“A morte trágica de Campos fortalece a gana de mudança do eleitor”
O episódio dramático pode levar a um fechamento desse 'gap' entre a sociedade e a classe política
A violenta e inesperada saída de cena de Eduardo Campos, candidato do PSB à presidência que morreu na última quarta-feira num acidente aéreo, foi penosa e chocante não só para a sua família e seus correligionários mais próximos. Eleitores e não eleitores do presidenciável se sentiram consternados e obrigados a refletir sobre a processo eleitoral e sobre quem era o político que vinha persistindo em terceiro lugar nas pesquisas com uma mensagem de mudar o modo de fazer política no país.
Por isso, a morte de Campos pode ter um alcance maior do que se supõe para o eleitor brasileiro, acredita a socióloga Fátima Pacheco Jordão. “A morte trágica de Campos reduz a distância entre a sociedade e a classe política”, avalia ela, que é diretora da D'Fatto pesquisa em Jornalismo. A última mensagem do presidenciável, numa entrevista ao Jornal Nacional, da rede Globo, um dia antes, “Não desistam do Brasil”, poderia ter um efeito importante para a juventude brasileira que anda tão refratária à política. “A ideia de renovação está escrita na sociedade. É uma mensagem que Eduardo Campos encampou”, afirma. A sua morte, explica, fortalece a gana de mudança do eleitor.
Pergunta. O que dá para concluir de uma tragédia tão inesperada que tirou a vida de um candidato na corrida eleitoral para a presidência?
Resposta. Esse trágico acontecimento pode vir a deixar um legado positivo. Eduardo Campos era alguém que nunca se meteu em escândalos nacionais, casado, tinha cinco filhos, toda uma configuração de um bom sujeito. Para um eleitorado que andava tão indiferente, ficou muito gravada a última fala dele em sua entrevista para o Jornal Nacional. “Não desistam do Brasil”, algo que pode ter um efeito importante para mobilizar os jovens.
Não há nenhuma figura representativa que possa captar os votos de Campos, além de Marina
P. Mas a ponto de mexer com as intenções de votos já anunciadas?
R. A campanha andava fria, com um patamar de brancos e nulos num padrão razoável. E no qual 65% dos eleitores não tinham candidato quando os pesquisadores pediam para que citassem espontaneamente em quem iam votar, ou seja, sem ajuda de uma lista de nomes para escolher. Outras perguntas feitas ao eleitor também são relevantes. Quando se questiona se a sua intenção é certa, provável ou nunca votaria naquele candidato, você percebe que cada eleitor tem praticamente dois candidatos em mente. Ou seja, neste estágio, o eleitor tem mais de uma opção de voto. A classe política ainda não captou que a sociedade busca um novo modo de fazer política.
P. Está claro o que o brasileiro está pedindo?
R. A sociedade tem demandado isso há muito tempo. São muitos os indicadores de mudança, de rejeição à política e aos políticos. Ao menos 60% das pessoas repudiam os partidos. Portanto, essa ideia de renovação está escrita na sociedade. É uma mensagem da sociedade que Eduardo Campos encampou. Isso não impede que num momento de transição, Aécio Neves ou a própria Dilma, reforcem essa linha. Não é só renovação de governo, é de cultura política. Associar a dinâmica de fazer política, com governança. Confiou-se sempre na liderança pessoal na política brasileira. Isso está ganhando uma nova configuração, a partir do ano passado, com as pessoas exigindo mais da política, nas manifestações de junho. Tenho a impressão que isso não morre com o Eduardo. A Dilma já havia colocado há muito tempo, e o próprio PSDB na década de 90 veio com essa formulação. O conseguir ou não conseguir, tem a ver com a disposição do eleitorado que hoje está mais claramente enxergando essa perspectiva.
P. Marina é a candidata natural da coligação em torno do PSB agora?
É uma tradição brasileira esse registro populista, que vem até a Dilma. No entanto, a sociedade está além disso
R. Sim, é a candidata natural, e o PSB não tem outra saída. Não há nenhuma figura representativa que possa captar esses votos de Campos. Há várias lideranças dentro do partido que rejeitaram por muito tempo a candidatura do Campos e a aliança com Marina. Mas o sinal mais importante veio do irmão dele. A rigor, neste momento, sem nenhuma articulação política, planejamento, etc, a família é a única que pode se manifestar. Antonio representa a família, não partidária, e isso é muito forte. Campos tinha uma mãe combativa (Ana Arraes), com um cargo importante no Tribunal de Contas da União, tem uma família bem constituída, ele tem uma base familiar muito importante. Então, tenho a impressão que essa manifestação do irmão é uma sinalização muito forte, até para a Marina aceitar.
P. Ela estaria confortável?
R. Ela sabe dos limites dela dentro do próprio partido. Mas por essa indicação [a carta de Antonio Campos ao PSB], certamente o irmão conversou com a Marina. Nesse período ela se aproximou muito da família, especialmente da mulher dele [a viúva Renata]. Quando ela se manifestou depois da morte de Campos, a fala dela de pêsames, foi exclusivamente para a família. Eu interpreto não só que eleitoralmente é lógico, mas também que se ganhou um novo indicador que facilita para os dois lados. Facilita para o partido, e para a escolha da Marina.
P. Nem Dilma nem Aécio conseguem representar a vontade de mudança esperada pelo eleitorado?
R. Não representam. Dilma já tentou ser mais “gerente”, fazer faxina [da corrupção]. Dilma tentou captar, não conseguiu, mas introduziu essa questão. Ela tem forte rejeição, mas tem uma noção muito consistente. Cerca de 40% de intenção de votos, nos últimos meses, com todas as crises. Mantém esse patamar. Mas tanto Aécio, quanto Campos, captavam sim esse anseio. Não era tanto por mérito próprio, eram alternativas. Aécio, porém, não conseguiu introduzir na sua postura essas respostas.
Esse episódio trágico pode levar a um fechamento desse 'gap' entre a sociedade e a classe política
P. Mas e esse vazio agora?
R. Neste momento houve um casamento. Há a conjunção de um desejo da sociedade e a comoção [com a morte de Campos] e conteúdo de elogios direcionados a ele, mostra que existe sim essa saída. Depende também cobrar esta direção. Quando a população reclama que a saúde não funciona. Ela ainda não está associando uma saída política em que os políticos possam dar, essa de gestão. É uma demanda que se avance para a governança.
P. Esta campanha já era curta com a Copa e agora entramos em inércia com a morte de Campos, não?
R. Será? Nunca foi tão quente como nas últimas 48 horas. Quando a Marina falar, seja como candidata ou não, ela enfatizará essa nova ideal da candidatura de Campos. E que provavelmente será a dela. Mas será inescapável que Dilma e Aécio também passem essa mensagem. Certamente os primeiros programas, tanto de Dilma como de Aécio, terão esse conteúdo. Agora, os políticos perceberam o que nós, pesquisadores, percebemos há muito tempo. Uma demanda que vai além das propostas dos partidos até o momento.
P. A Marina tem essa resposta à sociedade?
R. Sem dúvida. Vários tiveram, [o ex-governador de São Paulo] Mario Covas teve, [o ex-deputado do PMDB] Ulisses Guimarães teve, e Marina tem. O próprio Fernando Henrique Cardoso teve. Buscar uma mudança no modo de fazer política. De certa maneira Lula e Dilma reforçaram a maneira antiga de fazer política. Um aspecto do populismo, um mito, o Governo Bolsa Família. É uma tradição brasileira esse registro populista, que vem até a Dilma. No entanto, a sociedade está além disso. Nunca pensamos a sociedade na frente [da classe política], mas ela está. Assim como em meio ambiente, em comportamentos sexuais, direitos reprodutivos. Isso não emerge do nada. Não está na pauta de nenhum partido e são questões que estão pululando na sociedade. Direitos das mulheres, por exemplo, você não vê isso em nenhum partido. Há uma indiferença.
P. São dois mundos?
R. É um colapso, entre o que tem este sistema arcaico, e a sociedade, que tem uma rede de informações enorme. Este episódio trágico pode levar a um fechamento desse gap entre a sociedade e a classe política. Ele fortalece a gana de mudança. A população vai entender que havia e há expressões políticas que querem essa demanda e quais partidos não tinham introduzido. Toda a comunicação de Aécio e de Dilma, certamente, está sendo repensada.
P. A eleição está muito sujeita a mudanças até outubro?
R. Dado esse descompasso da classe política, haverá outros trancos no processo. Isso fica escancarado. Campos pode ter falado uma linguagem, com a sua morte, que a população entenda como ação de mudança. Isso vai mudar os candidatos atuais. Não é que a esquerda será a direita, mas haverá mais peso da voz da sociedade na sua programação política. Ate o momento os candidatos tiveram de ficar em plano interno de defesa de candidatura diante de inimigos internos, fogo amigo, racha entre o movimento “volta Lula” e Dilma dentro PT, os que queriam (José) Serra e Aécio, no PSDB. Agora estão tendo que unir trincheiras diferentes. Eu diria mais. Em termos de Brasil não é nem justificável o que separa Campos de Dilma, ou Lula de Fernando Henrique, quando se pensa o Brasil. Tenho a impressão que essa tragédia pode ajudar a focar melhor isso.
P. A Marina, se assumir a candidatura, pode vencer?
R. Muito difícil prever. Nenhum dos três presidenciáveis que estão na frente tem uma consistência total. Eles têm de fato um bloco de eleitores que permite sua eleição. Mas não tem a situação política. Dilma tem tudo isso, mas não consegue mostrar que a continuidade é o ideal. Terá de se basear em outros argumentos. E o Aécio, que poderia ter essas características, de mostrar novos caminhos, não consegue falar com a sociedade.
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