentado. Valls obteve aprovação para um ajuste de 50 bilhões de euros (150 bilhões de reais) em três anos em uma votação com 265 votos favoráveis, 232 contra e 41 abstenções dentro de seu próprio partido. Montebourg e Hamon são os ministros mais próximos desses rebeldes que transformaram sua atuação parlamentar em um enfrentamento permanente com Valls.

“Não podemos mais viver acima de nossas possibilidades”, disse Valls naquele dia, pedindo com veemência (e pouco sucesso) o apoio simbólico dos socialistas. Na ocasião, ele apresentou o Programa de Estabilidade trienal que a Comissão Europeia exigiu a Paris para reduzir o déficit da França como uma “decisão soberana”, imprescindível para criar empregos, aumentar a competitividade das empresas, voltar a crescer, diminuir o déficit – “que está nos asfixiando”, enfatizou -, e garantir “a justiça social e o poder aquisitivo dos mais desfavorecidos”.

Desde então os conflitos sociais têm perseguido o Executivo. Um exemplo foi a dupla greve de ferroviários e de funcionários da indústria do entretenimento, em junho. Os primeiros mantiveram metade dos trens da França parados durante uma semana em protesto contra a futura reforma ferroviária. Os segundos (trabalhadores autônomos de teatro, música, dança, televisão e cinema) forçaram o cancelamento de dezenas de espetáculos como maneira de contestar a reforma de seu regime de proteção ao desemprego.

Manuel Valls assumiu o lugar de Jean-Marc Ayrault em 1o de abril, depois da queda dos socialistas nas eleições municipais de março. Chegou ao Governo com uma ampla agenda de reformas e formou um Executivo comprometido, trazendo pela mão rostos conhecidos como o de Ségolène Royal e respeitando boa parte dos ministros já em seus cargos. Entre seus gestos conciliadores, teve destaque o de entregar a pasta da Economia a Arnaud Montebourg, que já fazia parte do gabinete de Ayrault e representava a ala mais esquerdista do partido.

Com o apoio dado hoje a Valls, Hollande faz vista grossa à baixa popularidade de seu primeiro-ministro, que, menos de seis meses depois de ser nomeado, conta com o apoio de apenas 36% dos franceses, segundo pesquisa do instituto Ifop para o Le Journal du Dimanche.

Dessa forma, Hollande oferece ao primeiro-ministro a possibilidade de organizar um Executivo a seu gosto. “A França não pode esperar”, argumentou o presidente francês em julho. Ele já quis calar as vozes discordantes e apoiou incondicionalmente seu primeiro-ministro: “Eu o nomeei por causa de sua eficiência, sua capacidade de organização e sua rapidez. Alguém acha que eu indicaria um primeiro-ministro para ele fazer uma política que eu não quisesse?”, indagou. “Nada nos separa em nossos objetivos”, disse.

A crise econômica francesa

  • O PIB cresceu 0,3% em 2013. A dívida pública alcançou 93,6% do PIB em março. A França paga quase 50 bilhões de euros por ano em juros. A taxa de desemprego passa de 10%.
  • O Pacto de Responsabilidade, cujas linhas gerais foram aprovadas pelo Parlamento em abril, prevê descontos em impostos para as empresas que aceitarem reduzir seus rendimentos em 41 bilhões de euros. Cortes de impostos para as famílias representam 5 bilhões de euros.
  • Para compensar, Hollande pretende reduzir em 50 bilhões de euros o gasto público entre 2015 e 2017. Desse total, 18 bilhões de euros correspondem às despesas do Estado; 11 bilhões de euros, às administrações regionais e locais; 10 bilhões de euros, à saúde; e 11 bilhões em outros serviços.
  • A maior parte dos cortes terá que ser definida nos próximos orçamentos. Já está aprovado o congelamento das aposentadorias superiores aos 1.200 euros mensais.

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